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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Da Califórnia de João Bendito - CARROS, AVIÕES E DOMINÓS


CARROS, AVIÕES E DOMINÓS

Na freguesia de São Pedro, em Angra do Heroísmo, toda a gente os conhecia.
Eram os filhos do Mestre Ângelo “Bate Chapa”. Em tempos de dificuldades no pós-guerra, era mais do que natural os rapazes aprenderem os ofícios dos pais. Os cinco irmãos Medeiros Fernandes não fugiram à regra. Guilherme, Floriberto, Abel, Ângelo, e Eliseu cresceram a ouvir as pancadas certeiras e ritmadas dos martelos, a cheirar os fumos das soldaduras e a respirarem o pó das lixadeiras. Só a irmã Fátinha, a única mulher da prole, escapou às oficinas, com tanto rapaz em casa, alguém teria que ajudar a mãe no manejo do lar.
Mestre Ângelo Medeiros era pessoa muito conceituada na cidade. Para além de pertencer à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Angra, chegou também a ter carro de aluguer na Praça Velha. Como todo o terceirense que se preze, era aficionado da Festa Brava, fez parte dos grupos de forcados que atuavam nas corridas organizadas pelo Sport Clube Lusitânia, onde despontaram toureiros amadores que, sem exagero, podiam competir com alguns dos “sapateiros” que vinham de Lisboa, contratados pelo célebre empresário Alfredo Ovelha. A costela taurina da família continuou com o filho mais velho, Guilherme, exímio músico da Recreio dos Artista, que era o trompetista escolhido para, ao lado dos diretores de corrida, entoar os toques que causavam arrepios a alguns diestros e enchiam de expectativa os olhos e a alma dos aficionados. Em relação à tauromaquia, ainda é de salientar o entusiasmo pelas touradas à corda que levava o benjamim da família, o Eliseu, a percorrer a ilha de lés a lés a fim de assistir a tantas quantas podia, principalmente já depois de reformado.
A chegada das tropas inglesas à Terceira e a construção do campo de aviação nos férteis terrenos do Ramo Grande, na freguesia das Lajes, abriram as portas a muitos trabalhadores portugueses. Não só os terceirenses foram beneficiados, das outras ilhas dos Açores, da Madeira e do Continente português vieram mestres de vários ofícios e mesmo gente sem habilitações específicas que se adaptaram às novas técnicas e às novas línguas. O movimento de aviões era desusado, aumentando mesmo para níveis nunca vistos aquando da chegada dos americanos, que tomaram controle de quase tudo o que se passava na Base. Claro que a presença da guarnição portuguesa era importante, a Base Aérea 4 acomodava muito pessoal militar e, tal como os americanos, empregava uma grande quantidade de trabalhadores civis.

Aviões
Mestre Ângelo foi dos primeiros a aproveitar as oportunidades de trabalho. Começou ainda com os ingleses, com quem aperfeiçoou as técnicas de soldadura e de trabalhar os alumínios das fuselagens. Nos derradeiros anos da década de 40 já vários dos filhos o acompanhavam na oficina. Com a saída dos súbditos de Sua Majestade, muitos trabalhadores passaram para os quadros da Força Aérea Portuguesa, onde cuidavam da frota de aparelhos nacionais e se dedicavam também aos trabalhos necessários para transformar alguns aviões que os americanos “vendiam” ao Governo português pela astronómica quantia de ... $1 dólar! Tal foi o caso dos bombardeiros B17, os famosos Flying Fortresses, adaptados para operações de busca e salvamento nos mares dos Açores. Entre os anos de 1947 e 1960 a BA4 teve cinco aviões desse tipo ao seu serviço.

Os pilotos portugueses tinham grande confiança no pessoal das equipas de manutenção, principalmente nos casquinheiros, nome por que eram conhecidos os técnicos de fuselagem. No caso dos B17, havia que fazer um grande trabalho de adaptação, cobrir todas as zonas de onde haviam sido retiradas as metralhadoras e outros materiais que não se adequavam ao uso civil do avião.
“O Major Solano de Almeida um dia convidou-nos a dar um passeio por sobre a Ilha Terceira”, diz-nos Eliseu Fernandes, agora com 84 anos de idade, residente na Praia da Vitória e o último sobrevivente dos filhos de Mestre Ângelo “Bate-Chapa”. Ainda com uma memória clara e lúcida, recorda que, durante aquele voo, ia ficando surdo, “Aquilo era uma barulheira infernal dentro do avião, chocalhava por todas as juntas. Não admira que alguns dos arrebites se soltassem”. Os anos de trabalho na BA4 estão ainda bem vivos na memória do Sr. Eliseu. “Comecei a trabalhar com 15 anos. O meu pai pediu uma autorização especial ao Comandante da Base. Aos 17 anos entrei para o quadro”, conta-nos o antigo casquinheiro. “Nem sequer seria descabido dizer que éramos como uma família naquela oficina, porque realmente assim era; e dávamo-nos muito bem com os outros colegas, tudo gente bem-educada e grandes técnicos, cada um na sua especialidade”.

Futebolista
“O meu irmão Ângelo foi o que seguiu outro rumo”, recorda Eliseu. De facto, Ângelo Medeiros (filho), depois de alguns anos a representar as cores do S.C. Lusitânia, onde formou uma famosa ala esquerda com o outro Ângelo, o Faria, rumou a Moçambique, onde se foi juntar à futura esposa. Durante os primeiros dez anos de permanência na antiga província ultramarina, Ângelo alinhou pela famosa equipa do Ferroviário de Lourenço Marques, onde ganhou vários títulos provinciais e participou em deslocações ao Extremo Oriente. “Viveu muitos anos em Moçambique, trabalhava para a companhia de caminhos de ferro. Infelizmente, com a descolonização, teve que trazer a família para Lisboa, onde acabou os seus dias”, adiantou Eliseu, com uma pontinha de saudade na voz. “Ficámos os outros quatro filhos na Base”.

Dominó
O Senhor Eliseu gosta de contar estórias. E, parece que, nos tempos de oficina na Base, passavam-se casos engraçados, que ele gosta de relatar. “Como eu era o aprendiz, o meu pai, nas horas mais livres, metia-me a lixar as peças do jogo de dominó que ele resolveu fazer. As pontas dos dedos ficavam lisas também”, conta, com uma gargalhada. A verdade é que o Mestre Ângelo era um inveterado jogador de dominó e, por conseguinte, meteu mãos à obra para fabricar, em alumínio puro, um conjunto completo de peças e a respetiva tábua de marcar a pontuação. Como não podia deixar de ser, os pivotes para marcação eram arrebites dos que usavam para unir as placas de alumínio das aeronaves. Só que, ninguém sabe bem como, o jogo do dominó desapareceu!

Passados anos, o Sr. Eliseu, já casado, resolveu ir dar a volta à ilha no Domingo do Bodo. De passagem na freguesia das Lajes, foi ao «Café Vitória» comprar um pirolito para a esposa. Logo lhe chamou a atenção o costumeiro bater das peças de dominó no tampo de uma mesa e o alarido dos jogadores. Quatro vociferantes cavalheiros nem ligavam à Festa do Espírito Santo que se celebrava no lado de fora da porta. Eliseu reconheceu logo o jogo que lhe dera cabo da pele dos dedos, mas não se alarmou. Manteve-se calmo, foi só avisar a esposa que aquela paragem ia demorar um bocadinho. Quando viu que o jogo estava terminado, Eliseu abeirou-se da mesa, recolheu as peças todas, e apenas avisou, autoritário, “Os senhores que me desculpem, mas este jogo é do meu pai!”. Perante o olhar abismado dos presentes, Eliseu meteu tudo no bolso e foi continuar a peregrinação pelos Impérios da ilha.
Nem só jogos de dominó se faziam nas horas vagas. Um pouco às escondidas, a oficina desenrascava situações de emergência, tanto para civis como para militares. Soldavam-se panelas de escape de carros e panelas de cozinha, para as donas de casa, entre outras “obras”. Os jovens residentes na Base, nas férias de verão, pediam aos mestres serralheiros que os ajudassem a construir as espingardas que usavam nas suas aventuras de pesca submarina. Jorge Fernandes, filho de Mestre Guilherme, ainda hoje guarda uma pulseira de relógio, feita em alumínio, que o tio Floriberto lhe ofereceu quando foi casar à Terceira.

O Sucati
Nos primeiros anos da década de 50, o Major Sarmento da FAP apresentou um desafio à oficina dos casquinheiros: Seriam eles capazes de “fabricar” um carro? Claro que o oficial não se estava a referir a um carro normal, a ideia era montarem, com material de sucata, um veículo tipo carro-de-ladeira. Foi a vez de Guilherme Fernandes, mestre soldador, tomar a peito o repto do militar. Assim, de novo nas horas de menos serviço, o carrinho foi tomando forma. Mestre Guilherme – agora já todos os filhos do chefe da oficina eram conhecidos por Mestres - empenhou-se de alma e coração na empreitada. Usaram volante e faróis de carros americanos, vidro de avião para para-brisas e, imagine-se, foram descobrir um motor de uma betoneira que sempre ajudava o carrinho a andar em caminho direito ou nas descidas. Nas subidas... bem, nas subidas era de empurrão.

Batizaram-no de SUCATI, uma paródia a misturar o nome da famosa marca de motas com o lugar de origem de muitas das peças. E tiveram o cuidado de lhe montar na frente um dístico com letras bem grandes que explicava que aquilo tudo era uma experiência, não fosse algum polícia inticar com o possível condutor, caso o carrinho viesse a circular nalgum lugar público. O SUCATI fez furor numa gincana que se realizou no Campo de Jogos da cidade de Angra, tendo ao volante o filho do Major que o idealizou.
Tal como aconteceu com o jogo de dominó, também o paradeiro do SUCATI se perdeu com o passar dos anos. Um amigo, rapaz que cresceu na Base 4, lembra-se de o empurrar na ladeira junto do Clube de Oficiais. Parece que o SUCATI foi vendido a um militar americano, que o trouxe para os Estados Unidos e que, subsequentemente, o vendeu a outro que o levou para Espanha. Há uns anos, o filho do Mestre Guilherme, já na América, tentou saber qual teria sido o destino do SUCATI. Apenas tinham um nome para iniciar as buscas e, através da Internet conseguiram um número de telefone, do Estado da Flórida. Depois de duas tentativas, Jorge Eliseu conseguiu falar com um simpático senhor que confirmou toda a estória, que esteve ao serviço da Força Aérea Americana na Base das Lajes e que, sim senhor, tinha sido ele que comprara o carro que acabou por vender. Não sabia mais nada. Mas adiantou um promenor engraçado: Decidiu vender o carro porque o filho para quem o comprara, se desinteressou dele quando, anos depois, foi escolhido pela Força Aérea para ser um dos pilotos do Air Force One, o avião presidencial americano!
Agora, quem sabe por onde andará? Pode ser que, do mesmo modo que aconteceu com o jogo do dominó, algum descendente do mestre Guilherme casquinheiro dê com ele num fortuito encontro e, calmamente, lhe ponha as mãos em cima e diga aos ocupantes, “Os senhores que me desculpem, mas este carro deveria voltar para a posse da minha família!”

O Que faz a Fama...
Nos finais da década de 60, o Mestre Guilherme foi protagonista de um episódio que mudou por completo o rumo da sua vida. Num sábado à tarde, ele e os irmãos viram aterrar na Base um bonito avião, que lhes chamou a atenção. Era um modelo novo de um avião privado, com linhas totalmente diferentes e aerodinâmicas. Nessa noite, a pacatez da vida na sua casa foi cortada por umas pancadas à porta. Encarou com um militar americano, fardado, acompanhado por dois outros homens, que pareciam ser da mesma nacionalidade. O Inglês do sr. Guilherme era fraco, de forma que foram em cata de um intérprete. Resumindo, foi-lhes dito que o tal avião que ele admirara na pista, ia a caminho de Paris, mas na vistoria de rotina nas Lajes, verificou-se que a fuselagem necessitava reparação antes que a viagem pudesse prosseguir. E que, como o avião era privado, os mecânicos americanos não poderiam fazer o serviço, tinha que ser feito por uma entidade independente. Sabiam que ele e os irmãos trabalhavam para a FAP, mas, quem sabe, estariam dispostos a fazer um biscate?
Guilherme, Abel e Eliseu puseram mãos à obra, trabalharam todo o domingo (com ferramentas e material da FAP...) e desenrascaram o problema. Depois de um pequeno voo para testar o avião, os pilotos voltaram à Base para prepararem a última etapa da viagem, e quiseram saber quanto custava o trabalho dos casquinheiros. Guilherme, irónico, fez saber que aquilo só seria pago era com um contrato de trabalho e um passaporte para ir para a América. Um dos pilotos tomou o caso muito a sério, pediu-lhes informações e disse que ia tratar de tudo. Guilherme Fernandes nunca mais pensou no assunto, até que, inesperadamente, meses depois, recebeu um envelope proveniente de uma companhia em Sacramento, Califórnia, com um detalhado contrato de trabalho. “Veio mesmo a tempo, vai ser a melhor maneira de fazer com que o meu Jorge não vá para a guerra do Ultramar”, pensou o sr. Guilherme.

Imigração
A 25 de Abril de 1970, Guilherme Fernandes, a esposa Nélia e o filho Jorge Eliseu, então à beira dos 19 anos, desembarcaram em Sacramento.
Recolheu-os uma tia da Senhora Nélia, mulher dura que lhes fez ver, logo de início, que a vida de imigrante não seria fácil. De facto, quando Guilherme se foi apresentar à companhia que o contratara – acompanhado pelo padre Valdemiro Fagundes, o sacerdote da igreja de Santa Isabel, de Sacramento – quase que deram com o nariz na porta. A secção onde Guilherme iria trabalhar estava a ser mudada para Dallas, Texas, mas teriam muito gosto em manter a oferta, caso Guilherme estivesse disposto a seguir viagem. Desapontado, Guilherme recusou a oferta, não falava inglês e não havia portugueses em Dallas que o pudessem apoiar.
Como geralmente acontece em situações destas, nunca se fecha uma porta que não se abra outra. E, no caso da família Fernandes, abriram-se duas portas: a tia com quem ficaram os primeiros dois meses de América, tinha um amigo que era proprietário de uma casa vazia. Quando soube que Guilherme era jeitoso de mãos, o dono fez-lhe uma proposta. Se ele lhe reparasse um barco de recreio que precisava de conserto, o senhor deixava-os viver na casa sem pagar renda durante um ano! Para um Mestre que já construíra um carro, que reparava aviões melhor do que ninguém, pôr um barco a modo de navegar de novo, não seria problema. E não foi.
A segunda porta que se abriu foi a do novo emprego. Outra vez com a ajuda do padre Fagundes e de outros amigos, Guilherme começou a trabalhar dali a duas semanas. Foi incorporado na oficina do Maita Oldsmobile, um dos maiores stands de venda de automóveis da capital do Estado, não como casquinheiro, claro, mas sim com “bate-chapa”. Foi como que um regresso à tradição familiar.

Ferrari
Com as poupanças que foi conseguindo fazer, ao fim de um ano Guilherme Fernandes conseguiu comprar a sua primeira casa. Era pequena, mas acolhedora, dava bem para o casal, já que o filho, Jorge Eliseu, casado de fresco com a namorada dos tempos dos estudos secundários, tinha alugado um apartamento. A quantia de 10 mil dólares que a casa custou na altura, “nem dava agora para comprar uma bicicleta, das boas”, costumava caçoar o mestre soldador. Criou fama de bom trabalhador, mereceu sempre o respeito dos patrões e dos colegas de profissão. E, no seio da comunidade portuguesa de Sacramento, a reputação que criou permitia-lhe aceitar pequenos trabalhos particulares, que executava aos fins de semana.
Na oficina de “body-shop” da Maita apareceu, certa manhã, um carro que aglutinou a admiração do pessoal. Era um Ferrari, vermelho, modelo clássico... com um guarda-lamas todo machucado. O dono queria saber se poderiam tomar conta da reparação, tinha já contactado algumas oficinas que recusaram a empreitada. O Mestre português deu sinal ao patrão que era capaz de pôr aquilo como novo. Apenas estabeleceu uma condição: não o “apertassem” com tempo, tinha que ser feito com calma e paciência.
Guilherme escolheu um guarda-lamas da Oldsmobile que melhor se parecia com o do Ferrari. Levou uns dias, com centenas de marteladas e muitas folhas de lixa por meio, para completar o projeto. O dono do Ferrari nunca veio a saber que a luzidia peça nova do seu carro não era original. Quando o foi levantar, fez questão de trazer umas pizzas para oferecer aos trabalhadores. Guilherme, em tom jocoso, apenas comentou, “eu é que fiz o trabalho e eles é que comeram a pizza!” É verdade, Guilherme Fernandes não gostava de pizza...

1960 Mini Clubman
Com altos e baixos por meio, a vida dos Fernandes na Califórnia seguia o seu ritmo normal. Já reformado, Guilherme passava muito tempo noutra “oficina”, consolava-se a consertar e a manter limpas as máquinas que o filho usava no seu negócio de limpeza de chãos de estabelecimentos comerciais. Jorge Eliseu, entusiasta que era de tudo o que dizia respeito a automóveis, decidiu comprar um modelo original, que estava em muito mau estado, de um Mini Clubman de 1960. Mestre Guilherme sentiu-se como um rapaz novo, disse logo ao filho que queria ajudar até ver o carro tomar a sua forma inicial.

Foi o último trabalho de Guilherme Fernandes. O carro ficou um primor, digno de se ver. Lá está, na garagem do Jorge Eliseu, guardado, à espera que a Mia Nicole ou o Otávio Guilherme, netos do Jorge e bisnetos de Guilherme, tenham idade para o conduzir ou, quem sabe, para levarem os seus “dates” no dia da College Graduation. Jorge já recebeu ofertas de bom dinheiro pelo Mini e nunca aceitou nenhuma, “Todas as vezes que olho para o carro, vejo o meu pai, ali sentado, a escarafunchar nele.”

Regresso aos aviões
Como bons amigos que sempre foram, Jorge Eliseu e o tio Eliseu, um na Califórnia e o outro na Praia da Vitória, conversam todos os dias via Messenger, no Facebook. “Foi a melhor coisa que me aconteceu, depois de velho”, diz Eliseu, referindo-se à rápida aprendizagem e ao uso que tem feito das redes sociais. Trocam mensagens e fotografias, conversam sobre touradas à corda ou sobre o estado do tempo, recordam factos e estórias de outros tempos...
Foi com essas conversas e depois de falarem sobre os casquinheiros da BA4, que Jorge Eliseu se começou a dedicar a um novo passatempo. Agora passa horas a construir modelos de aviões antigos. Começou com um Douglas DC3 e já está a terminar o segundo, nada mais nada menos do que um B17, o “Fortaleza”, como o chamavam os casquinheirosda equipa do Mestre Ângelo “Bate-Chapa”.
Tio e sobrinho são agora os depositários destas memórias, principalmente as que envolvem carros, aviões e jogos de dominó. A família Fernandes espalhou-se pelos Açores, pelo Continente português e pelos Estados Unidos da América. Há outros descendentes do Mestre Ângelo que, se fossem instigados a pronunciar-se, com certeza que teriam outras estórias a acrescentar. Tal seria o caso dos filhos do futebolista Ângelo Medeiros, que poderiam contar episódios passados em Moçambique ou os filhos da professora Fátinha, que viveu toda a sua vida em Lisboa. Mas, como acontece com todas as famílias de Açorianos que se aventuram a seguir os ventos e a navegar as ondas do mar com destino a outras paragens e a outros universos, muito do que lhes pertence, muitos dos blocos com que construíram os alicerces da sua existência, acaba por se perder no caminhar dos tempos. Talvez foi essa a preocupação do velho Ângelo, para que se não perdesse de novo, resolveu oferecer o conjunto do jogo do dominó ao neto mais velho, o Jorge Eliseu, quando este foi de férias à Terceira, na que foi a última vez que se encontraram.

É frequente ver-se, na casa do Jorge, o avô, na mesa da cozinha, a colar peças de modelos de aviões e, no espaço ao lado, os netos Mia Nicole e o Otávio Guilherme a jogarem ao dominó com o jogo feito pelo trisavô Ângelo já há mais de setenta anos.
Não vão conseguir recuperar o Sucati, mas este jogo de dominó eles nunca mais o vão deixar perder.
LINCOLN, CALIFÓRNIA, AGOSTO DE 2020
JOÃO BENDITO
(Informações e colaboração de Eliseu Fernandes e Jorge Eliseu Fernandes)

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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