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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Da escritora Graziela Veiga - BAGAGEM


BAGAGEM

Ao fim de anos, dou por mim a esvaziar a bagagem da minha vida. Não é tão somente abrir a mão dos pertences. É tornar-me leve, deixar ir embora feito balão que flutua, tudo o que não cabe mais, que não me satisfaz. Quer sejam pessoas, amores, ambições, cargos e encargos.
É por assim dizer, fazer um verdadeiro estrago, para depois perceber que é preciso remendar os cacos que restaram, pois não eram garantia de uma vida plena e magnífica. Basta o pouco que ficou...faz parte da vida partir, fechar as portas, descobrir caminhos novos, mesmo que pareçam estranhos ou sinuosos. Seguir em frente, porque logo ali, poderá estar o maravilhoso acaso, o inesperado, aquilo que realmente encanta, o que nunca foi planeado.
Apercebi-me que quando comecei a viver de facto, só tinha apenas uma mala pequenina de mão.
À medida que os anos passam, a bagagem vai aumentando porque existem coisas que eu recolhi pelo caminho da vida, coisas que eu julguei importantes...
Porém, a um determinado ponto do caminho, começou a ficar insuportável carregar tantas coisas...demasiada carga...
Então, comecei a escolher. E assim, fui aliviando o peso, esvaziei a mala. Mas o que tirar?
Então, dei por mim, a tirar tudo para fora...amor, amizade...no entanto, encontrei algo pesado, precisei de força para tirar. Era o aborrecimento, talvez nunca tenha chegado a ódio, pois não sou pessoa para odiar, mas pesava demasiado.
Continuei a tirar...apareceu-me a incompreensão, o medo, o pessimismo...nesse preciso momento, o desânimo quase me puxava para dentro da mala. E assim, muni-me de forças e puxei com toda a certeza que iria encontrar algo profícuo. Vai daí, encontrei um sorriso, sufocado no fundo da bagagem...e sucederam-se outros sorrisos...e logo a seguir, a felicidade...
Não satisfeita, procurei algo mais, e foi então que encontrei a tristeza, mas tirei-a para fora.
Quase convicta que tinha renovado a minha bagagem, procurei a paciência, aquela que eu vou precisar em bastante quantidade, visto que a vida é cheia de contratempos.
Então, procurei o resto. Força, esperança, coragem, entusiasmo, equilíbrio, responsabilidade, tolerância e bom senso de humor. Também tirei a preocupação desnecessária, relativizei os problemas e dei ênfase ao mais importante.
Agora que me sinto mais aliviada, preciso ter em conta que necessito fazer esta arrumação mais vezes, pois o caminho é muito longo...durante anos, carreguei pesos que não eram meus, lágrimas derramadas por ingratidões...que não eram minhas, palavras que me magoaram e que podiam muito bem terem ficado omissas.
Mas como tudo tem uma razão de ser, toda esta aprendizagem, mesmo às custas de muito sofrimento, mostrou-me o caminho, a minha real ressurreição. Ressuscitei das minhas próprias angústias e percebi que não tenho que carregar mais nenhuma bagagem desnecessária.
Descobri que não sou responsável pela falta de amor próprio de ninguém, que não sou o paliativo para pessoas adoecidas por mazelas da alma e falta de carácter. Não posso curar ninguém que não deseja a cura real, não posso dar tudo de mim para quem não merece nada, não posso carregar as frustrações alheias, nem ser responsável por actos tresloucados, àqueles a quem um dia dei o meu melhor, mas apenas recebi desamor e incompreensão de volta.
31.08.2020
Graziela Veiga
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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