DELIVERY
Nada simboliza melhor nossa submissão ao colonialismo cultural do que dizer “delivery” em vez de “entrega”. Por nenhuma razão especial, salvo subserviência ao império da língua inglesa, começou-se a substituir o perfeitamente adequado, claro, inteligível e nosso “entrega” por “delivery”. Que não significa nada além de simples entrega. De qualquer coisa – até de pizza.
Antes você ainda encontrava quem concordasse com sua revolta.
– “Delivery”! A que ponto chegamos!
– Ridículo, né?
– Ridículo! Qualquer lojinha, qualquer boteco, oferece “delivery”. Por que não “entrega”?
– “Entrega a domicílio”... É bonito isso.
– O português é uma língua bonita.
– Quem precisa do inglês?
Hoje é mais difícil encontrar um aliado na luta contra o entreguismo linguístico. As pessoas já aceitam o inglês como uma alternativa ao português, como a língua que nos espera no paraíso quando formos todos americanos. Ainda não chegamos lá, mas já temos o vocabulário.
– Você não acha “delivery” em vez de “entrega” o fim?
– Não sei... “Delivery” me parece mais fino.
Paciência. “Delivery” em vez de “entrega” acaba só tendo importância para quem desespera de um país cujo povo tem vergonha da própria língua. O coronavírus, que está alterando tudo em nossas vidas, não poderia deixar de mudar nosso modo de falar, e impor o que deve nos preocupar nesta hora obscura da nacionalidade. “Delivery” pertence à linguagem prática da crise. Ainda mais com tanta gente trancada em suas casas esperando o “delivery” da pizza.
Fora da crise, a submissão continua. Como sabe aquela mãe que não consegue entender para onde vai seu filho adolescente.
– É um draivitru, mãe.
– O quê?
– Um draivitru.
A mãe jamais entenderá o que é um “drive-thru”.
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