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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Da Califórnia de Luciano Cardoso - PENSANDO POR MIM


 PENSANDO POR MIM

A gente não é que se faz. Cada qual é como é, mas nem sempre como desejaria ser. Daí o vermos tanta frustração inconsolada por este mundo fora onde não falta quem se mate e esfole para parecer mais do que é, esquecendo sermos todos humanos imperfeitos por natureza. A frágil fibra de que somos feitos neste mundo faz-nos embirrar mais facilmente com as imperfeições dos outros. Incapazes de toparmos as nossas cá tão pertinho, especializamo-nos em apontar as alheias lá ao longe. Algumas irritam-nos de sobremaneira. No meu caso, ainda estou para saber porque é que não gosto de gente amuada. Talvez seja defeito meu, mas vou à lua num virote sempre que alguém fica inchado comigo sem uma explicação razoável. Ou pior ainda, quando deixam de me falar sem justificação alguma. Faz porventura algum sentido?

Quando verdadeiramente sã, sem falsos corantes nem ranhosos conservantes, uma amizade genuína deve ser das maiores preciosidades que nos apraz desfrutar nesta vida. Só o seu estimado primo filho de irmãos, o amor na sua fórmula original, se lhe supera em nobreza capaz de transformar este mundo para melhor. Sou dos que creem firmemente que uma boa amizade nunca deveria ser estragada pela porcaria da política. Mas tal, infelizmente, continua a acontecer com indesejada frequência devido à crescente toada inflamatória em presentes termos politiqueiros, ao menos cá pelos “States”. Deixei de morar nas nossas mimosas Ilhas de Bruma há já mais de quatro décadas, mas contam-me que, por lá, se passa o mesmo. A politiquice poluiu os límpidos ares do bom senso e ficamos todos a perder sempre que alguém desiste da sua boa educação para soltar o seu feroz lado animal. Pessoas que deixam de discutir ideias ou comparar ideais para se atacarem denegrindo-se com rasqueiros insultos, não merecem conviver numa sociedade civilizada. A tão apreciada sensatez humana vai-se sentindo cada vez mais ameaçada pela perigosa lei da selva a infiltrar-se de dia para dia nos comportamentos absurdos de quem por aí anda a portar-se bem pior do que muitos dos tais bichos ditos selvagens.

Há uma mórbida tendência a popularizar-se no nosso quotidiano convívio – “se não concordas comigo, ou se não estás do meu lado, ‘sorry’, mas não és meu amigo”. É preciso ter lata, não é? Ora bolas, então já não se pode cultivar amizade sem se discordar no pensamento? Claro que se pode. Basta, a meu ver, e como diria meu avô, que saibamos ser “razoavelmente discretos.” É das virtudes que mais admiro em qualquer pessoa de bem, independentemente do seu coeficiente intelectual ou estatuto social. Considerada uma das mais inteligentes e influentes figuras femininas na sociedade americana das últimas décadas, Ruth Bader Ginsburg, a recentemente falecida juíza do Supremo Tribunal deixou-nos lições tremendas nesse aspeto. Sem jamais abdicar das suas ideológicas opções liberais, sobretudo na incansável luta que soube manter ao longo duma brilhante carreira pugnando pelos direitos das mulheres, nunca escondeu igualmente que o seu melhor amigo dentre os nove juízes Supremos era rigorosamente o mais conservador de todos – Antonin Scalia. Apesar de defenderem posições antagónicas, mantiveram respeitavelmente durante largos anos uma salutar relação de amizade porque, “entre gente razoavelmente discreta, podem-se combater ideias sem terem de se atacar pessoas.” 

“Gente tola e toiros...paredes altas”, é um dizer antigo que ainda hoje sai com muita graça da voz do bom povo da minha terra. Vem-lhe da alma esse curioso desabafo. Há que saber fugir de ambos a tempo e horas. Não gosto de chamar nomes a ninguém, mas não engraço lá muito com quem passa a vida gabando-se da sua opinião valer mais do que a dos outros. O irritante complexo duma superioridade moral ou ético desagrada-me por completo ao topá-lo em gente demasiadamente cheia de si mesma, para quem o meu saudoso avô, sem papas na língua, gostava de guardar um adjetivo muito claro no seu simples significado – toleirões. Ou toleironas, porque também as há da mesma maneira. A tolice não conhece sexo. Fruto podre desta politiqueira barafunda que Donald Trump agravou ao ser eleito há quatro anos, o que tenho lido, ouvido e engolido ultimamente de pessoas que julgava um pouco mais ponderadas, deixam-me boquiaberto. Bem que me apetecia, mas não me vou aqui rebaixar ao seu nível. Desceu demais. 

Prezo-me muito de pensar pela minha cabecinha e irrito-me facilmente quando alguém manhosamente se oferece para querer fazê-lo por mim. Quer seja ideologia, partido, televisão ou mesmo um bom amigo – a ninguém dou esse prazer. Isto acontece muito em tempo de eleições. “Não achas que estás a pensar mal?” Irrito-me, mas não me amuo. Tento perceber e respeitar a opinião alheia desde que não fuja ao razoável ou me cheire obcecada, doentia até, como tenho notado no perturbado parecer dum ou outro prezado “amigo” deixando-se cegar ao ponto de perder as estribeiras cuspindo asneiras e insultos sem ter nenhum tafulho.  Nesse rasqueiro rol, eu não me embrulho. Mandar bocas à toa e semear veneno ao desbarato, só p’ra chatear, não é comigo.  E pronto, cada qual é como é, com direito a responder por si. Não tenho qualquer problema em dar a cara pelo que penso. Sou assim, mas era só o que faltava ser assado (na gordurenta grelha das más línguas) sem ensaiar aqui as minhas respostas a quem me censura pelas costas. Coisa feia que ninguém devia fazer. E tenho pena de quem mo fez. Mas, a gente não é que se faz.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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