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terça-feira, 27 de outubro de 2020

De António Bulcão - Sobre as eleições


Sobre as eleições

Era uma vez um arquipélago no meio do Atlântico. Composto por nove ilhas, cada uma delas com belezas raras, unia-as o mar. Naturalmente, já que os arquipélagos têm destas coisas...

Quem via as lagoas, as fajãs, as cascatas, os montes, não conseguia imaginar o drama que se passava no mar. Mas a verdade é que este mar era completamente dominado por um tubarão enorme, que espalhava o terror há mais de duas décadas entre as outras espécies.

Comprando simpatias e distribuindo favores, com a promessa de não comer os que lhe lambiam as barbatanas, ao longo de vinte e quatro anos o tubarão governara aquelas águas, vinte deles com poder absoluto.

Muitos dos outros peixes, alguns de grande porte, outros simples ruama, não gostavam do predador, e tinham tentado ao longo de duas décadas destroná-lo. Mas os seus esforços haviam sido inúteis. O número de espécies marinhas dependentes do tubarão e seus servos declarados era infinitamente maior. Ao ponto de se dizer que se tratava de um polvo, o que muito irritava o tubarão, que diabo, era um tubarão, não podia ser comparado com um molusco rastejante dos fundos e dos buracos.

Mas um dia o tubarão teve pouca sorte. Perseguindo uma garoupa que se andava a armar aos cucos, calculou mal a distância e a velocidade. Resultado: trancou o lombo numa pedra enorme crivada de ouriços.

Debilitado, começou a perder simpatizantes, à superfície, a meia água e no fundo. Mas ainda tinha a maioria.

Um mero, que antes de o tubarão fixar residência, tinha mandado naquele mar, viu a sua oportunidade para voltar ao poder. Sozinho, no entanto, nada podia, pois tinha menos espécies piscícolas do seu lado que o tubarão. Pensou então em fazer uma coligação com os peixes suficientes para governar e mandar o tubarão para casa.

A solução não era inédita. Num oceano bem maior e em tudo menos pacífico, um tubarão que até tinha a maioria já tinha sido impedido de governar por uma geringonça (união de peixe mais pequeno mas bastante empenhado).

O mero ficou num dilema. Ou se movia no sentido de captar a simpatia dos peixes suficientes para tirar o tubarão do poder. Ou deixava-o continuar a governar, na esperança de que, com o tempo a passar, outros peixes se afastassem do tubarão e ele viesse a cair de podre.

A primeira possibilidade não agradava muito ao mero. Afinal, o tubarão continuava a ter maioria, embora relativa. A democracia, que também existe nas águas, mesmo que turvas, impunha respeito por tal maioria.

Mas qual tinha sido o resultado de tal respeito, vinte e quatro anos antes? O tubarão ganhara força, conseguira maioria absoluta e era dono imperial de tudo.

Deviam agora os outros peixes oprimidos voltar a cometer o mesmo erro? Deixar o tubarão recompor-se das feridas provocadas pelos ouriços? Quatro anos dão para uma boa cura...

Ou, pelo contrário, formar uma geringonça arquipelágica e destruir o império do predador, de modo a que ele dificilmente se viesse a recompor?

Uma coisa parecia certa: se deixassem o tubarão reganhar força, voltar a reunir o seu exército de servidores, daí a quatro anos dominando absolutamente, faltar-lhes-ia legitimidade para vociferar. Ninguém lhes ligaria nenhuma no futuro. Todas as críticas feitas ao longo de 24 anos perderiam sentido, se, tendo oportunidade para fazer diferente, a perdessem. A bem dos mares.

Além de que seria o oceano inteiro a continuar a ser prejudicado pelas políticas do tubarão, não fosse este rebocado pela rampa do estaleiro.

Não sabemos o que irá decidir o mero. Não conseguimos entrar no cérebro dos peixes, que têm processos de raciocínio completamente diferentes dos humanos. Aguardamos, então, serenamente. Para ver se as águas ficam calmas ou se, pelo contrário, se agitam. Não temos feito outra coisa senão atirar pedras para o charco...

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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