Haja sentido de Estado!
Sejamos claros: a enorme fragmentação parlamentar da próxima legislatura é um enriquecimento da democracia pluralista, mas pode tornar-se num enorme tormento se todos os partidos não tiverem a noção da responsabilidade e dos desafios que aí vêm para a nossa região.
Em cima da crise que aí vem, juntar uma instabilidade política e falta de sentido de Estado é negar a vontade soberana demonstrada pelos eleitores no passado domingo.
Os açorianos deram uma vitória ao PS, é verdade, mas a maioria do eleitorado preferiu outras escolhas fragmentadas, num bloco à direita dos socialistas, pelo que ambas as partes têm toda a legitimidade para formar um governo.
A questão é saber quem possui as melhores condições para reunir um entendimento entre a maioria, mas com a certeza de que essa maioria é duradoura e consistente para uma legislatura inteira.
Há um aspecto essencial nos próximos anos de que ninguém falou na campanha eleitoral e que tem a ver com a caminhada de sete anos do próximo quadro comunitário, com fundos destinados aos Açores que ultrapassam os 2 mil milhões de euros.
É preciso saber onde vão ser aplicados, quais as prioridades e em que sectores, que modelo vamos escolher e quem irá escrutinar essa distribuição.
Um novo apoio desta dimensão só pode ser assumido por um governo robusto, consistente e com a promessa de que irá durar a legislatura inteira.
Esta é uma condição essencial aos olhos dos eleitores responsáveis.
Daí que o próximo governo terá de assentar na celebração de um acordo escrito, que garanta estabilidade, comprometedor entre todos os seus assinantes, para que não aconteça o que está a acontecer, presentemente, com a “geringonça” nacional em segunda via, por culpa de Marcelo Rebelo de Sousa, que dispensou o acordo escrito e agora está com o credo na boca à beira de uma crise política.
Todos os partidos representados no parlamento regional, sem excepção, têm de assumir esta responsabilidade perante os eleitores açorianos, porque os tempos que aí vêm serão de grande aflição.
Quer o PS, quer o PSD, têm este grande desafio pela frente que é conseguir o maior consenso possível no parlamento, apostando no diálogo permanente com as outras forças políticas e sabendo ouvir os sinais da cidadania, fora dos gabinetes.
O PS está em melhor posição por precisar de menos partidos nesta coligação, mas o seu trajecto histórico dos últimos anos não augura nada de bom, porquanto comportou-se exactamente ao contrário, não querendo ouvir ninguém, exercendo o poder a seu belo prazer, com toques de abuso e arrogância e sem nenhuma voz crítica no seu interior.
A postura na noite eleitoral foi um desastre discursivo e a prova de que se tornou um vício de falta de humildade, que marcou toda a governação destes últimos anos.
É inquietante que não tenha percebido isto já há 4 anos, quando perdeu 9.500 votos, mantendo, teimosamente, a sua postura imperial, que resultou agora em mais uma perda de 2.500 votos e o adeus à maioria absoluta.
Ao invés, a postura de José Manuel Bolieiro foi surpreendentemente racional, sem precipitações na tentativa de assalto ao poder (como vimos no filme do PS em 2015 em Lisboa), com um discurso sereno e recusando diálogos unilaterais e absolutistas.
Estas duas posturas vão definir muito do que se vai seguir nos próximos dias.
Os dois maiores partidos têm legitimidade para a formação de um governo estável, sendo que o PS, vencedor do acto eleitoral, deve ser o primeiro a apresentar uma solução que garanta estabilidade.
O único problema é que, para tal, terá de convencer um dos partidos da direita.
Estará alguma das formações da direita na disposição de “descolar” do pelotão do bloco a que pertence para se juntar a um partido contra o qual lutou durante este anos?
Como vai convencer o seu eleitorado deste “desvio”?
Se for em nome da estabilidade governativa e porque não há possibilidade de uma “geringonça” à direita, então será mais fácil compreender o contorcionismo.
Mas se for em nome de troca de lugares ou de benesses clientelares, então corre o risco de uma condenação popular.
Não serão fáceis os próximos dias, mas tudo o que se pede é muita seriedade e bom senso.
Ou há sentido de Estado por parte de todos os interessados em encontrar uma solução governativa e duradoura para o futuro dos Açores, ou então vamos ter eleições antecipadas não tarda nada, com o consequente agravamento da crise política.
Não é o futuro dos partidos que está em causa.
É o futuro de todos os açorianos e das próximas gerações, a quem já deixamos uma herança pouco abonatória.
Basta de olharem para os seus interesses aparelhísticos.
Olhem mais para o povo destas ilhas.
Outubro 2020
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
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