Alice, os ricos, os pobres e o amor
É um daqueles romances que se começam a ler e
não apetece fazer pausas até chegar à última página (a 217, no caso).
Alice, da autoria do escritor terceirense, com
costela jorgense, Manuel Ferraz Cardoso, editado pela Chiado, desperta-nos para
as singularidades das vivências açorianas com registo temporal nos anos
sessenta do século findo.
Embora um pouco mais novo (nasci na década de
70) também apanhei, nem que seja por tabela, um mundo ilhéu marcado por preconceitos,
de variadas índoles, e de presunção de fortuna.
O livro Alice, que narra as venturas e
desditas de uma rapariga açoriana, remete-me para o meu universo escolar, onde
ter posses financeiras, além do estatuto social, delimitava os territórios.
É uma metáfora de vida, onde são vincadas as
diferenças sociais. Embora interagindo (o termo é contemporâneo…) com todos os
colegas, à conta de um espírito dado a folias, senti na pele, como aconteceu
com os companheiros em igualdade de circunstâncias, o que era ser oriundo de
famílias mais humildes em termos económicos.
Os meninos ricos, ou “betinhos” se preferirem,
tinham um estatuto diferente, vestiam melhor, não comiam da cantina, eram
transportados à escola nos carros dos papás.
Os pobres, como eu, quase carregavam o estigma
como Bilhete de Identidade (o Cartão de Cidadão, à época, não passava de ficção
científica).
Mas, nada de traumas. Ser menos abonado na
carteira também traz vantagens. Aprendemos a ser mais desenrascados, a usufruir
da vida com mais sofreguidão.
Sem bola, jogávamos futebol com sacos de
plástico ou meias velhas enchidas com papel.
As calças com remendos acabavam por ter o
mesmo efeito prático do que as congéneres de marca fina.
E, no que diz ao encantamento feminino, dava
um gozo supremo ganhar a corrida aos artolas mais endinheirados. O coração de
uma donzela conquista-se sobretudo com lábia e, nisso, os pobretanas levavam
uma vantagem quase natural.
No livro do meu amigo e talentoso escritor
Manuel Ferraz Cardoso, desde o início estou do lado do personagem Armando na
luta pelo amor de Alice.
O doutor Lino Faria é um idiota chapado, que,
caso não tivesse nascido com o rabo virado para a lua, tinha uma existência
limitada à sua própria inutilidade.
No fundo, o que verdadeiramente conta é o
amor. Leiam o livro e perceberão o motivo.
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