Malaquias
a banhos
A praia de Bernardo Malaquias é mesmo a…praia.
Para ele tomar banho no verão é tão sagrado como beber cerveja o ano inteiro.
Toda a família (a mulher, dois filhos e uma
sobrinha/afilhada) o acompanha, sendo que o caniche, de sua graça “Sandokan”,
fica na viatura estacionada sempre nas redondezas.
Desempenhando funções de auxiliar administrativo
na função pública, Bernardo sente-se um cidadão
exemplar, que passa a vida a “pagar impostos para sustentar malandros e
drogados”.
O clã Malaquias encara a ida à praia como um
piquenique, com a vantagem de ter o mar à mão.
A lancheira está quase tão guarnecida como o
frigorífico. Frango churrasco, sanduíches de manteiga de amendoim, presunto e
fiambre, sumos para as crianças e mãe, cerveja (aos magotes) para saciar a sede
ao pai, fruta, iogurtes e gelados andam ao ritmo das ondas.
O lema é simples: a água salgada faz bem, mas o
estômago tem que se sentir confortável.
Este ano, porém, o senhor Malaquias sustenta que
nem tudo está bem na praia que habitualmente frequenta.
Enquanto lê o jornal desportivo da véspera,
retirado sorrateiramente do café, lança continuamente beatas para o areal e não
se cansa de repetir: “a praia está uma porcaria”.
Depois de pedir lume a um vizinho de toalha para
mais um cigarro, argumenta que a autarquia deveria ter redobrado cuidado com a
limpeza do espaço.
“Farto-me de pagar impostos e sou obrigado a
conviver com este lixo”, diz em bom som antes de arrotar e lembrar à “patroa”,
Maria de Jesus, a chegada da hora de começar a trincar alguma coisa.
Com a família à mesa improvisada, continua a
desfiar desgraças.
Queixa-se da falta das “jeitosas cadeiras”
disponíveis nos verões anteriores, da avaria na máquina de limpeza do areal,
das águas vivas que, no seu entender, poderiam ser “aniquiladas pelos
submarinos comprados pelo Portas e pagos pelo mexilhão” e da falta de água
quente nos duches da zona balnear, o que pode justificar perfeitamente a sua
persistente tosse – “o idiota do médico acha que é do tabaco”.
Por volta das três da tarde, com o sol a queimar
intensamente, sente a careca a ferver e lança novos reparos: “o nadador
salvador, se cumprisse a obrigação profissional, arranjava bonés ou emprestava
protetores solares aos banhistas”.
Maria de Jesus diz que sim só para evitar a
discussão, e os catraios, fartos de correr, fazer chichi na água como Malaquias
os ensinou a desenrascar e atirar areia junto às toalhas, perguntam o que fazer
com os restos da comida.
O chefe de família possui a resposta na ponta da língua:
“tudo para o mar porque detesto lixo!”.
As crianças obedecem de imediato, não se coibindo
de manifestar estranheza por apanharem sempre negativas nos testes escolares em
Educação Cívica.
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