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terça-feira, 27 de junho de 2017

Do jornalista João Rocha



Malaquias a banhos


                                           



A praia de Bernardo Malaquias é mesmo a…praia. Para ele tomar banho no verão é tão sagrado como beber cerveja o ano inteiro.
Toda a família (a mulher, dois filhos e uma sobrinha/afilhada) o acompanha, sendo que o caniche, de sua graça “Sandokan”, fica na viatura estacionada sempre nas redondezas.
Desempenhando funções de auxiliar administrativo na função pública, Bernardo sente-se um cidadão exemplar, que passa a vida a “pagar impostos para sustentar malandros e drogados”.
O clã Malaquias encara a ida à praia como um piquenique, com a vantagem de ter o mar à mão.
A lancheira está quase tão guarnecida como o frigorífico. Frango churrasco, sanduíches de manteiga de amendoim, presunto e fiambre, sumos para as crianças e mãe, cerveja (aos magotes) para saciar a sede ao pai, fruta, iogurtes e gelados andam ao ritmo das ondas.
O lema é simples: a água salgada faz bem, mas o estômago tem que se sentir confortável.
Este ano, porém, o senhor Malaquias sustenta que nem tudo está bem na praia que habitualmente frequenta.
Enquanto lê o jornal desportivo da véspera, retirado sorrateiramente do café, lança continuamente beatas para o areal e não se cansa de repetir: “a praia está uma porcaria”.
Depois de pedir lume a um vizinho de toalha para mais um cigarro, argumenta que a autarquia deveria ter redobrado cuidado com a limpeza do espaço.
“Farto-me de pagar impostos e sou obrigado a conviver com este lixo”, diz em bom som antes de arrotar e lembrar à “patroa”, Maria de Jesus, a chegada da hora de começar a trincar alguma coisa.
Com a família à mesa improvisada, continua a desfiar desgraças. 
Queixa-se da falta das “jeitosas cadeiras” disponíveis nos verões anteriores, da avaria na máquina de limpeza do areal, das águas vivas que, no seu entender, poderiam ser “aniquiladas pelos submarinos comprados pelo Portas e pagos pelo mexilhão” e da falta de água quente nos duches da zona balnear, o que pode justificar perfeitamente a sua persistente tosse – “o idiota do médico acha que é do tabaco”.
Por volta das três da tarde, com o sol a queimar intensamente, sente a careca a ferver e lança novos reparos: “o nadador salvador, se cumprisse a obrigação profissional, arranjava bonés ou emprestava protetores solares aos banhistas”.
Maria de Jesus diz que sim só para evitar a discussão, e os catraios, fartos de correr, fazer chichi na água como Malaquias os ensinou a desenrascar e atirar areia junto às toalhas, perguntam o que fazer com os restos da comida.
O chefe de família possui a resposta na ponta da língua: “tudo para o mar porque detesto lixo!”.
As crianças obedecem de imediato, não se coibindo de manifestar estranheza por apanharem sempre negativas nos testes escolares em Educação Cívica.



Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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