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sábado, 14 de outubro de 2017

Da Califórnia - Colaboração de João Bendito


A CALMA E ATORMENTA

No Verão de 2010, durante as férias na Terceira, tive a oportunidade de fazer uma fotografia que me deixou consolado. Não que eu seja um grande fotógrafo, longe disso, mas...calhou!
Estava na varanda de um hotel, virado para a baía do Fanal. O vento soprava arisco e o mar estava capaz de galgar a Terra. Seria, por ventura, o que, em pequeno, ouvia gente mais velha do que eu chamar as maresias de Agosto. Os vagalhões sucediam-se com uma frequência ritmada, a espuma
branca cobria a encosta do Monte Brasil de tal modo que quase nem se avistava o Cais dos Soldados. Mas, em contrapartida, a bravura do agitado mar contrastava com a calma, a quietude, serena e límpida, da água da piscina do hotel, ali mesmo debruçada sobre a orla da rocha. Parecia uma cena um tanto surreal, a natureza a querer mostrar a sua força com uma beleza estonteante mas perigosa, enquanto que , mesmo ao lado, nadavam turistas em águas quentes e pacíficas.


Atrevi-me a pôr um nome na minha fotografia: A Calma e a Tormenta.
Depois, nessa noite, em passeio pela baía de Angra, alguém me recordou outra frase que eu também ouvira aos mais antigos: É tempo de Vento Carpinteiro”.
Tive que explicar a um dos meus sobrinhos a origem de tal nome. Quando o vento soprava forte, de sul e sudoeste, causava tamanha trabuzana que atirava as naus e patachos contra as rochas da baía, provocando naufrágios sem conta.
Eram, pois, os carpinteiros da ilha os mais beneficiados. Passada que era a tormenta, recolhiam, pela praia e pelas restingas, as madeiras que davam à costa e usavam-nas nas obras das casas ou na construção de mobiliário. Houve alturas em que, por causa do infortúnio dos mareantes, a recolha de madeira deve ter sido grande. Só num dia, em 1663, naufragaram onze navios de uma frota que vinha do Brasil e a 4 de dezembro de 1811, despedaçaram-se ou afundaram-se outras sete embarcações. Com o incremento do comércio da laranja, o porto de Angra recebia navios de toda a Europa e muitos deles foram também surpreendidos pelo vento carpinteiro, como foi o caso durante as tormentas dos dias 25 e 26 de Janeiro do ano de 1861,quando se perderam pelo menos cinco navios. Caso para dizer também que muita laranja saía da Terceira! E o que não haverá de preciosidades enterradas naquelas areias...

 Lembrei-me desta foto, das laranjas da Terceira e das conversas acerca do vento carpinteiro quando me sentei em frente da TV a ver o desenrolar do movimento dos furacões que fustigaram as Caraíbas e quase todo o sul dos Estados Unidos nas últimas semanas. É mesmo de arrepiar cabelo! Metia-me raiva ver o desplante de alguns correspondentes das cadeias televisivas ao meterem-se mesmo debaixo de aguaceira e serem açoitados fortemente pelas rajadas de vento, só para repetirem as mesmas notícias horas a fio. Mas, por outro lado, temos que apreciar as tecnologias que já permitem aos meteorologistas acompanhar estas tempestades desde que elas se formam, ali para os lados de Cabo Verde, e estudarem a sua evolução, conforme se vão deslocando no deu deambular rotativo no Atlântico.
Valha-nos o sistema anticiclónico dos Açores, que faz com que a maioria destas tempestades não se aproximem muito das nossas ilhas. “Isto é por causa de um rabo de ciclone que anda por ai”, era outra expressão que ouvia aos antigos quando os ventos desacomodavam as telhas das casa ou levantavam árvores pela raiz. Se os nossos antepassados tivessem ao seu alcance os meios de vigilância que agora abundam, muitas naus e caravelas não se teriam perdido e muita laranja não teria apodrecido no fundo do mar.
Na Flórida, o Estado americano que produz mais citrinos, calcula-se que a próxima colheita de laranjas venha a ser desastrosa, tal o impacto das cheias e dos ventos nos pomares. Se calhar os Floridianos deviam começar a chamar aos furações de ventos alaranjados, já que, parece-me, poucos carpinteiros vão aproveitar os restos dos milhares de barcos de recreio, agora quase todos de fibra de vidro, que se partiram em piscas nas marinas. Vão sim, carpinteiros e muitos outros trabalhadores especializados, ter trabalho durante largos anos, para reconstruir tudo o que foi destruído em poucas horas. Ilhas inteiras perderam mais de metade do seu parque habitacional, a industria do turismo foi severamente abalada e muitas das infraestruturas – pontes, estradas, aeroportos – requerem minuciosas inspeções e reparos, antes que a vida nos Estados atingidos possa voltar a um mínimo de normalidade.
No meio de toda esta devastação aparecem sempre as vozes dos que questionam a capacidade de resposta dos responsáveis governamentais, sejam o governo federal ou o dos Estados. Infelizmente ninguém é capaz de prever exatamente o que se vai passar quando os ventos começam a assoprar mas, atendendo ao que aprendemos com desastres anteriores, foi possível avisar e evacuar milhares de pessoas para zonas mais seguras e dar o necessário apoio a quem o precisava.

Furacões sempre os houve e vão continuar a acontecer. Estudos recentes dizem que, como resultado do tão badalado aquecimento global, as tempestades têm crescido de intensidade e de força. Só esperamos que aqueles que ainda não vêem essa relação – e alguns deles estão em lugares de decisão na administração americana, incluindo o chefe supremo – tenham aprendido mais esta lição e não cortem as pernas e os investimentos necessários aos que possam continuar a estudar estes fenómenos e dar-nos pistas para nos defendermos deles o melhor possível.

Se estão certos os cientistas, se realmente a influência humana está a pôr-nos em risco com os abusos contra o ambiente, pois então que não nos esquivemos, todos e cada um de nós, de dar uma mãozinha e não irritar a Natureza.
Porque, ao fim e ao cabo, acabamos todos por ser vítimas, mais laranja, menos laranja, mais barco, menos barco.
Há que aproveitar os tempos de calma para aprender a lidar com as tormentas.
Já agora, um pensamento final: será que, aqui na Califórnia, onde o perigo dos furações é limitado mas estamos sempre debaixo do susto dos tremores de terra, será, repito, que estamos preparados para os enfrentarmos? Quem tem um plano de fuga devidamente estudado? Quem tem reserva de água, mantimentos e medicamentos e uma caixa de primeiros-socorros atualizada?
Devemos ter em conta que é sempre melhor prevenir do que remediar, antes que a desgraça nos bata à porta.
Lincoln, Ca. Setembro, 13, 2017

João Bendito


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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