A
CALMA E ATORMENTA
No
Verão de 2010, durante as férias na Terceira, tive a oportunidade de fazer uma
fotografia que me deixou consolado. Não que eu seja um grande fotógrafo, longe
disso, mas...calhou!
Estava
na varanda de um hotel, virado para a baía do Fanal. O vento soprava arisco e o
mar estava capaz de galgar a Terra. Seria, por ventura, o que, em pequeno,
ouvia gente mais velha do que eu chamar as maresias de Agosto. Os
vagalhões sucediam-se com uma frequência ritmada, a espuma
branca cobria a
encosta do Monte Brasil de tal modo que quase nem se avistava o Cais dos
Soldados. Mas, em contrapartida, a bravura do agitado mar contrastava com a
calma, a quietude, serena e límpida, da água da piscina do hotel, ali mesmo
debruçada sobre a orla da rocha. Parecia uma cena um tanto surreal, a natureza
a querer mostrar a sua força com uma beleza estonteante mas perigosa, enquanto
que , mesmo ao lado, nadavam turistas em águas quentes e pacíficas.
Atrevi-me
a pôr um nome na minha fotografia: A Calma e a Tormenta.
Depois,
nessa noite, em passeio pela baía de Angra, alguém me recordou outra frase que
eu também ouvira aos mais antigos: “É tempo de Vento Carpinteiro”.
Tive
que explicar a um dos meus sobrinhos a origem de tal nome. Quando o vento
soprava forte, de sul e sudoeste, causava tamanha trabuzana que atirava as naus
e patachos contra as rochas da baía, provocando naufrágios sem conta.
Eram,
pois, os carpinteiros da ilha os mais beneficiados. Passada que era a tormenta,
recolhiam, pela praia e pelas restingas, as madeiras que davam à costa e
usavam-nas nas obras das casas ou na construção de mobiliário. Houve alturas em
que, por causa do infortúnio dos mareantes, a recolha de madeira deve ter sido
grande. Só num dia, em 1663, naufragaram onze navios de uma frota que vinha do
Brasil e a 4 de dezembro de 1811, despedaçaram-se ou afundaram-se outras sete
embarcações. Com o incremento do comércio da laranja, o porto de Angra recebia
navios de toda a Europa e muitos deles foram também surpreendidos pelo vento
carpinteiro, como foi o caso durante as tormentas dos dias 25 e 26 de
Janeiro do ano de 1861,quando se perderam pelo menos cinco navios. Caso para
dizer também que muita laranja saía da Terceira! E o que não haverá de
preciosidades enterradas naquelas areias...
Lembrei-me
desta foto, das laranjas da Terceira e das conversas acerca do vento
carpinteiro quando me sentei em frente da TV a ver o desenrolar do movimento
dos furacões que fustigaram as Caraíbas e quase todo o sul dos Estados Unidos
nas últimas semanas. É mesmo de arrepiar cabelo! Metia-me raiva ver o desplante
de alguns correspondentes das cadeias televisivas ao meterem-se mesmo debaixo
de aguaceira e serem açoitados fortemente pelas rajadas de vento, só para
repetirem as mesmas notícias horas a fio. Mas, por outro lado, temos que
apreciar as tecnologias que já permitem aos meteorologistas acompanhar estas
tempestades desde que elas se formam, ali para os lados de Cabo Verde, e
estudarem a sua evolução, conforme se vão deslocando no deu deambular rotativo
no Atlântico.
Valha-nos
o sistema anticiclónico dos Açores, que faz com que a maioria destas
tempestades não se aproximem muito das nossas ilhas. “Isto é por causa de um rabo
de ciclone que anda por ai”, era outra expressão que ouvia aos antigos
quando os ventos desacomodavam as telhas das casa ou levantavam árvores pela
raiz. Se os nossos antepassados tivessem ao seu alcance os meios de vigilância
que agora abundam, muitas naus e caravelas não se teriam perdido e muita
laranja não teria apodrecido no fundo do mar.
Na
Flórida, o Estado americano que produz mais citrinos, calcula-se que a próxima
colheita de laranjas venha a ser desastrosa, tal o impacto das cheias e dos
ventos nos pomares. Se calhar os Floridianos deviam começar a chamar aos
furações de ventos alaranjados, já que, parece-me, poucos carpinteiros
vão aproveitar os restos dos milhares de barcos de recreio, agora quase todos
de fibra de vidro, que se partiram em piscas nas marinas. Vão sim, carpinteiros
e muitos outros trabalhadores especializados, ter trabalho durante largos anos,
para reconstruir tudo o que foi destruído em poucas horas. Ilhas inteiras
perderam mais de metade do seu parque habitacional, a industria do turismo foi
severamente abalada e muitas das infraestruturas – pontes, estradas, aeroportos
– requerem minuciosas inspeções e reparos, antes que a vida nos Estados
atingidos possa voltar a um mínimo de normalidade.
No
meio de toda esta devastação aparecem sempre as vozes dos que questionam a capacidade
de resposta dos responsáveis governamentais, sejam o governo federal ou o dos
Estados. Infelizmente ninguém é capaz de prever exatamente o que se vai passar
quando os ventos começam a assoprar mas, atendendo ao que aprendemos com
desastres anteriores, foi possível avisar e evacuar milhares de pessoas para
zonas mais seguras e dar o necessário apoio a quem o precisava.
Furacões
sempre os houve e vão continuar a acontecer. Estudos recentes dizem que, como
resultado do tão badalado aquecimento global, as tempestades têm crescido de
intensidade e de força. Só esperamos que aqueles que ainda não vêem essa
relação – e alguns deles estão em lugares de decisão na administração
americana, incluindo o chefe supremo – tenham aprendido mais esta lição e não
cortem as pernas e os investimentos necessários aos que possam continuar a
estudar estes fenómenos e dar-nos pistas para nos defendermos deles o melhor
possível.
Se
estão certos os cientistas, se realmente a influência humana está a pôr-nos em
risco com os abusos contra o ambiente, pois então que não nos esquivemos, todos
e cada um de nós, de dar uma mãozinha e não irritar a Natureza.
Porque,
ao fim e ao cabo, acabamos todos por ser vítimas, mais laranja, menos laranja,
mais barco, menos barco.
Há
que aproveitar os tempos de calma para aprender a lidar com as tormentas.
Já
agora, um pensamento final: será que, aqui na Califórnia, onde o perigo dos
furações é limitado mas estamos sempre debaixo do susto dos tremores de terra,
será, repito, que estamos preparados para os enfrentarmos? Quem tem um plano de
fuga devidamente estudado? Quem tem reserva de água, mantimentos e medicamentos
e uma caixa de primeiros-socorros atualizada?
Devemos
ter em conta que é sempre melhor prevenir do que remediar, antes que a desgraça
nos bata à porta.
Lincoln,
Ca. Setembro, 13, 2017
João
Bendito
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