JORNALISMO EM DESTAQUE

485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

De João Bendito em Califórnia




                                VOU GANHAR A LOTARIA!

“João, vai num instante à Loja do Sr. Tarrafeiro pedir as listas dos prémios da Lotaria”.
Era mesmo ali ao virar da esquina. Voltava, num pulo, com umas folhas enormes, de papel fininho, cheias de números, presas numa tira de madeira ao longo do lado esquerdo.

“Bem, ainda não foi desta”, dizia o meu pai, sem sequer disfarçar o seu descontentamento. A Lotaria do Natal desse ano, aliás como era costume, tinha um prémio como nunca se vira antes. “Nem sequer na terminação acertei! Passa fora!”, acrescentava, desiludido. “Nunca mais jogo nesta porcaria”, prometia. Mas não cumpria, enquanto houvesse outra extração ele comprava, nem que fosse um décimo de um bilhete. Aliás, nem tinha que me mandar à Loja do Tarrafeiro para o comprar, o António Maria e o “Prosa” vendiam pelas ruas da cidade e sabiam que podiam contar com aquele cliente.
Com o aparecimento do Totobola, o meu pai não mudou os seus hábitos e manteve-se fiel à Lotaria. Nunca ganhou coisa que se visse mas, como não percebia bem como o novo jogo funcionava, não lhe ligava muita atenção.
Eu comecei a jogar logo de início, quando o Totobola chegou à Terceira. Comprava, de sociedade com o José da Bomba, um dos clientes da Loja e, por vezes, com o meu irmão Jorge. Fazia-mos aquilo quase à sorte, a única regra é que eu punha os ”Belenenses” sempre a ganhar e o José porfiava que o seu “Sporting” nunca perdia. Uma vez pedimos ao irmão dele, o Hermínio “Grãozinho de Milho” que nos desse os palpites, que escolhesse entre os “1” e os “2”. O pobre do Hermínio, meio fraquinho nessa coisa de letras e números, só atinava a dizer: “Doze. Assim vai o 1 e o 2 de uma vez”. Claro que, com ajudas destas e com a nossa sorte, acabámos por obter o mesmo resultado do meu pai com a Lotaria do Natal.
Quando arribei a terras californianas ainda não havia jogos oficiais de Lotaria mas quando eles apareceram eu tornei-me jogador assíduo. Não se espantem vocês, eu não gasto aquilo que não tenho em jogos de azar. Comprava um bilhetinho por semana por que havia só um jogo. Agora há três, um deles, o PowerBall, em conjunto com vários outros Estados desta União americana. Portanto, compro três bilhetes e uso a mesma combinação de números – datas de aniversários de filhas e netos – em todos eles e até os compro adiantados, para não ter que ir muitas vezes à “gas station”. Nem precisava dizer, nunca ganhei nada de jeito, a minha patroa é que tem razão quando diz que eu ganhava mais era se não jogasse! Boca santa!
Outro dia fiz um exercício diferente. Quando ela (a patroa cá de casa) começou a refilar mais uma vez sobre o desperdício de tempo e dinheiro, eu argumentei que, se tivesse sorte, se fosse o contemplado, não lhe dava nada, era tudo para mim.
“Espera sentado, para não te cansares”, foi a resposta dela. “ E, depois, o que é que ias fazer com todo esse dinheiro? Tu tens pouco jeito para seres rico”.
Ela é capaz de ter razão. Eu, se calhar, nem me acostumava a ser rico, ainda ia ter mais preocupações das que tenho agora. Contudo, confesso, já esse pensamento me enriçou o juízo uma ou duas vezes: O que é que eu faria se fosse rico, se me entrasse pelas algibeiras a dentro um montão de milhões de dólares?
Meio a brincar, meio a sério, pus-me a fazer uma lista, sem ordens de prioridades. O prémio para esta semana, num dos jogos da Califórnia, já vai em quase $250 milhões. Mesmo atendendo que o Estado fica logo com metade dessa quantia – tal roubalheira! – ainda me vai restar uma boa maquia. Sonhar não faz mal a ninguém. Vamos, então, à suposta lista:
1- Distribuía uma grande parte pelos familiares mais chegados, filhas, netos, irmãos, sobrinhos... os primos são muitos, levavam só uma garrafinha de vinho do Porto (estou a brincar, não se assustem). Alguns deles nem se lembram que eu existo.
2- Tinha que ir comprar uma casinha no Hawaii, à beira de uma praia onde se avistasse o nascer e o pôr-do-sol. Claro que, no Hawaii, uma casa num lugar com esses requisitos, não ia ser muito barata mas também não precisava ser nenhum palácio. De qualquer maneira, sou milionário, posso pagar o preço que for.
3- Uma casinha, nos Açores, na Terceira... não sei, ainda não pensei bem nessa hipótese. Melhor continuar a merecer da hospitalidade dos meus irmãos, não quero que fiquem ofendidos se eu não lhes aparecer à porta. (Esta é uma piada só para uma pessoa)
4- Ir em cruzeiros, não vou. Nunca fui, penso que é coisa que não se ajusta ao meu feitio. Mas gostaria de ir, por exemplo, ver as ruínas de Machu Picchu, no Peru e poderia muito bem ir ao Japão. Fascina-me a cultura japonesa. Talvez, já agora, uma visita aos países do norte da Europa. À Índia e à China também não vou, que me perdoem os seus amáveis habitantes mas não gosto de lugares super populosos. Paris, Londres e outras que tais não me seduzem. Ver catedrais e palácios não é o meu forte, posso comprar um vídeo e poupo tempo. Melhor deito-me, numa cadeira de praia, com um livro na mão, debaixo de uma palmeira.

5- Talvez reservava uns trocos para comprar um barco! Todo o rico que se preze tem que ter um barco. Mas não seria um barco qualquer, havia de ser uma lancha da baleia, daquelas que rebocavam os botes, nas caçadas aos cachalotes. Uma que fosse parecida com a “Estefânia Correia” ou uma réplica do “Carapacho”. Sequer para me consolar, já que, quando era novo, ficava com os olhos em bico ao vê-las a navegar. Para que não falassem mal de mim, poderia fazer uma contribuição e comprar um motor para a “Espalamaca”, não faz sentido terem uma trabalheira medonha a recuperá-la para a deixarem sepultada em terra. 
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

Sem comentários:

Enviar um comentário