VOU GANHAR A LOTARIA!
“João, vai num instante à Loja do Sr.
Tarrafeiro pedir as listas dos prémios da Lotaria”.
Era mesmo
ali ao virar da esquina. Voltava, num pulo, com umas folhas enormes, de papel
fininho, cheias de números, presas numa tira de madeira ao longo do lado esquerdo.
“Bem,
ainda não foi desta”, dizia o meu pai, sem sequer disfarçar o seu
descontentamento. A Lotaria do Natal desse ano, aliás como era costume, tinha
um prémio como nunca se vira antes. “Nem sequer na terminação acertei! Passa
fora!”, acrescentava, desiludido. “Nunca mais jogo nesta porcaria”, prometia.
Mas não cumpria, enquanto houvesse outra extração ele comprava, nem que fosse
um décimo de um bilhete. Aliás, nem tinha que me mandar à Loja do Tarrafeiro
para o comprar, o António Maria e o “Prosa” vendiam pelas ruas da cidade e
sabiam que podiam contar com aquele cliente.
Com o
aparecimento do Totobola, o meu pai não mudou os seus hábitos e manteve-se fiel
à Lotaria. Nunca ganhou coisa que se visse mas, como não percebia bem como o
novo jogo funcionava, não lhe ligava muita atenção.
Eu comecei
a jogar logo de início, quando o Totobola chegou à Terceira. Comprava, de
sociedade com o José da Bomba, um dos clientes da Loja e, por vezes, com o meu
irmão Jorge. Fazia-mos aquilo quase à sorte, a única regra é que eu punha os
”Belenenses” sempre a ganhar e o José porfiava que o seu “Sporting” nunca
perdia. Uma vez pedimos ao irmão dele, o Hermínio “Grãozinho de Milho” que nos
desse os palpites, que escolhesse entre os “1” e os “2”. O pobre do Hermínio,
meio fraquinho nessa coisa de letras e números, só atinava a dizer: “Doze.
Assim vai o 1 e o 2 de uma vez”. Claro que, com ajudas destas e com a nossa
sorte, acabámos por obter o mesmo resultado do meu pai com a Lotaria do Natal.
Quando
arribei a terras californianas ainda não havia jogos oficiais de Lotaria mas
quando eles apareceram eu tornei-me jogador assíduo. Não se espantem vocês, eu
não gasto aquilo que não tenho em jogos de azar. Comprava um bilhetinho por
semana por que havia só um jogo. Agora há três, um deles, o PowerBall, em
conjunto com vários outros Estados desta União americana. Portanto, compro três
bilhetes e uso a mesma combinação de números – datas de aniversários de filhas
e netos – em todos eles e até os compro adiantados, para não ter que ir muitas
vezes à “gas station”. Nem precisava dizer, nunca ganhei nada de jeito, a minha
patroa é que tem razão quando diz que eu ganhava mais era se não jogasse! Boca
santa!
Outro dia
fiz um exercício diferente. Quando ela (a patroa cá de casa) começou a refilar
mais uma vez sobre o desperdício de tempo e dinheiro, eu argumentei que, se
tivesse sorte, se fosse o contemplado, não lhe dava nada, era tudo para mim.
“Espera
sentado, para não te cansares”, foi a resposta dela. “ E, depois, o que é que
ias fazer com todo esse dinheiro? Tu tens pouco jeito para seres rico”.
Ela é
capaz de ter razão. Eu, se calhar, nem me acostumava a ser rico, ainda ia ter
mais preocupações das que tenho agora. Contudo, confesso, já esse pensamento me
enriçou o juízo uma ou duas vezes: O que é que eu faria se fosse rico, se me
entrasse pelas algibeiras a dentro um montão de milhões de dólares?
Meio a
brincar, meio a sério, pus-me a fazer uma lista, sem ordens de prioridades. O
prémio para esta semana, num dos jogos da Califórnia, já vai em quase $250
milhões. Mesmo atendendo que o Estado fica logo com metade dessa quantia – tal
roubalheira! – ainda me vai restar uma boa maquia. Sonhar não faz mal a
ninguém. Vamos, então, à suposta lista:
1-
Distribuía uma grande parte pelos familiares mais chegados, filhas, netos,
irmãos, sobrinhos... os primos são muitos, levavam só uma garrafinha de vinho
do Porto (estou a brincar, não se assustem). Alguns deles nem se lembram que eu
existo.
2- Tinha
que ir comprar uma casinha no Hawaii, à beira de uma praia onde se avistasse o
nascer e o pôr-do-sol. Claro que, no Hawaii, uma casa num lugar com esses
requisitos, não ia ser muito barata mas também não precisava ser nenhum
palácio. De qualquer maneira, sou milionário, posso pagar o preço que for.
3- Uma
casinha, nos Açores, na Terceira... não sei, ainda não pensei bem nessa
hipótese. Melhor continuar a merecer da hospitalidade dos meus irmãos, não
quero que fiquem ofendidos se eu não lhes aparecer à porta. (Esta é uma piada
só para uma pessoa)
4- Ir em
cruzeiros, não vou. Nunca fui, penso que é coisa que não se ajusta ao meu
feitio. Mas gostaria de ir, por exemplo, ver as ruínas de Machu Picchu, no Peru
e poderia muito bem ir ao Japão. Fascina-me a cultura japonesa. Talvez, já
agora, uma visita aos países do norte da Europa. À Índia e à China também não
vou, que me perdoem os seus amáveis habitantes mas não gosto de lugares super
populosos. Paris, Londres e outras que tais não me seduzem. Ver catedrais e
palácios não é o meu forte, posso comprar um vídeo e poupo tempo. Melhor
deito-me, numa cadeira de praia, com um livro na mão, debaixo de uma palmeira.
5- Talvez
reservava uns trocos para comprar um barco! Todo o rico que se preze tem que
ter um barco. Mas não seria um barco qualquer, havia de ser uma lancha da
baleia, daquelas que rebocavam os botes, nas caçadas aos cachalotes. Uma que
fosse parecida com a “Estefânia Correia” ou uma réplica do “Carapacho”. Sequer
para me consolar, já que, quando era novo, ficava com os olhos em bico ao
vê-las a navegar. Para que não falassem mal de mim, poderia fazer uma
contribuição e comprar um motor para a “Espalamaca”, não faz sentido terem uma
trabalheira medonha a recuperá-la para a deixarem sepultada em terra.
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