ANA TOMÁS 24/11/2015
O 25 de Abril de 1974 e o PREC como a escritora
os viu e escreveu, no novo livro “Não Percas a Rosa/Ó Liberdade, Brancura do
Relâmpago”.
Há um ano a Ponto de Fuga
estreava-se no mercado português com o lançamento da colecção Petzi, um
clássico da banda desenhada infantil.Mas já nessa altura Vladimiro Nunes,
editor e fundador, tinha intenção de a tornar generalista e por isso queria
encontrar um autor que materializasse essa vocação e servisse de porta de
entrada para um campo literário mais vasto.
Natália Correia surgiu como uma escolha natural nesse processo: um nome forte,
irreverente e com potencial de reconhecimento junto do grande público. Eleito o
autor, faltava decidir o que editar no meio de uma obra tão vasta como a da
escritora açoriana. “Como já se sentia a aproximação dos 40 anos do Verão
quente e daquele processo conturbado que se seguiu à Revolução, percebemos que
ela tinha publicado um diário dos acontecimentos da época e ao relê-lo achámos
que faria todo o sentido começarmos por aí e recuperarmos esse livro, o “Não
Percas a Rosa”.
Esse registo testemunhal que a autora começou a escrever com o 25 de Abril de
1974, e que acompanharia os acontecimentos políticos que agitaram o país até 25
de Novembro de 1975, é uma das duas partes que compõem o livro que a Ponto de
Fuga apresenta esta noite no bar lisboeta Botequim, fundado entre outros pela
própria Natália Correia, em 1971.
A segunda parte, intitulada “Ó Liberdade, Brancura do Relâmpago”, reúne pela
primeira vez as célebres crónicas que publicou nos jornais “A Capital” entre
Julho de 1974 e Julho de 1975 (“Crónicas Vagantes”) e “A Luta”, de 1975 a Março
de 1976.
Revelações A editora quis também trazer algo de novo e com a colaboração da
investigadora Ângela Almeida descobriu, no espólio da escritora nos Açores,
inéditos e manuscritos que complementam o que já tinha sido publicado. “Fomos
ver o que seria possível encontrar ali que fosse referente ao diário. Isso
levou-nos a um trabalho demorado de comparação entre o livro que saiu e os
manuscritos originais e a algumas surpresas. Tentámos organizar a edição de
maneira a compararmos tudo o que a Natália pudesse ter subtraído ao livro que
publicou”, explica Vladimiro Nunes. Para as crónicas o processo foi semelhante.
Depois da consulta dos jornais, a editora foi procurar no espólio da autora
textos relacionados que não tivessem sido publicados. “Mais uma vez
deparámo-nos com um conjunto de inéditos e reunimos tudo”, acrescenta.
No caso do diário “Não Percas a Rosa”, esses inéditos revelam sobretudo o
processo de composição. E embora grande parte do conteúdo do texto dos
manuscritos esteja lá, há diferenças, como nota o editor. “Ao fim de três anos
– e ela explica isso talvez no último texto do diário –, pegou nos papéis todos
e foi relê-los. Fez muitos acrescentos, sobretudo relativos a referências
literárias, as partes mais filosóficas e mais densas também foram trabalhadas
nessa altura, e fez algumas revisões que são engraçadas.” A título de exemplo,
Vladimiro Nunes refere o tratamento que a escritora reservou a Mário Soares,
quando escreve sobre o momento em que o político abandona o governo em 1975.
“Ela trata-o de uma forma quase messiânica e heróica, que depois no texto final
se dilui. Na mesma linha há um outro inédito que é uma intervenção que fez no
encerramento da campanha do PS para a Assembleia Constituinte, em 1975, em que
não sendo militante dá a cara pelo partido num momento simbólico, dizendo que o
PS é o verdadeiro partido português.”
Se na revisão dos textos o tratamento dado aos protagonistas do processo
revolucionário serve quase sempre para os tornar mais amargos e desencantados,
“e para dar ainda mais cacetada”, com a linguagem acontece o oposto, e a autora
suaviza algum excesso usado anteriormente, sobretudo no vernáculo.
“A Natália tinha um sentido estético muito forte, e embora fosse uma escritora
instintiva sentiu depois a necessidade de dotar determinados textos de uma
dimensão filosófica e de pensamento mais densa. Dificilmente o conseguiria ter
feito de imediato. Estavam lá as pistas, mas de certa forma quis posteriormente
tornar aquele texto mais elaborado e pensar o livro como um objecto autónomo e
um produto final.”
As mais de 700 páginas que compõem o livro são ilustradas com reproduções dos
manuscritos originais e fotografias da época, a maioria tiradas por José
António Correia, primo da escritora e por quem se diz ter tido uma grande
paixão.
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