Cuidado. O homem
tem um resfriado
Mas, afinal: como é
Frank Sinatra pessoalmente? Vejamos o que nos conta Gay Talese, o grande
repórter norte–americano que tentou entrevistá–lo quando Frank completou 50
anos, em 1965. Sinatra recusou–se a dar entrevista, mas topou um acordo de
cavalheiros: Talese poderia manter–se próximo, durante alguns dias, e também
entrevistar pessoas ligadas a ele.
Talese conta, em
seu livro Fame and Obscurity, capítulo “Frank Sinatra Está
Resfriado”:
“Frank
Sinatra, copo de bourbon numa das mãos e cigarro na outra, encontrava-se no
recanto escuro do bar, entre duas louras atraentes, embora um tanto maduras, e
que esperavam que ele dissesse qualquer coisa. Mas ele nada dizia;
conservara-se silencioso quase toda a noite e, no momento, em seu clube
particular de Beverly Hills, parecia ainda mais distante, olhando através da
fumaça e da obscuridade para o salão além do bar, onde dezenas de jovens casais
sentavam-se juntinhos ao redor das mesas, ou contorciam-se na pista, ao som do
folk–rock despejado pelo estéreo. As duas louras sabiam, assim como os quatro
amigos de Sinatra que se encontravam nas proximidades, que seria má idéia
impor-lhe conversação quando ele se inclinava ao silêncio taciturno, disposição
freqüente naquela primeira semana de novembro, um mês antes do seu
quinquagésimo aniversário.
“Sinatra
estava doente. Era vítima de moléstia tão comum que a maioria a considera
trivial. Mas, tratando-se de Sinatra, era capaz de mergulhar a vítima num
estado de angústia, depressão profunda, pânico e até raiva. Frank Sinatra
estava resfriado.
“Sinatra
resfriado é Picasso sem tintas, Ferrari sem gasolina – só que pior… Pois o
resfriado comum rouba-lhe aquela jóia inestimável, a voz, mergulhando até o
âmago de sua segurança e afetando não só a psique como também aparentemente
causando uma espécie de coriza psicossomática em dezenas de pessoas que
trabalham, bebem, amam com ele e dele dependem para o seu bem-estar e
estabilidade. Sinatra resfriado pode, de certo modo, causar vibrações que
percorrem toda a indústria do entretenimento e vão mais além, tão certo como o
presidente dos Estados Unidos, adoecendo subitamente, pode abalar a economia
nacional”.
(Em determinado
momento, ele afastou–se do bar e caminhou para uma sala ao lado, onde um de
seus amigos disputava uma partida de sinuca. Encostou-se em um banquinho e
pôs-se a observar os jovens que por ali circulavam – e que, definitavamente,
não faziam seu gênero – concentrando-se em um sujeito baixinho e irrequieto. O
rapaz chamava-se Harlan Ellison, escritor em princípio de carreira. Calçava um
par de botas Game Warden que lhe custara sessenta dólares, um preço alto na
época. Voltemos a Gay Talese.)
“Finalmente, Frank
Sinatra não conseguiu conter-se.
– Ei – gritou, voz
ligeiramente áspera, que ainda assim apresentava aquela inflexão macio-cortante
– essas botas são italianas?
– Não – respondeu
Ellison.
– Espanholas?
– Não.
– São botas
inglesas?
– Olhe, não sei,
homem – replicou Ellison, olhando Sinatra de cenho franzido e voltando-lhe as
costas.
A sala tornou–se
subitamente silenciosa. (…) Sinatra encaminhou-se com aquele andar lento,
arrogante, em direção a Ellison, e o ruído de seus passos era a única coisa que
se ouvia.
– Está esperando
uma tempestade?
Harlan Ellison
desviou–se um passo.
– Ouça, há algum
motivo para você falar comigo?
– Não me agrada a
sua maneira de vestir.
– Detesto
causar–lhe um choque, – replicou Ellison – mas visto-me como quero.
Ouviram–se então
murmúrios na sala, e alguém disse:
– Vamos, Harlan.
Vamos dar o fora daqui. (…)
Mas Ellison não se
abalou.
– O que é que você
faz? – perguntou Sinatra.
– Sou bombeiro.
– Não, não é –
gritou um rapaz, que se encontrava do outro lado da mesa. – Ele escreveu The
Oscar.
– Ah, é? – falou
Sinatra. – Já vi e é pura merda.
– É estranho,
porque ainda nem foi distribuído – replicou Ellison.
– Mas eu já vi –
repetiu Sinatra – e é pura merda.
“A cena
estava se tornando ridícula e, aparentemente, Sinatra não falava a sério,
reagia apenas ao tédio ou ao desespero interior. Seja como for, após mais uma
troca de palavras, Harlan Ellison saiu da sala.
“A história
não ultrapassara três minutos. E três minutos depois de encerrada, Sinatra
esquecera-a, provavelmente pelo resto da vida – assim como Ellison a recordará,
provavelmente para o resto da vida”.
* * *
Sinatra certamente
não falava a sério e certamente esqueceu o episódio. No ano seguinte,
quando The Oscar foi filmado, havia uma cena em que um
personagem famoso aparecia no palco, interpretando a si próprio, na entrega de
uma das estatuetas. Era Frank Sinatra.
* * *
Gay Talese:
“Observei algo de
sua faceta siciliana no verão passado, no bar Jilly’s, em Nova York, a única
vez em que chegara às suas proximidades em data anterior àquela noite no clube
da Califórnia. O Jilly’s, situado na Rua 52 Oeste, em Manhattan, é o local onde
Sinatra bebe sempre que se encontra em Nova York.
“Alguns de seus
amigos íntimos, todos conhecidos dos homens que guardam a porta do Jilly’s,
conseguem uma escolta para penetrar até a sala dos fundos. Mas, uma vez ali,
têm que se arranjar sozinhos. Uma noite, Frank Gifford, antigo jogador de
futebol, não penetrou mais que um metro em três tentativas. Outros, que haviam
chegado bastante próximo para apertar a mão de Sinatra, não o conseguiram; em
vez, tocaram nos ombros, ou nas mangas, ou simplesmente postaram-se de modo a
serem vistos e, após conseguir uma piscadela, um aceno ou um gesto de cabeça,
ou talvez seu nome (ele tem uma memória fantástica para nomes) voltavam-se e
iam embora. Haviam marcado o ponto.”
* * *
Não é em todas as
noites que o humor de Sinatra apresenta-se disponível para centralizar
atenções. Ele também não tem a si próprio como seu único ídolo, mesmo para quem
sabe, como sabemos, o volume de seu ego. Uma noite, no distante ano de 1966,
ele jantava em relativa calma, longe do burburinho do Jilly’s, no restaurante
Côte Basque, em Nova York. Em determinado momento, levantou–se e, com a
elegância de sempre, terno impecavelmente cortado e sapatos brilhando, cruzou a
sala com uma folha de papel em uma das mãos.
Parou ao lado de
uma mesa em que jantava um homem igualmente elegante, baixinho, usando óculos
de aro de tartaruga. Era Igor Stravinsky, o compositor russo. Sinatra estendeu–lhe
a folha de papel.
– Poderia, por
favor, conceder–me seu autógrafo?
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