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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Recordando um dos meus ídolos - Frank Sinatra


Cuidado. O homem
tem um resfriado
Mas, afinal: como é Frank Sinatra pessoalmente? Vejamos o que nos conta Gay Talese, o grande repórter norte–americano que tentou entrevistá–lo quando Frank completou 50 anos, em 1965. Sinatra recusou–se a dar entrevista, mas topou um acordo de cavalheiros: Talese poderia manter–se próximo, durante alguns dias, e também entrevistar pessoas ligadas a ele.
Talese conta, em seu livro Fame and Obscurity, capítulo “Frank Sinatra Está Resfriado”:

 “Frank Sinatra, copo de bourbon numa das mãos e cigarro na outra, encontrava-se no recanto escuro do bar, entre duas louras atraentes, embora um tanto maduras, e que esperavam que ele dissesse qualquer coisa. Mas ele nada dizia; conservara-se silencioso quase toda a noite e, no momento, em seu clube particular de Beverly Hills, parecia ainda mais distante, olhando através da fumaça e da obscuridade para o salão além do bar, onde dezenas de jovens casais sentavam-se juntinhos ao redor das mesas, ou contorciam-se na pista, ao som do folk–rock despejado pelo estéreo. As duas louras sabiam, assim como os quatro amigos de Sinatra que se encontravam nas proximidades, que seria má idéia impor-lhe conversação quando ele se inclinava ao silêncio taciturno, disposição freqüente naquela primeira semana de novembro, um mês antes do seu quinquagésimo aniversário.
 “Sinatra estava doente. Era vítima de moléstia tão comum que a maioria a considera trivial. Mas, tratando-se de Sinatra, era capaz de mergulhar a vítima num estado de angústia, depressão profunda, pânico e até raiva. Frank Sinatra estava resfriado.
 “Sinatra resfriado é Picasso sem tintas, Ferrari sem gasolina – só que pior… Pois o resfriado comum rouba-lhe aquela jóia inestimável, a voz, mergulhando até o âmago de sua segurança e afetando não só a psique como também aparentemente causando uma espécie de coriza psicossomática em dezenas de pessoas que trabalham, bebem, amam com ele e dele dependem para o seu bem-estar e estabilidade. Sinatra resfriado pode, de certo modo, causar vibrações que percorrem toda a indústria do entretenimento e vão mais além, tão certo como o presidente dos Estados Unidos, adoecendo subitamente, pode abalar a economia nacional”.
 (Em determinado momento, ele afastou–se do bar e caminhou para uma sala ao lado, onde um de seus amigos disputava uma partida de sinuca. Encostou-se em um banquinho e pôs-se a observar os jovens que por ali circulavam – e que, definitavamente, não faziam seu gênero – concentrando-se em um sujeito baixinho e irrequieto. O rapaz chamava-se Harlan Ellison, escritor em princípio de carreira. Calçava um par de botas Game Warden que lhe custara sessenta dólares, um preço alto na época. Voltemos a Gay Talese.)
“Finalmente, Frank Sinatra não conseguiu conter-se.
– Ei – gritou, voz ligeiramente áspera, que ainda assim apresentava aquela inflexão macio-cortante – essas botas são italianas?
– Não – respondeu Ellison.
– Espanholas?
– Não.
– São botas inglesas?
– Olhe, não sei, homem – replicou Ellison, olhando Sinatra de cenho franzido e voltando-lhe as costas.
A sala tornou–se subitamente silenciosa. (…) Sinatra encaminhou-se com aquele andar lento, arrogante, em direção a Ellison, e o ruído de seus passos era a única coisa que se ouvia.
– Está esperando uma tempestade?
Harlan Ellison desviou–se um passo.
– Ouça, há algum motivo para você falar comigo?
– Não me agrada a sua maneira de vestir.
– Detesto causar–lhe um choque, – replicou Ellison – mas visto-me como quero.
Ouviram–se então murmúrios na sala, e alguém disse:
– Vamos, Harlan. Vamos dar o fora daqui. (…)
Mas Ellison não se abalou.
– O que é que você faz? – perguntou Sinatra.
– Sou bombeiro.
– Não, não é – gritou um rapaz, que se encontrava do outro lado da mesa. – Ele escreveu The Oscar.
– Ah, é? – falou Sinatra. – Já vi e é pura merda.
– É estranho, porque ainda nem foi distribuído – replicou Ellison.
– Mas eu já vi – repetiu Sinatra – e é pura merda.
 “A cena estava se tornando ridícula e, aparentemente, Sinatra não falava a sério, reagia apenas ao tédio ou ao desespero interior. Seja como for, após mais uma troca de palavras, Harlan Ellison saiu da sala.
 “A história não ultrapassara três minutos. E três minutos depois de encerrada, Sinatra esquecera-a, provavelmente pelo resto da vida – assim como Ellison a recordará, provavelmente para o resto da vida”.
* * *
Sinatra certamente não falava a sério e certamente esqueceu o episódio. No ano seguinte, quando The Oscar foi filmado, havia uma cena em que um personagem famoso aparecia no palco, interpretando a si próprio, na entrega de uma das estatuetas. Era Frank Sinatra.
* * *
Gay Talese:
“Observei algo de sua faceta siciliana no verão passado, no bar Jilly’s, em Nova York, a única vez em que chegara às suas proximidades em data anterior àquela noite no clube da Califórnia. O Jilly’s, situado na Rua 52 Oeste, em Manhattan, é o local onde Sinatra bebe sempre que se encontra em Nova York.
“Alguns de seus amigos íntimos, todos conhecidos dos homens que guardam a porta do Jilly’s, conseguem uma escolta para penetrar até a sala dos fundos. Mas, uma vez ali, têm que se arranjar sozinhos. Uma noite, Frank Gifford, antigo jogador de futebol, não penetrou mais que um metro em três tentativas. Outros, que haviam chegado bastante próximo para apertar a mão de Sinatra, não o conseguiram; em vez, tocaram nos ombros, ou nas mangas, ou simplesmente postaram-se de modo a serem vistos e, após conseguir uma piscadela, um aceno ou um gesto de cabeça, ou talvez seu nome (ele tem uma memória fantástica para nomes) voltavam-se e iam embora. Haviam marcado o ponto.”
* * *
Não é em todas as noites que o humor de Sinatra apresenta-se disponível para centralizar atenções. Ele também não tem a si próprio como seu único ídolo, mesmo para quem sabe, como sabemos, o volume de seu ego. Uma noite, no distante ano de 1966, ele jantava em relativa calma, longe do burburinho do Jilly’s, no restaurante Côte Basque, em Nova York. Em determinado momento, levantou–se e, com a elegância de sempre, terno impecavelmente cortado e sapatos brilhando, cruzou a sala com uma folha de papel em uma das mãos.
Parou ao lado de uma mesa em que jantava um homem igualmente elegante, baixinho, usando óculos de aro de tartaruga. Era Igor Stravinsky, o compositor russo. Sinatra estendeu–lhe a folha de papel.

– Poderia, por favor, conceder–me seu autógrafo?
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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