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sábado, 20 de janeiro de 2018

Os "Monstros Sagrados" jamais serão esquecidos - Vitorino Nemésio


O fascínio da Europa e a paixão pelo Brasil
A. V.



Há outras cidades que exerceram grande influência na sua formaçãoo intelectual e no seu destino universitário - Montpellier e Bruxelas. A França e a Bélgica conduziram Nemésio à descoberta do mundo cultural e científico. Da poesia de Valéry, de Claudel e Apollinaire, da relação pessoal com Valey Larbaud, Jules Supervielle e Jean Cassou. Beneficiou dos conselhos de Marcel Batallion, Robert Ricard e da "vigilância paternal de George le Gentil, patriarca do lusismo em França", com "um discreto saber de abelha carregada em suas flores".

Tudo isto concorreu para uma experiência cosmopolita e para "ampliar a intimidade com uma literatura de finesse que seria chamado a ensinar". Alastrava a Guerra de Espanha e vislumbrava-se no horizonte a calamidade de uma conflagração muito maior. "A beira do barril de pólvora", ponderava Nemésio, "mas com alma para a esperança", aqueles mestres e, ainda, Julles Sion deram-lhe "no dia-a-dia a medida do que a gente é ao pé dos que suaram, como Sanches, para um quod nihil scitur, autenticamente conclusivo".

Uma carta de 16 de Fevereiro de 1935 para Afonso Lopes Vieira, que revelei, em primeira mão, numa comunicação apresentada na classe de Letras da Academia das Ciências, denuncia o seu fascínio perante a mensagem espiritual do franciscanismo.

A questão religiosa, que se torna pública a partir dos anos 50, ainda se evidencia quando trabalha em Montpellier. Data de então a biografia de Isabel de Aragão, Rainha Santa (1936), onde é exaltada a acção primordial da mulher de D. Dinis no apoio à ordem franciscana, designadamente à comunidade de Alenquer, que procedeu à restauração do culto do Espírito Santo.

Mas será em 1938/39, quando reside na Bélgica, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, que se começa a operar a luta entre o homem humano e o homem metafísico, conforme já assinalei com base noutra correspondência para Afonso Lopes Vieira.

Esteve no Brasil, entre 1952 e 1972, largas temporadas. Para Nemésio o Brasil era aventura, descoberta e reencontro: é o "violão de morro", com xácara, com samba, com farsa dramática, negros do cais Mauá, balada da Rua do Catete e um "inferninho" de Copacabana. Mas, também, são os romances da Baía, a barca Flor das Marés, os verídicos e espantosos sucessos do lugre Flor d'Angra, da praça do mesmo nome, na ilha Terceira, "pátria do autor", com vinte marçanos do Pará.

A influência dos Açores e dos açorianos é enorme no Brasil. Francisco do Canto, natural de Angra, filho de Pedro Anes do Canto, provedor das Armadas nos Açores, foi incorporado, logo no princípio do século XVI, na frota de Tomé de Sousa e com ele colaborou em numerosas tarefas decisivas para o presente e futuro do Brasil. A tal ponto que Tomé de Sousa (como aludiu na Fenix Angrense Manuel Luís Maldonado) não hesitou em declarar que se deveu a Francisco do Canto a própria fundação da cidade da Baía.

São inúmeros os contributos dos açorianos no Brasil, na defesa e salvaguarda das fronteiras, na libertação do domínio holandês, no sistema de povoamento, na génese e evolução da sociedade brasileira. Vitorino Nemésio relatou muito do que fizeram em dois livros: Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos e Caatinga e Terra Caída. Pormenoriza a intervenção dos açorianos na rota dos Bandeirantes, no desenvolvimento do litoral e interior de Santa Catarina, onde perdura um extenso legado nas manifestações de cultura popular, na gastronomia e na arquitectura, desde Itapoã, no Norte, até Passo de Torres, no Sul.

As referências açorianas não se limitam a Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Maranhão, Ceará e Amazónia. Distribuíram-se através de todos os outros estados. Milhares e milhares de açorianos anónimos e seus descendentes, ao longo de quase cinco séculos, nos mais diferentes sectores de actividade, contribuíram para a grandeza e prosperidade do Brasil.

E Vitorino Nemésio na sua itinerância de terra em terra comunicou-nos, em poemas, crónicas e estudos de investigação histórica, um testemunho de conhecimento directo que nos leva a recordar a nobre, ínclita e desventurada figura de D. Pedro, "o infante das sete partidas", quando afirmava com um saber de experiência feito e na saborosa língua do século XV: "É viajando que mais se aprende dos costumes e índole dos homens do que pela leitura de grossos volumes."

 DN 17-12-2001


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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