NO DIA DA
ABERTURA DE MAIS UMA OLIMPÍADA, RECORDO O QUE ESCREVI
HÁ QUATRO ANOS, DURANTE
OS JOGOS DE LONDRES.
Os Jogos
de Roma foram os primeiros que tiveram direito a transmissão directa na
televisão. Dos seus 5.000 atletas participantes que representavam um número
recorde de 84 países, eu possivelmente vi algumas imagens nos documentários
“Assim vai o Mundo” que antecediam os filmes das casas de cinema da cidade. Foi
preciso esperar talvez uns dois ou três anos para que chegasse a Angra o grande
filme com a reportagem completa dos Jogos. E era uma película grande em
tamanho, se não me atraiçoa a memoria, deliciei-me naquelas quatro horas que eu
desejava nem chegassem ao fim.Vi o filme várias vezes, a direcção da Recreio
dos Artistas resolveu em boa hora fazer projecções para os alunos das escolas e
eu não perdi nenhuma delas. Vibrei com todas as corridas, todos os saltos,
senti no coração a tristeza dos que perderam e rejubilei com as vitórias dos
vencedores. Impressionavam-me as histórias pessoais de alguns atletas – Wilma
Rudolph, a americana que venceu três medalhas de ouro nas corridas de
velocidade, apesar de só ter começado a andar sem apoio com oito anos de idade;
a amizade que passou a ligar Yang C Kuan, da Formosa e o seu adversário no
decatelato, o americano Rafer Johnson, que mantiveram um duelo só resolvido na
última prova – mas foi a participação de Abebe Biikila, o maratonista Etíope
que mais me ficou marcada na memoria. Habituado a correr nos planaltos áridos
do seu país, impressionou o mundo inteiro quando se apresentou na linha de
partida...sem sapatos! Correu toda a distancia da mais longa prova Olímpica
descalço e ganhou a medalha de ouro, feito que voltou a repetir quatro anos
depois em Tóquio. O franzino Etíope, promovido a sargento no exército após a
sua consagração olímpica, ficou para sempre ligado a um dos maiores feitos dos
Jogos (foi o primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro) mas não
conseguiu vencer as adversidades da vida. Um estúpido acidente de carro
deixou-o paralítico e dependente de uma cadeira de rodas. Ficou também, embora
indirectamente e sem qualquer culpa, associado à triste situação do maratonista
japonês Hokichi Tsuburaya que não resistiu à angústia mental de não o ter
derrotado em Tóquio e cometeu Hara-kiri meses depois.
Muitos
outros heróis Olímpicos continuaram a enfeitar-me os sonhos em anos seguintes.
Segui até ao mínimo pormenor tudo o que se passou em Tóquio, em 1968 em México
City e por aí fora. Fui testemunhando e crescendo com grandes momentos no mundo
dos Jogos, não só as espectaculares “perfomances” de supremos atletas –- Os
saltos em comprimento de Bob Beamont, cujo recorde resistiu 24 anos, o novo
estilo do salto em altura, inventado por Dick Fosbury com o seu “Flop”— até às
novidades técnicas introduzidas nos estádios e nas transmissões televisivas. As
manifestações de ordem politica também não me deixaram indiferente, fiquei
triste com o assassinato dos Israelitas em Munich e orgulhoso com a
demonstração dos corredores americanos Tommie Smith (gold) e John Carlos
(bronze) que foram expulsos para sempre de competições Olímpicas mas mostraram
ao mundo a luta das minorias negras nos Estados Unidos.
Felizmente
que agora não há que esperar nem anos, nem dias e mesmo sequer nem horas para
presenciar o grande espectáculo que são as cerimónias de abertura e as
consequentes competições. As televisões de todo o mundo já transmitem via
satélite e no tempo real tudo o que se vai passando nos estádios, piscinas e
pavilhões. E continuam a trazer até às nossas salas as histórias pessoais de um
grande número de atletas, as alegrias e lágrimas das vitórias assim como as
tristezas e lágrimas das derrotas. Cada quatro anos os realizadores e
directores fazem-nos reviver as mesmas histórias, as mesmas angústias e as
mesmas agonias, desde o infeliz Lázaro português que morreu em 1912 em
Estocolmo até às grandes conquistas dos nadadores americanos, sem nunca
esquecer os nossos Carlos Lopes e Rosa Mota.
Aqui estou
outra vez este ano como o tenho feito sempre, colado ao televisor e agora
também ao computador para me manter informado acerca de tudo o que se passa em
Londres. Mais uma vez não pude estar presente pessoalmente mas lá estou no
coração de cada atleta, eu corro, salto e nado com eles, ouço os aplausos
quando as bandeiras são içadas, sinto o peso das medalhas no peito e contenho
uma lágrima teimosa quando a diferença entre o primeiro e o segundo é uma
mínima fracção de segundo que pode destruir o sonho de uma vida inteira de
preparação.
Infelizmente
o meu sonho de criança de vir a ser um atleta Olímpico nunca se irá
concretizar. A única semelhança que tenho com o meu herói Abebe Bikila é que
aqui estou, sentado no sofá, DESCALÇO!
Lincoln,
Ca. 28 Julho, 2012.
João
Bendito.
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