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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Da Califórnia de João Bendito



 O CORREDOR DESCALÇO E OUTROS
NO DIA DA ABERTURA DE MAIS UMA OLIMPÍADA, RECORDO O QUE ESCREVI
HÁ QUATRO ANOS, DURANTE OS JOGOS DE LONDRES.
 July 28, 2012 at 3:23pm Ontem à noite, ao ver em High Definition e bem sentadinho no meu canto predilecto do sofá as cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, dei umas cambalhotas no tempo e mergulhei nos meus oito anos de idade, no altura das XVII Olímpiadas da Era Moderna, em Roma.Em
1960, ainda com as transmissões televisivas muito longe de aparecerem nas casas dos açorianos, as grandes provas desportivas eram seguidas através das notícias da rádio e da leitura dos jornais A Bola ou Mundo Desportivo, que só chegavam às salas de consulta da Biblioteca Pública uma semana depois. Era aí que eu ia inteirar-me dos feitos, dos recordes e da vida dos atletas e onde comecei a acalentar o sonho que me acompanhou toda a vida e que nunca concretizei... “Um dia ainda hei-de ir aos Jogos Olímpicos!”Nunca lá cheguei, nem como atleta (salvo seja!) e nem como espectador.
Os Jogos de Roma foram os primeiros que tiveram direito a transmissão directa na televisão. Dos seus 5.000 atletas participantes que representavam um número recorde de 84 países, eu possivelmente vi algumas imagens nos documentários “Assim vai o Mundo” que antecediam os filmes das casas de cinema da cidade. Foi preciso esperar talvez uns dois ou três anos para que chegasse a Angra o grande filme com a reportagem completa dos Jogos. E era uma película grande em tamanho, se não me atraiçoa a memoria, deliciei-me naquelas quatro horas que eu desejava nem chegassem ao fim.Vi o filme várias vezes, a direcção da Recreio dos Artistas resolveu em boa hora fazer projecções para os alunos das escolas e eu não perdi nenhuma delas. Vibrei com todas as corridas, todos os saltos, senti no coração a tristeza dos que perderam e rejubilei com as vitórias dos vencedores. Impressionavam-me as histórias pessoais de alguns atletas – Wilma Rudolph, a americana que venceu três medalhas de ouro nas corridas de velocidade, apesar de só ter começado a andar sem apoio com oito anos de idade; a amizade que passou a ligar Yang C Kuan, da Formosa e o seu adversário no decatelato, o americano Rafer Johnson, que mantiveram um duelo só resolvido na última prova – mas foi a participação de Abebe Biikila, o maratonista Etíope que mais me ficou marcada na memoria. Habituado a correr nos planaltos áridos do seu país, impressionou o mundo inteiro quando se apresentou na linha de partida...sem sapatos! Correu toda a distancia da mais longa prova Olímpica descalço e ganhou a medalha de ouro, feito que voltou a repetir quatro anos depois em Tóquio. O franzino Etíope, promovido a sargento no exército após a sua consagração olímpica, ficou para sempre ligado a um dos maiores feitos dos Jogos (foi o primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro) mas não conseguiu vencer as adversidades da vida. Um estúpido acidente de carro deixou-o paralítico e dependente de uma cadeira de rodas. Ficou também, embora indirectamente e sem qualquer culpa, associado à triste situação do maratonista japonês Hokichi Tsuburaya que não resistiu à angústia mental de não o ter derrotado em Tóquio e cometeu Hara-kiri meses depois.
Muitos outros heróis Olímpicos continuaram a enfeitar-me os sonhos em anos seguintes. Segui até ao mínimo pormenor tudo o que se passou em Tóquio, em 1968 em México City e por aí fora. Fui testemunhando e crescendo com grandes momentos no mundo dos Jogos, não só as espectaculares “perfomances” de supremos atletas –- Os saltos em comprimento de Bob Beamont, cujo recorde resistiu 24 anos, o novo estilo do salto em altura, inventado por Dick Fosbury com o seu “Flop”— até às novidades técnicas introduzidas nos estádios e nas transmissões televisivas. As manifestações de ordem politica também não me deixaram indiferente, fiquei triste com o assassinato dos Israelitas em Munich e orgulhoso com a demonstração dos corredores americanos Tommie Smith (gold) e John Carlos (bronze) que foram expulsos para sempre de competições Olímpicas mas mostraram ao mundo a luta das minorias negras nos Estados Unidos.


Felizmente que agora não há que esperar nem anos, nem dias e mesmo sequer nem horas para presenciar o grande espectáculo que são as cerimónias de abertura e as consequentes competições. As televisões de todo o mundo já transmitem via satélite e no tempo real tudo o que se vai passando nos estádios, piscinas e pavilhões. E continuam a trazer até às nossas salas as histórias pessoais de um grande número de atletas, as alegrias e lágrimas das vitórias assim como as tristezas e lágrimas das derrotas. Cada quatro anos os realizadores e directores fazem-nos reviver as mesmas histórias, as mesmas angústias e as mesmas agonias, desde o infeliz Lázaro português que morreu em 1912 em Estocolmo até às grandes conquistas dos nadadores americanos, sem nunca esquecer os nossos Carlos Lopes e Rosa Mota.
Aqui estou outra vez este ano como o tenho feito sempre, colado ao televisor e agora também ao computador para me manter informado acerca de tudo o que se passa em Londres. Mais uma vez não pude estar presente pessoalmente mas lá estou no coração de cada atleta, eu corro, salto e nado com eles, ouço os aplausos quando as bandeiras são içadas, sinto o peso das medalhas no peito e contenho uma lágrima teimosa quando a diferença entre o primeiro e o segundo é uma mínima fracção de segundo que pode destruir o sonho de uma vida inteira de preparação.
Infelizmente o meu sonho de criança de vir a ser um atleta Olímpico nunca se irá concretizar. A única semelhança que tenho com o meu herói Abebe Bikila é que aqui estou, sentado no sofá, DESCALÇO!
Lincoln, Ca. 28 Julho, 2012.
João Bendito.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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