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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Da Califórnia de João Bendito



CRÓNICA SEM TÍTULO...
... E sem assunto!

Já mudei de lugar, deixei o pequeno escritório onde costumo redigir estas crónicas e sentei-me na mesa da cozinha, armado de computador. De costas para a janela, vejo a minha silhueta refletida no ecrã, as palavras que escrevo, se pudessem passar para além das margens da branca página, poderiam parecer sair-me pela boca fora ou rabiscar-me a cara, qual preto bigode a contrastar com os pelos esbranquiçados que me cobrem o espaço entre o lábio superior e o nariz.

Escrevi já dezenas de palavras e ainda não disse nada! Não é que não tenha nada para dizer, se eu me concentrar um pouco sou capaz de encher três ou quatro páginas facilmente; o meu problema, hoje, é decidir qual o assunto que devo escolher para trazer ao vosso regaço. Eles são tantos e tão variados que acabam por misturar-se nos neurónios do meu cérebro. Ocorre-me um mas logo penso que já falei nisso algumas vezes e não vale a pena estar a malhar no mesmo assunto; surge outro de seguida e noto que talvez não seja conveniente focar esse ponto, até porque não sou especialista nesse campo (nem que eu fosse especialista nalguma coisa...) e, portanto, o melhor é deixar isso de lado.
Lembrei-me então de tentar imitar os famosos escritores de Bailinhos e Danças de Carnaval. Devo adiantar que esse é talvez um dos temas em que eu nem devia meter o bedelho, são poucas as Danças que vejo, embora aprecie um bom enredo e uma boa representação. Contudo, reconheço e admiro a trabalheira que os grupos têm para trazerem aos palcos – já não dançam nos terreiros – uma produção que, esperam eles, seja do agrado do pessoal que passa horas sentado nos salões.
Tal como vem acontecendo de há uns anos para cá, servi-me do computador para, no canal da VITEC, visualizar um pouco do “maior espetáculo de Teatro Popular do Mundo”, como é fino dizer-se agora. Esta espécie de chavão é atribuída a José Orlando Bretão, um estudioso do Carnaval terceirense que, se visse o que se passa nos dias de hoje ao redor da Ilha, talvez não ia ficar muito satisfeito. Ou, quem sabe se estou enganado e ele ficaria contente de ver as modificações introduzidas, a evolução na qualidade das músicas e a quantidade de novos elementos que aderem aos grupos, tanto como bailarinos ou tocadores dos mais variados instrumentos musicais.
Tive a sorte de ver duas das Danças que são sempre das mais admiradas: uma da Praia da Vitória, com um guarda-roupa que me pareceu um pouco exagerado mas recheada de bons actores e maravilhosas cantoras e outra do famoso Grupo da Agualva, onde o autor João Mendonça se faz acompanhar, como é costume, por um leque de excelentes artistas e músicos. Mas – tem que haver um «mas» nestas coisas - a Dança que me encheu mais as medidas foi a do Grupo da Casa da Lata, na Ribeirinha. Já estou a ver a cara dos entendidos nestas coisas a apontar-me o dedo para me corrigirem e dizerem que estas três que mencionei não são Danças mas sim Bailinhos – agora já não se escreve Bailhinhos, com «h»,como se escrevia antigamente. O Bailinho da Casa da Lata, que já vi duas vezes, tocou-me mais cá dentro do peito porque o João Mendonça, autor do assunto, resolveu incluir a pessoa do meu pai como uma das personagens do enredo. Se fosse vivo, ele não ia gostar de se ver a declamar louvores ao Lusitânia mas... é Carnaval, não se estranha. Foi o autor, de maneira sábia e comovente, buscar ao livro de Augusto Gomes «Filósofos da Rua», algumas das figuras populares da cidade de Angra do Heroísmo, do século passado e, pela boca delas, mandou uma série de recados e fez criticas contundentes. Sem usar de brejeirices ou palavras menos limpas, João Mendonça deu voz ao «Fifi das Flores», ao Sr. Domingos Salvador (o Domingos «Praça Velha»), ao João dos Ovos, ao meu tio-avô António Bailhão, antigo guarda do Jardim Duque da Terceira e ao meu pai, o proprietário da Loja do Ti Bailhão, de modo que, juntos e comandados pelo António “Bolacheiro”, pudessem dar umas bordoadas em certos políticos do burgo e da região. Não sei se pelo facto de o mesmo autor ter escrito pelo menos um dos outros Bailhinhos que citei acima, apercebi-me que alguns dos temas representados eram comuns ou pelo menos semelhantes.
Falou-nos no grande problema que é a descontaminação dos solos e das águas das zonas ao redor da Base das Lajes, não deixando de referir que tudo era uma maravilha quando podíamos usufruir dos benefícios da presença dos americanos na Terceira mas que, agora que eles estão quase pela porta fora, já não se pode “desviar” como se desviava e só ficámos foi com água poluída e falta de trabalhos; foram notórias também as menções à antiga e sempre presente rivalidade entre a Terceira e o “Japão” do Atlântico, não deixando sequer de fazer com que os interpretes se expressassem com um pesado sotaque micaelense.
Outro ponto saliente nestas representações é a comparação entre o Carnaval de antigamente e o de agora. Ao lado das vozes saudosistas que dizem que outrora é que era a sério e verdadeiro, aparecem os argumentos que na era moderna o Carnaval terceirense tem melhorado. Despontaram novos autores, alguns grupos estão recheados de actores de gema e é cada vez mais saliente a presença de jovens dos dois sexos. Tal como em tudo na vida, o Carnaval também tem que evoluir, tem que aceitar novas ideias e novos rumos. Estagnar é morrer e o Carnaval não pode morrer. Apenas há que manter a preocupação de levar ao palco bons assuntos, bem escritos e bem representados. Mas, se aparecer algum grupo menos preparado ou preocupado, pois que seja aceite do mesmo modo, felizmente o nosso Carnaval não é um concurso, não é uma disputa para eleger o melhor autor ou a melhor cantora. É, acima de tudo uma manifestação da nossa cultura, feito pelo povo e para o povo. O facto de ser ou não o maior espetáculo de teatro popular do mundo é coisa que não preocupa muito a nossa gente.
Afinal sempre deu certo mudar de lugar e ter apanhado nas costas um calorzinho do sol através da janela da cozinha. Comecei por dizer que não sabia por onde começar e acabei por arranjar assunto baseado nos assuntos dos Bailinhos de Carnaval.
Título para esta crónica é que ainda não arranjei.
Ponham vocês o que bem lhes apetecer...
Lincoln, Ca. Fev. 14, 2018 – Quarta-Feira de Cinzas

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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