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sábado, 20 de outubro de 2018

De Rui Almeida - Jornalista da Deutsche Welle


“FAROL DE NEVOEIRO” – 21 outubro

Liga dos Campeões: milhões a ver, milhões a pagar

São milhões de euros em jogo. De cada vez que os holofotes se acendem para um encontro da Liga dos Campeões, abrem-se também os cofres da UEFA para compensar financeiramente os intervenientes. A glória da maior competição mundial de clubes não se atinge apenas com os resultados, mas estes ajudam a rechear orçamentos e a aumentar clivagens entre os principais emblemas do velho continente. Na Alemanha, em Inglaterra, em França, em Espanha ou em Itália, países que organizam as principais ligas de futebol, a competição é feroz pela obtenção dos lugares de acesso à Champions League. Os clubes mais cotados sabem que não se trata apenas de motivar os adeptos. Trata-se, sobretudo, de estabelecer diferenças que, depois, serão difíceis de atenuar, entre a capacidade financeira de um emblema “europeu” e a da concorrência doméstica. É o fascínio que ultrapassa as quatro linhas…

A UEFA é generosa na distribuição de uma parte importante das receitas, e, para esta temporada, aumentou os prémios de presença e de desempenho em cerca de vinte por cento. Pelo apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões, o organismo de tutela paga 15 milhões de euros, o que representa, para os 32 clubes envolvidos, uma soma na ordem dos 480 milhões. Mas são os prémios por resultados desportivos que mais oneram o orçamento da competição: uma vitória vale 2,7 milhões de euros, e um empate 900 mil. Por outro lado, as dezasseis equipas que passam aos oitavos-de-final embolsam 9,5 milhões, e as oito que prosseguirem em prova, para os quartos-de-final, acrescentam 10,5 milhões aos ganhos. 

Chegar às meias-finais significa um prémio de 12 milhões de euros, e, na final, o campeão europeu recebe mais 19 milhões, contra 15 do finalista vencido.
Resumindo: o vencedor da liga milionária de 2018/2019 terá muitos motivos para sorrir, e não apenas no capítulo desportivo. Os seus cofres terão entretanto enriquecido 81 milhões de euros…

Os principais clubes europeus contam, nas suas projeções orçamentais para cada ano desportivo (de 1 de julho a 30 de junho do ano seguinte), com significativas receitas provenientes da participação nas competições internacionais. A UEFA, rigorosa nos processos de licenciamento de clubes para admissão nas suas provas e extremamente profissional na respetiva organização e planeamento, olha agora também para o “fair play” financeiro como elemento essencial da arquitetura das suas provas. Os limites de investimento estabelecidos em relação aos exercícios económicos resultam, porém, em contraciclo com a sua própria “generosidade”: prémios de largas dezenas de milhões de euros para os clubes desportivamente mais bem sucedidos acentuam as diferenças e moldam capacidades de investimento e de presença no mercado muito distintas entre emblemas de um mesmo país.

A Liga dos Campeões, mais do que a Liga Europa ou a recentemente criada Liga das Nações, é também o produto televisivo mais apetecível para os principais operadores internacionais. A lógica de um negócio simplificado entre uma estação de televisão nacional e a TEAM Marketing (a agência que trabalha em exclusividade com a UEFA em matéria de licenciamento de direitos de transmissão) já não existe. Os “players” deste negócio são agora grandes grupos internacionais, distribuidores globais de conteúdos, que encaram o “produto futebol” (e, por maioria de razão, a Champions League) como o mais competitivo e gerador de receitas. Mas, mesmo neste campo, o paradigma tradicional da televisão linear está em mudança. Poucos são os canais públicos europeus de televisão que emitem a competição em FTA (“free-to-air”), sem quaisquer contrapartidas exigidas aos telespetadores. 

Nos principais mercados nacionais europeus prevalece o sistema de “pay per view” (canais codificados com distribuição por cabo) e, agora, o jogo volta a evoluir: entramos na era do “content streaming”, isto é, da negociação direta entre distribuidor e consumidor final (telespetador), de conteúdos segmentados para visualização em plataformas. Trocando por miúdos: qualquer um de nós vai, muito em breve (já o pode, de resto, fazer em alguns países…), comprar o que quer ver, selecionar o jogo que pretende seguir e negociar diretamente com a plataforma de conteúdos correspondente.

Ora toda a dinâmica empresarial e de negócio resultante destes novos dados vai mudar o modo como a UEFA vê o seu “core business”. Se é verdade que, do ponto de vista do adepto e consumidor final do produto, o caminho é mais rápido e mais conveniente (compra direta e visualização imediata, em qualquer local), também parece certo que, para os grandes meios “tradicionais” (muitas das principais cadeias de televisão mundiais) as dificuldades vão aumentar, numa dupla vertente: maiores problemas em rentabilizar o investimento num produto que pode chegar de modo mais imediato ao consumidor, e patamares de negociação financeira com valores, há alguns anos, dificilmente imagináveis.

Neste mega-negócio do futebol internacional talvez ganhem os telespetadores. Mas vão, seguramente, ganhar os principais clubes, cuja capacidade de investimento e de presença no mercado será cada vez maior, aniquilando concorrências internas e acentuando desigualdades. No campo e fora dele.

Rui Almeida
Jornalista da Deutsche Welle

*Artigo publicado na plataforma digital da Deutsche Welle (www.dw.com)

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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