“FAROL DE NEVOEIRO” – 9 dezembro
Os sinais e os seus contrários
“Não prever, é já lamentar” (Leonardo da Vinci)
Surgem a qualquer momento, e, por vezes, de onde menos se espera. São muitas vezes encriptados, meio escondidos entre as palavras e os gestos, entre o que se se diz e o que se deixa por dizer, entre a abertura de uma frase e a ansiedade de uma entrelinha. O tempo e o modo, a experiência e os momentos da vida ajudam-nos a descodificar e a interpretar o que, antes, seria difícil de entrever. Sinais. Recebemo-los todos os dias, de diversas formas e de múltiplas origens, e, muitas vezes, recusamos a identificação, ou não percebemos o alcance. Vale para cada um, sujeito pensante e presente, como para todos, sociedade em evolução e em convulsão.
Só não vê quem não quer: ao aumento substantivo e substancial da tensão argumentativa em sedes de discussão política sucede-se o extremar de posições, qual luta de galos por um melhor e mais favorável ponto de partida para uma prova de fogo. Cresce a ambição socialista pela transformação de uma solução de compromissos parlamentares num quadro confortável de maioria absoluta. Os “sound bites” da tribuna e das bancadas surgem justamente como sinal de que, a dez meses das eleições, os amigos de conveniência – que o foram, e muito, durante três anos… - serão agora adversários bem escudados nas respetivas barricadas. O PS endurece o discurso à direita mas, sobretudo, à esquerda. A captação de uma franja menos radical do Blobo de Esquerda parece ser o objetivo do “marketing” do Largo do Rato para os próximos meses, o que, a suceder, significaria uma dupla vantagem: eventualmente a ultrapassagem da fronteira da maioria absoluta, e uma imensa fragilização do partido de Louçã e Catarina. Um sinal objetivo de que, na hora da verdade, os amigos não superam as circunstâncias…
E, nesta maratona que só termina a 6 de outubro do próximo ano, quando se vira à direita o principal partido do governo só encontra desgoverno. Interno, com os sinais claros de insatisfação pela estratégia e, até, pela personalidade do líder, que parece cada vez mais ser um Rio com foz incerta e com voz dispersa. E justamente por isso também desgoverno externo, dando o PSD sinais de uma gritante incapacidade de se assumir como verdadeira alternativa programática, de fundo, para obstar à criação da tal vaga socialista que, paulatinamente, vai aumentando de pujança.
E se mais à direita virar, mais incongruências se encontrará, com Assunção Cristas apostada em ser uma segunda versão do antigo líder “das feiras”, falando alto e sobre assuntos fraturantes, mas não se percebendo muito bem onde acaba a vontade de diminuir espaço ao PSD e aumentar a oposição ao governo de esquerda. Talvez este jogo de sinais em dois sentidos, por parte do PP, possa resultar no aproveitamento de descontentes social-democratas. Mas dificilmente cativará indefetíveis socialistas. Não neste momento, não com esta líder.
Os sinais da política portuguesa diluem-se num mar de dúvidas, de incertezas legais e éticas. A dialética entre Carlos César e Fernando Negrão, natural num quadro de discussão parlamentar, afunda-se no cruzamento de argumentos para esquecer o fundamental: os deputados da nação têm de estar incólumes em qualquer momento do seu mandato. São procuradores autorizados e legitimados pelos cidadãos, mas a ideia que sistematicamente passam, em diversos quadrantes e circunstâncias, é a de que algo ficou por dizer, algo está, sempre, acima do interesse comum. O sinal de transparência não é, não pode ser, palavra vã, e tem de ser praticado e escrutinado a cada momento do exercício de uma atividade de mandato público.
E se em Lisboa se arregimentam trunfos para a batalha dos próximos dez meses, alguém, nos Açores, tratou de antecipar um dos problemas (graves) que o seu partido enfrentará. A luta com a classe docente não é de agora, mas a inadmissível intransigência na negociação da retoma de um tempo efetivo de carreira com progressão suspensa há mais de nove anos pode ter efeitos nefastos para a estratégia nacional do Largo do Rato. Os “spin doctors” regionais identificaram a ameaça, e convenceram Vasco Cordeiro a uma reviravolta de 180 graus: da expetativa para aguardar decisões do governo da república à indicação para que os nove anos, quatro meses e dois dias fossem efetivamente contados para os professores da região, foi um passo tão mágico quanto politicamente sinalizador. A ele voltaremos. Mas este, para princípio de conversa sobre o tema, é um sinal com muitas interpretações. E que antecipou cenários. Afinal Da Vinci tem razão: “não prever, é já lamentar”…
Rui Almeida
Jornalista da Deutsche Welle
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