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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Homenagem a um catedrático das letras - ONÉSIMO TEOTÓNIO ALMEIDA


Continuação

Mas houve o episódio violento de Charlottesville.

Sim. E aí Trump não tomou posição. Ele não tem tomado posição contra o seu grupo de apoiantes que, por sinal, continua a diminuir. Ele ronda os 30% de popularidade nacional. Mas continua agarrado à sua base, porque esta continua firme e Trump não vai dizer nada para antagonizá-la.

Alguém dizia no The New York Times que a Casa Branca é uma espécie de creche em que há um montão de adultos a tomar conta de uma criança. 
 Se Trump voltar a concorrer, não será reeleito?

Não creio. Tenho conversado com pessoas que votaram nele e agora apercebem-se do seu erro. A mim, a sua ausência de comportamento ético repugna-me. Ele não tem o menor interesse pela verdade. Inventa factos e acusa a destempero para desviar as atenções das acusações que lhe fazem.

São as tais "fake news"?

Sim. Se os Presidentes nunca foram famosos por dizerem a verdade, este caso atinge proporções nunca vistas. Por isso, ele não tem conseguido segurar a franja do eleitorado que atraiu nas eleições. O Partido Democrata tinha-a perdido por se ter tornado demasiado liberal para essa franja, sobretudo em matéria sexual. Isso fez com que muita gente, que era a base forte do Partido Democrata, como por exemplo os católicos, se voltasse para o Partido Republicano. Na verdade, hoje muitos católicos, tradicionalmente um grupo democrata, votam nos republicanos porque estes lhes aparecem como os defensores da moral tradicional, dos valores da família (mesmo que não os cumpram). A questão da homossexualidade, todas as questões de género, o aborto, etc., são pontos críticos. Por isso, essa franja foi perdida. Mas Trump ganhou também uma outra franja ao prometer uma política económica proteccionista que traria de volta os empregos perdidos para o estrangeiro. Ora, a economia mudou completamente e é hoje global. Ele prometeu o impossível e não está a cumprir as promessas feitas à classe média e média-baixa, o colarinho azul. A sua grande vitória foi na redução de impostos, mas essa redução só vai beneficiá-lo a ele próprio e ao "pântano" que queria secar.


Concretamente, o que é que lhe agrada nas universidades americanas?

Primeiro, os recursos de que dispõem. Depois, a abordagem do ensino: é muito democrático. O aluno é respeitado como uma pessoa inteligente que quer aprender. Não vai decorar um catecismo para depois repetir no exame. O professor orienta, abre os horizontes do aluno. Há uma grande consciência de que o aluno precisa de crescer por si, a partir de dentro, e desenvolver¬-se. Não se trata de andar a copiar o modelo do professor para depois o replicar.

Que avaliação faz neste momento das universidades portuguesas?

Não me é fácil falar porque estou ligado a muitas universidades portuguesas e corro o risco de generalizar e simplificar, insultando injustamente. Mas posso referir que uma coisa é o que as pessoas admitem em privado e outra o que defendem em público.

Ou seja, o que me está dizer é que tem muitas críticas a fazer.

Tenho. Mas muitas das críticas resultam da falta de recursos que as universidades portuguesas têm. Nos EUA, muitas universidades são privadas e têm vastos recursos. Devo, no entanto, acrescentar que as universidades portuguesas de hoje têm a geri-las gente com uma mentalidade completamente diferente da daquele tempo. É uma nova geração. Sou amigo de alguns reitores de universidades portuguesas e reconheço a sua qualidade. Pena terem de consumir o seu tempo inventando maneiras de equilibrar os orçamentos.

Mas considera que já existe a preocupação de "colocar os alunos a pensar"?

Há facetas que são endémicas. Muitos dos professores foram formados na universidade onde leccionam. Herdaram hábitos e estão a transmiti-los aos alunos. Nas universidades americanas, em regra, uma pessoa não fica a leccionar na universidade onde se formou. Quando termina o doutoramento, tem de ir leccionar  noutro lugar, para se libertar do "complexo do pai" e sentir-se livre de expressar divergências em relação aos seus formadores. Há um grande arejamento. Ao longo das décadas, tenho acolhido na Universidade de Brown dezenas de universitários portugueses que vão em licença sabática ou como bolseiros, para fazerem investigação de toda a ordem, e até mesmo para ensinar. As suas impressões confirmam as minhas. Ao voltarem a Portugal, têm tentado algumas alterações no sistema. Só que não é fácil. E grande parte deles acaba acomodando-se.

A questão da hierarquia é mais atenuada aqui ou nos EUA?

Lá, a relação é bem mais horizontal. Não é que não haja hierarquia, mas encaixa numa atitude  Lá, a relação é bem mais horizontal. Não é que não haja hierarquia, mas encaixa numa atitude completamente diferente. A começar por algo simples. A rapaziada nova, no primeiro ano, pergunta: "Como é que o senhor quer que eu o trate?" E eu, que não sou nenhuma excepção, costumo dizer: "Olha, desde que eu saiba que estás a falar comigo, podes tratar-me como quiseres. Podes chamar-me Onésimo." E muitos fazem-no. Nunca um aluno me faltou ao respeito. Um ou outro chama-me "Mister Almeida", outros tratam-me por "Professor". Hoje, o mais normal é o uso do primeiro nome. E, no entanto, na aula sou o professor. Uma coisa é a autoridade e o respeito pela pessoa que está a ministrar, a gerir o conhecimento, outra o facto de ele ser uma pessoa humana. O professor não tem autoridade para fazer afirmações factualmente erróneas. Se o professor falhou, qualquer aluno pode corrigi-lo. Se o professor não for capaz de admitir: "Tem razão" ou "Não sei, mas vou ver e logo te respondo por e-mail", esse professor fica diminuído perante os seus alunos.

Se os Presidentes nunca foram famosos por dizerem a verdade, Trump atinge proporções nunca vistas. 

Mas já se sentiu desconfortável por ser chamado à atenção por um aluno?
Não. Por exemplo, no outro dia eu estava a explicar que, tal como no inglês, em que Josephson significa "filho de Joseph", também em português Fernando Fernandes é Fernando filho de Fernando. O mesmo acontece noutras línguas. E dei exemplos, inclusive em italiano: Galileu Galilei… Um aluno interveio: "Desculpe, mas no caso de Galileu não foi essa a razão." E explicou-se. Eu agradeci. Mais tarde fui verificar e ele tinha razão. Mas na altura disse-lhe apenas: "Olhe, não sabia. Obrigado." Aprendi imenso a ensinar. Dizia¬-se antigamente que no primeiro ano nós ensinamos mais do que sabemos; no segundo, ensinamos o que sabemos; e a partir daí começamos a ensinar menos do que sabemos. Quanto mais inteligentes os alunos são, mais inteligentes são as perguntas. E uma pergunta inteligente é a melhor coisa que um professor pode ter. Nunca pensou naquilo, no entanto, vai pensar. Quem tem um grupo de alunos muito dotados, e motivados e interessados, está sempre a aprender.

É o seu caso?

Sim. A minha universidade é uma das mais selectivas. Para a licenciatura, concorreram este ano 35 mil estudantes e só entraram 1500. Todos distintos nas suas escolas secundárias. Quando chegam ali, sentem-se humildes porque sabem que os colegas são todos muito bons. Vendo de fora e à distância, as pessoas pensam que quem está a estudar numa universidade como Brown ou Yale é automaticamente arrogante. Não. Os alunos pensam: estes que estão aqui são tão bons quanto eu. Não vou arriscar asneiras porque há sempre quem saiba muito mais do que eu sobre qualquer assunto. E também sabem que os professores estão preparados. Estou a falar de uma maneira geral, claro. Cria-se um ambiente muito aberto e de respeito pelos outros.

Continua
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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