Muitos anos de vida…
Faço hoje, precisamente, sessenta anos.
Comecei a escrever com quinze, para “O Telégrafo”, na Horta. Mas nunca, nestes 45 anos de colaboração com jornais, o meu aniversário tinha coincidido com o dia da minha coluna.
Não pode ser por acaso, até porque nele não acredito. Cumpramos, então, a vontade do cosmos, e falemos um pouco desta minha já longa passagem pelo planeta.
Sessenta anos é muito tempo.
Gosto de deslocar a minha existência para outra época histórica, imaginar-me noutros anos que não os que vivi, para ter uma ideia mais clara do tempo.
Sim, porque o tempo em que vivemos de facto é sempre breve para nós. Passa muito depressa, dizemos.
Imaginemos que tinha nascido em 1900, para não recuar demasiado. Estaria, hoje, em 1960.
Teria vivido num regime monárquico 10 anos e com essa idade veria a implantação da República. Teria assistido ao começo da ditadura e do Estado Novo. Afligir-me-ia com duas guerras mundiais. Veria o nascimento da União Soviética e da ONU.
Saudaria a descoberta da penicilina e rezaria para que o primeiro avião dos irmãos Wright se aguentasse nos ares.
Isto só para dar uns poucos exemplos do que teria vivido. Sessenta anos é muito tempo…
Mas são muito tempo também no meu tempo. Tendo nascido em 1959, vivi ainda em ditadura 15 anos. Vi o 25 de Abril. A queda do muro de Berlim e a dissolução da URSS.
O homem foi à lua e os chineses plantaram batatas recentemente na mesma. Só não os vejo em dias da dita cheia porque são muito pequenos. Mas querem ir a Marte.
Assisti à revolução tecnológica, ao nascimento dos computadores fixo e portátil, ao telemóvel, à internet e à capacidade do ser humano deixar de saber fazer contas de cabeça porque tem calculadoras.
Joguei futebol em campos relvados mas com tufos e esfolei os joelhos em pelados e cimentos. Hoje já não consigo. Passei pela meia bola e força, pela bola rente ao chão e por fim a bola lá dentro e eu na bancada. Quando deixei os pulmões a escorrer pela t-shirt abaixo sem conseguir apanhar uma bola que antes seria canja decidi não atrapalhar mais ninguém dentro de campo.
Persegui coelhos por cerrados em matos de todas as freguesias. Esgalguei-me em suores quentes e frios para os matar. Passei sedes infinitas em pastos infindáveis mas cheguei a nascentes que a maioria dos que me lêem nem sabe onde ficam. Olhei nos olhos touros que só não me mataram porque pensaram, e bem, estarem na presença de um tolo que se mete nos nossos domínios à noite. Hoje, desvio os pneus dos láparos que ainda não aprenderam o que é uma via rápida…
Saltei de pedra em pedra em calhaus que dariam para construir molhes em portos. Sem olhar para baixo. Apanhei peixe que nem vos conto, sentei o rabo na última maria das três, mas nunca caguei no pesqueiro. Hoje, restam-me os cais lisos. Carapau e peixe-rei. Apanho menos mas não ponho a ganir as rótulas nem as hérnias, que colecionei três, lombar, dorsal e cervical, não faço a coisa por menos.
Entrei no último terço da minha vida e não sei se o vivo todo. Reúno entre dedos as contas de terços antigos para ver se me aguento mais uns tempos por cá.
Peço saúde, mais que o euromilhões.
Mas hoje é terça-feira, com jackpot. Que o mesmo cosmos que fez coincidir o dia dos meus anos com o dia destas linhas enfeitice as cinco bolas e as duas estrelas.
Se ficar rico hoje, não me esquecerei de vós. Se continuar pobre… também não.
P.S. – No próximo dia 7 de fevereiro dou um concerto com o Mário Laginha e muitos amigos convidados, para comemorar estes 60 que hoje faço. Será às 21,30 no Auditório do Ramo Grande, Praia da Vitória. Se os que me lêem aqui todas as semanas acharem que mereço a sua presença, lá vos espero. Com um abraço.
António Bulcão
(publicada hoje, no Diário Insular)

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