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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Do colaborador Dr. António Bulcão


Coisas do chocolate

Já vos aconteceu um gosto ou um cheiro fazer-vos outra vez crianças? Trazer-vos num segundo memórias que julgáveis para sempre varridas do miolo?
A mim aconteceu-me isso no último fim-de-semana. 
Ia a caminho de Angra e apeteceu-me um chocolate. Parei na estação de serviço, na via rápida, e toca de olhar para a imensa variedade de doces que havia nas prateleiras, muitos dos quais antigamente só havia na Base.
A minha escolha foi para o mais antigo chocolate da Regina. Aqueles que têm prata vermelha e dourada. 
Já de novo feito à estrada, fechei os olhos por instantes, quando o primeiro bocado se começou a derreter na boca.
Foi aí que, de repente, me vi de calções outra vez, sentado no banco de trás do carro. Ia a caminho de Castelo Branco, a freguesia da minha família materna e paterna.
Era domingo à noite. Todos os domingos à noite ia com meu pai, que ia jogar sueca. Meu tio mais novo, irmão dele, como parceiro, contra meu avô e meu tio-avô. 
Riscos de giz a marcar os tentos substituíram os traços da estrada, e eu a apreciar cada bocadinho de amêndoa que fica depois de desaparecer o chocolate.
Davam-me sempre um chocolate daqueles, para eu comer calado e não chatear.
Juro-vos: vi os mortos e o ainda vivo, o meu tio Manuel. Estavam todos dentro do carro, em alegre cavaqueira, e foram comigo até Angra.
Firmavam as regras da sueca. As cartas é que falam. Um duque em cima de um ás quer dizer que não se tem mais daquele naipe. Uma puxada a trunfo obriga o parceiro a insistir ou vir a trunfo mal possa. A mesma puxada a trunfo é obrigatória se temos a certeza de que a fineza (passagem) noutro naipe foi obra do parceiro. 
E eu a ouvi-los e a mamar o resto do chocolate.
Jogava sempre com meu pai aos cães e aos gatos, durante a viagem. Ganhava quem via mais animais destes no caminho para cima e no caminho para baixo.
Por vezes o bicho era grande e via-se a sua forma ao longe. Outras vezes eram os olhos a brilhar na luz dos faróis que os denunciava. Os gatos em cima de muros ou paredes, os cães por dentro de portões de ferro.
Havia noites em que a bicharada aparecia por tudo o que era canto. Outras noites em que não se via nem um. Coisas das luas.
Da próxima vez compro um snicker. Ou um mars.
Porque se insistir nos regina, e continuar a ver e a ouvir gente tão querida, não vou querer outra coisa. Há que controlar a diabetes.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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