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sábado, 16 de fevereiro de 2019

Do jornalista Rui Almeida


“FAROL DE NEVOEIRO” – 17 fevereiro

Açores no Parlamento Europeu: da má escolha do PSD, à opção previsível do PS

Serrão Santos e Sofia Ribeiro, com excelentes mandatos em Estrasburgo, colocam alta a fasquia


Para muitos, são um auxílio importante. Porém, para quase todos na classe política, os números, as percentagens, as sondagens e as tendências são lidos sempre de acordo com as respetivas conveniências, alterando opiniões e modos de agir consoante os interesses, e tentando fazer da sua frieza uma mera questão de interpretação, consoante a hora e o local. Mas há, no que diz respeito às eleições para o Parlamento Europeu, um número incontornável: o da taxa de abstenção, de alheamento puro do eleitorado açoriano em relação ao ato eleitoral que, a cada cinco anos, elege os representantes portugueses para o hemiciclo de Estrasburgo. 

Oitenta por cento de abstenção não é muito. É absurdo. Significa um sinal fortíssimo de desinteresse, cuja responsabilidade é exclusiva da classe política, que, ao longo dos anos, se apressa a valorizar como sinais importantes os resultados eleitorais europeus, se deles se pode inferir algo de bom para as suas cores, mas logo, na eleição seguinte, os desvaloriza, se são indiciadores de alguma quebra para os respetivos partidos. Falta informação sobre a importância das instituições europeias e a sua determinante influência no dia-a-dia de uma região ultraperiférica, falta empenho dos que ficam e coragem para assumir projetos duradoiros.

Chegamos ao “ponto de rebuçado” da questão: depois de Paulo Casaca e Duarte Freitas, Ricardo Serrão Santos e Sofia Ribeiro. Agora, Mota Amaral e André Bradford. Nos Açores “joga-se” com a designação de candidatos elegíveis ao Parlamento Europeu com o fito de determinar estratégias internas de médio e longo prazo, e de tentar recuperar eleitorados por simpatia e respeito. No caso do PSD, é incompreensível a indicação de João Bosco Mota Amaral. Não por falta de currículo, passado, experiência e carisma, mas porque não é disso que o Parlamento Europeu necessita. O PSD Açores, agora liderado por Alexandre Gaudêncio, pretende passar o sinal de que não esqueceu o antigo Presidente do Governo Regional e Presidente da Assembleia da República, e, sobretudo, que não perdoa Duarte Freitas pelo seu “esquecimento” em relação a Mota Amaral, na última eleição para a Assembleia da República. É uma estratégia claramente assumida pelo novo líder dos social-democratas, mas que envolve riscos, desde logo porque – como o PS fez, há alguns anos, com Mário Soares – fica a ideia de “prémio de carreira” com esta indicação. Profundamente errado. O Parlamento Europeu não necessita disso, necessita de técnicos cada vez mais capazes e conhecedores, com mobilidade geográfica, com disponibilidade interventiva e com capacidade de persuasão política e técnica. Nem o PSD necessitava de indicar Mota Amaral, nem o antigo líder açoriano tem necessidade de regressar deste modo à “política ativa”. 

A melhor solução teria passado pela recondução de Sofia Ribeiro – que excecional mandato fez a deputada eleita pelo PSD Açores nos últimos cinco anos! – mas, considerando a profunda dignidade por ela revelada ao demarcar-se da nova direção regional do partido, depois de ter apoiado Pedro Nascimento Cabral, haveria decerto outras interessantes opções no quadro dos social-democratas açorianos que não passassem por este “aggiornamento” de ocasião e de puro interesse eleitoralista.

E chegamos ao PS. O que atrás escrevi sobre Sofia Ribeiro, reproduzo sobre Ricardo Serrão Santos. Um técnico de excelência, conhecedor profundo da região, das suas realidades e das suas prioridades, e com um magnífico desempenho em Bruxelas e Estrasburgo. Mas o Partido Socialista, numa curiosa operação de “make up” externo traduzida numa eleição no seio da sua Comissão Regional, avança com o nome de André Bradford. Toda a sua experiência adquirida no hemiciclo regional, para mais como líder da bancada parlamentar socialista, é um importante fator justificativo da chamada. Porém, não deixa de ser curioso que, num almoço com “fontes” muito bem colocadas junto do PS Açores, me tenha sido dito, há mais de um mês, em Ponta Delgada, que o candidato elegível da região na lista socialista ao Parlamento Europeu, seria… Bradford. Portanto, uma espécie de “solução-surpresa” que, na realidade, estava já pensada e trabalhada pela “entourage” socialista regional. 

Com a partida de Bradford para a Europa Continental (aos 48 anos é jovem, experiente, arguto e tem vontade de apre(e)nder novas realidades), abre-se uma vacatura parlamentar na Horta, que deverá ser ocupada por Francisco César. A escolha óbvia, uma vez que o filho de Carlos César é atual vice-presidente. E este pode ser um indicador de longo prazo mais importante e significativo do que pareça, à primeira vista. Faltam seis anos de mandato como Presidente do Governo Regional a Vasco Cordeiro (antecipando, neste cenário, uma provável reeleição em outubro de 2020, embora talvez com contornos parlamentares diferentes dos atuais…). A sucessão do atual Presidente do Governo Regional tem de ser preparada com o máximo cuidado pelo Partido Socialista, até porque, para já, não emergem líderes carismáticos e incontestáveis. Nesta linha de raciocínio, talvez Francisco César, promovido à liderança da bancada parlamentar, na Horta, ganhe alguma (determinante?) vantagem. 

Como se vê, os bastidores socialistas trabalham a médio e longo prazo, não negligenciando nenhum pormenor e, mais do que isso, tentando acautelar um futuro… previsível. 

Nas entrelinhas, como ficam as eleições para o Parlamento Europeu, no que aos Açores diz respeito? Com estratégias bem distintas dos dois principais partidos, posicionamentos que revelam a necessidade de responder a oposições internas, por um lado, e aos macro-objetivos regionais, por outro. Apesar de tudo, mais bem servido o PS. Bradford, muito mais político do que Serrão Santos, pode dedicar o seu olhar e a sua intervenção a outras áreas, que não apenas a gestão dos recursos do mar, projetando os interesses açorianos a uma ultraperiferia cada vez mais demarcada e musculada. Mota Amaral, neste sentido, é uma figura incontornável do processo autonómico e da história contemporânea da região (e do país). Mas, exatamente por isso, deveria gozar uma mais do que merecida reforma tranquila. E o PSD teria nomes que, decerto, aportariam mais-valias técnicas e políticas de uma forma consistente e fortalecida.

O trabalho dos agora candidatos é hercúleo: convencer a região de que necessita de ser bem representada e, para isso, necessita de participar na escolha. Porque só o voto legitima as opções dos partidos. E se o eleitor recusa as urnas, esse é o maior sinal que, em democracia, pode dar aos eleitos. Muito mais importante, significativo e determinante do que qualquer vitória esmagadora ou maioria absoluta. 

Rui Almeida
Jornalista da Deutsche Welle

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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