Política de esgoto
O ar que se respira na política portuguesa e na nossa região nunca foi recomendável, mas o dos últimos dias é mesmo irrespirável.
A ingenuidade de Cristas e Rui Rio foi aproveitada pela habilidade profissional de António Costa, provando que a política em Portugal não é para amadores, mas apenas para quem faz dela uma vida inteira, sem nunca ter conhecido as agruras do trabalho.
O que assistimos nestes últimos dias na política nacional não é muito diferente do que vimos provando, há várias legislaturas, aqui na região.
Não é o bem público que está em causa, é quem mais consegue arrebanhar eleitores, custe o que custar. O eleitoralismo acima de tudo.
O PSD e o CDS prestaram-se a um exercício rasteiro de querer abocanhar o eleitorado dos professores, à semelhança do que aconteceu cá, com o Governo Regional nos Açores, quando percebeu que estava a perder uma faixa importante do seu eleitorado e também deu o dito por não dito.
A classe política portuguesa vive permanentemente neste sufoco lusíada de querer agradar a gregos e troianos, ora agindo de uma maneira quando está no governo, ora noutra quando se encontra na oposição.
Tudo isto cansa.
Os eleitores vão percebendo que o voto já deixou de ser, há muito tempo, a “arma do povo”, porque os governos e os políticos fazem o que muito bem lhes apetece, sem dar troco a ninguém.
Os políticos, no nosso país, estão mais disponíveis para os banqueiros do que para o cidadão comum, que não lhes dá manjedoura.
Felizmente que, no plano nacional, ainda vamos assistindo a um forte escrutínio por parte da opinião pública, sobretudo na comunicação social, enquanto que, na nossa região, tudo é feito sem dar cavaco a ninguém.
Nos Açores temos uma comunicação social fraca (como convém aos Poderes), uma oposição medíocre, um parlamento regional que nos custa 12 milhões de euros sem produzir nada e um Representante da República que bem podia figurar na Constituição como o provedor de croquetes.
Tivéssemos os poderes de fiscalização regional entregues ao Presidente da República - como alguns partidos propõem na célebre Reforma da Autonomia que nunca mais vê a luz do dia - e, conhecendo como todos conhecemos Marcelo, já ele teria intervido na nossa Região, com muitos puxões de orelhas ao poder regional.
Não é só em Lisboa que se promete e, depois, não se cumpre por interpostos calculismos e jogadas políticas.
Aqui, na nossa santa terrinha, cometem-se as maiores loucuras políticas e ninguém é responsável por nada.
Todos nos lembramos de tantos exemplos, a começar pelo sector empresarial regional, um dos maiores cancros que afecta o desenvolvimento regional.
Mas hoje vou dar um outro exemplo, de que muitos já não se recordarão, como prova de que ninguém nos fiscaliza, por maior incumprimento que ocorra.
A 2 de Agosto de 2012 o Vice-Presidente do Governo Regional dos Açores assinou, em nome da Região, um “Memorando de Entendimento entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da Região Autónoma dos Açores”, em troca de um empréstimo de 135 milhões de euros, onde no ponto 6 diz o seguinte: “O GRA (Governo Regional dos Açores) compromete-se a alcançar e manter o equilíbrio financeiro do Sector Empresarial Regional (...). Adicionalmente o GRA abstém-se, durante os anos de vigência do presente Memorando, de adotar ou autorizar medidas das quais resulte agravamento financeiro das empresas públicas regionais”.
E, logo a seguir, o ponto 7, o GRA comprometia-se a “reduzir anualmente o número de trabalhadores da função pública regional”.
Como se vê, há sete anos já se previa o que vinha aí.
E veio mesmo: sem a fiscalização de ninguém, não só não cumprimos o que foi assinado, como fizemos tudo ao contrário.
Agravamos substancialmente a situação financeira das empresas públicas, ao ponto de falirmos a SATA, a Sinaga, a Lotaçor e já fechamos a ATA, como se anunciou a entrada de centenas de trabalhadores na função pública regional, para agora se preparar, como consequência, uma saída abrupta de pré-reformados.
É por tudo isso que a população está cansada, permanecendo no activo eleitoral apenas a elite que vive do orçamento regional.
Estes sinais dão-nos a percepção de que o sistema partidário está a implodir.
Os partidos que nos rodeiam tornaram-se em fábricas de expedientes e guarida de expeditos prodigiosos.
Já ninguém acredita em ninguém. A desilusão está demonstrada nos elevados índices de abstenção e na fraca participação cívica. Toda a gente foge da política e ela fica entregue aos piores da sociedade.
Junte-se a política de cá com a de lá e temos pouco que se aproveite.
Perdeu-se a política de seriedade e de palavra honrada para obtermos, agora, política de esgoto.
Maio 2019
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
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