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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

terça-feira, 28 de maio de 2019

Do colaborador Dr. António Bulcão - Puro gozo


Puro gozo

Andam, definitivamente, a gozar connosco. Passo a explicar.

No último domingo, para a eleição do Parlamento Europeu, a taxa de abstenção nos Açores subiu acima dos 80%. Por outras palavras, em cada 10 açorianos recenseados, 8 não foram votar.

Ainda por outras palavras, votaram 38.500 cidadãos nos Açores. Para se ter uma ideia da gravidade destes números, tendo a ilha Terceira cerca de 56.437 habitantes, votaram, nos Açores todos, apenas cerca de dois terços da população de uma só ilha. Mais ou menos os habitantes apenas do concelho de Angra do Heroísmo…

Daquele número global, o PS obteve 17.494 votos, e o PSD 8.849, sendo que os restantes 12.157 votos contemplaram outras forças políticas.

Na noite eleitoral, o Presidente do PS-Açores e Presidente do Governo Regional congratulou-se pela “vitória muito expressiva do PS”. Com uma taxa de abstenção tão elevada, falar em vitória “muito expressiva” seja de que partido for é, no mínimo, falta de vergonha.

Mas não seria tão grave se, oito dias antes, não tivesse sido divulgado um estudo encomendado pela ALRAA sobre a abstenção e as razões que fundarão tal fenómeno.

Nesse estudo, mais de oitenta por cento dos inquiridos atribui a culpa da abstenção aos políticos (governantes, deputados e partidos).

Inquirido por uma jornalista sobre a abstenção, Vasco Cordeiro disse, sumariamente, que é realmente muito preocupante, mas que a resolução do flagelo é tarefa “de todos”.

Completamente de acordo. Mas Vasco Cordeiro é um político. Podia assumir a culpa própria, por uma vez que fosse.

O que podem fazer os políticos, para diminuir a taxa de abstenção nos Açores? Bastantes coisas, sem dúvida. Poderiam, no entanto, começar por fazer algumas e não repetir as que já se sabe estarem erradas.

O que aconteceu, relativamente ao PS, nestas eleições para o Parlamento Europeu? 

Estando na cara que deveria o PS recandidatar Ricardo Serrão Santos, preferiu um boy do partido. 

Ricardo Santos é um especialista em assuntos do mar e das pescas. Reputado cientista, foi director do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores. Fez um mandato no PE gabado até por adversários políticos. Trabalhou sobretudo em duas áreas fundamentais para os Açores: mar e pescas. Por que diabo, então, o PS decidiu não o recandidatar, e apresentar ao voto popular Bradford, que não possui nenhuma das credenciais e competências do eurodeputado que vai substituir?

Bradford era presidente do grupo parlamentar do PS na Assembleia Regional. Para o seu lugar foi Francisco César, filho de Carlos César. César que já é motivo de chacota nacional por meter a família em todo o lado. Agora, o pai é presidente do grupo parlamentar na Assembleia da República e o filho desempenha o mesmo cargo na Assembleia Regional.

É com este tipo de práticas que Vasco Cordeiro e o PS esperam que a abstenção baixe? Se realmente atingir este objectivo é tarefa “de todos”, como diz Vasco Cordeiro, a parte que é da competência dos políticos é esta? Substituir um homem competente e capaz por mais um gestor de paleio, só porque é do aparelho, e elevar na Assembleia Regional outro gestor de paleio que é filho do dono disto tudo?

Foi assim nesta eleição. Mas na próxima será outra vez o mesmo esquema. Ou alguém tem dúvidas de que o primeiro da lista do PS-Açores, para a Assembleia da República, será de novo Carlos César? E que este escolherá para os nomes seguintes figuras apagadas que lhe digam sempre que sim e façam figura de corpo presente?

Com este tipo de processos, a abstenção continuará a crescer. E os políticos, principais culpados disso, a dizerem que tratar aquele cancro da democracia é tarefa de todos, que não apenas deles, ou culpando o Santo Cristo, em vez de fazerem a sua parte para chamar às urnas mais cidadãos.

Talvez consigam o que realmente desejam: que a abstenção venha a tingir os 99%. E só não serão 100%, porque alguém tem de votar. Neste caso, os próprios candidatos e os seus familiares. Os que já têm tacho e os que esperam calmamente a sua vez para o ter…

António Bulcão
(publicada hoje, no Diário Insular)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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