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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Do colaborador José Henrique Pimpão - MEMÓRIAS DO PASSADO, AO LADO DA ROTUNDA DAS FIGUEIRAS PRETAS


MEMÓRIAS DO PASSADO, AO LADO DA ROTUNDA DAS FIGUEIRAS PRETAS

ARTÍSTICA PINTURA EM GRANDE PAINEL A RETRATAR COMO OS TOIROS VINVAM A PÉ…

                                                      
Integrado nas comemorações do Dia da Freguesia, a Junta de Freguesia de S. Pedro de Angra do Heroísmo, presidida por Fátima Albino Ferreira, no passado dia 19 de Maio, foi colocado no muro ao lado da rotunda, ali nas Figueiras Pretas, um grande painel, em chapa galvanizada, com 30 metros da largura e 1,50 metros de altura, no qual uma artística pintura, da autoria do conhecido e categorizado artista terceirense José João Dutra, em que nos mostra o modo como, até cerca de 1957, os toiros eram conduzidos a pé e em pontas, para serem lidados nas freguesias ou praça.

Sob o mais puro sigilo e como que da noite para o dia, ali está um maravilhoso retrato a perpetuar, pois, aos vindouros o quão difícil e perigoso era levar os toiros com as vacas de chocalho, a pé e em pontas, sob controle de pastores a pé e alguns a cavalo, munidos de bordões e ainda o precioso e inteligente auxílio dos chamados cães “Barbados da Terceira”.

Uma notável obra que além de valorizar aquele local, é mais um motivo de atracção para o turismo e população em geral.

Resumidamente diremos que, como exemplo, os toiros vinham e voltavam ao mato nas calmas madrugadas. Desde criança, assisti as muitas chegadas dos toiros para a praça, ali em frente ao painel hoje inaugurado. O Sr. José Rufino Carreiro (falecido), pai do Victor Carreiro, que vive na casa (da ermida), ali bem perto da rotunda e lá guardava as tapadas, como encarregado de as pôr para impedir a manada de ir para o Pico da Urze ou S. Pedro, bem como os caminhos transversais até à praça. Um belo dia, no entanto,um toiro resolveu libertar-se, saltando a tapada de madeira e lá foi pegar na tia Amelinha, uma velhota muito desconfiada, ali ao pé do João Maia.  Valeu que o toiro, em grande velocidade, pegou-lhe mas seguiu e ela ficou a pedir socorro e lá foi parar ao hospital.   Ficou pelo famoso “toiro da velha”.   

Os que vinham ali para a Penha de França, o touril era armado com pranchas e carros de bois aos alto, no lugar mais estreito da Canada, ou seja acima do Centro Juvenil.   Aqui na minha rua o touril era armado à entrada da chamada Canada de Baixo e nos mesmos moldes.

Mais um caso muito curioso e que podia ter acabado mal, deu-se aqui nos toiros da Penha de França, nos anos 50. Os pastores, de madrugada, ainda escuro, foram buscar o gado para o mato e um dos toiros, talvez cansado e preguiçoso, não se levantou e lá ficou sozinho até que, quando lhe apeteceu, largou-se pelo Pico da Urze abaixo, passou a rua de Cima de S. Pedro e foi parar ao Monte Brasil.  Ficou por lá cerca de 15 dias, até que o apanharam e a sorte de não ter pegado em ninguém . –Mais tarde, o mesmo aconteceu numa Espera de Gado em S.Pedro/Alto das Covas e, por sorte, o resultado foi o mesmo, muito embora as pessoas tenham ficado assustadas, nos dois casos.

Os toiros quando iam para as freguesias mais longe, os pastores chegavam a parar num local emprestado e seguro, para descanso, e depois de retemperadas as forças lá seguiam. Era um penar…

Por volta do ano de 1957, os toiros deixaram  de ir a pé para os arraiais e vice-versa, passando a ser enjaulados em gaiolas de madeiras e estas transportadas em carros de bois.  

Digo que terá sido neste ano (1957) uma vez que em 1958 pertenci à comissão de festas da Penha de França (o 1º ano que por sinal se realizou a Procissão da Sra. da Penha de França e até hoje jamais se deixou de realizar) e lá vieram as gaiolas como novidade.

Mas, com a chegada das gaiolas, deram-se, que saiba, 2 casos nada agradáveis. O velho e abalizado pastor José Ferreira “Pano da Terra”, como era conhecido e que serviu várias ganadarias, sendo a última a de Alvaro Inácio Gomes, numa tourada na 4ª feira da Serreta, no ano de 1979, estava a descarregar as gaiolas, já em camionetas, através de pranchas de madeira e por infelicidade uma das gaiolas tombou e caiu-lhe em cima, tendo ficado gravemente ferido e daí até à morte muito sofreu. Um pouco mais tarde, nos Altares, aconteceu o mesmo ao pastor Francisco Rodrigues, irmão do falecido ganadeiro Izequiel Rodrigues, mas com menos gravidade.

-A tourada à corda, uma tradição multissecular terceirense, era um evento de diversão virado para a nobreza e burguesia, mas no rolar dos anos o povo rendeu-se a esta manifestação a tal ponto que é de crer que 80 ou mais por cento da população tem na festa brava uma afición apaixonante e assim não temos dúvidas em afirmar que esta tradição marca em grande escala a sociedade terceirense.

Até ao começo do século XIX as touradas à corda eram como que um acontecimento de gala. As pessoas usavam as melhores roupas, ou seja os então chamados trajes domingueiros. Os homens de chapéu, calça, casaco e colete à base do escuro, mas camisa de linho clara; sapatas em borracha de pneu usado, atadas com tiras de coiro e, a quem não podia chegar, usavam… pé descalço, munidos também de bordões ou guarda-sol. As Senhoras e jovens raparigas, de peles alvas e finas (a pele escura não fazia parte da moda !), usavam vestidos de cores garridas –mas compostas – e belos chapéus para lhe dar um ar de elegância e se protegerem do inimigo sol !    É que as touradas eram as mais fazedoras de… casamentos !

No tocante aos transportes, como os automóveis era coisa que pouco ou nada se via, as pessoas das freguesias mais distantes iam aos toiros de carro de bois e as mais abastadas de valiosas carroças e… lá iam na folia…

Em lugares mais resguardados eram montadas tascas cobertas a lona, com saborosos petiscos de toda a espécie, acompanhados do belo vinho de cheiro (a moda da cerveja só aparece após o sismo de 1980). Lá se via também os vendedores ambulantes de torrados,à solta,em cestinhos de vimes (milho, favas, pipocas etc.) medido em canequinhas de folha a meio escudo (hoje seria um quarto de cêntimo) e ainda reboçados, dropes etc.. Os gelados eram em geral vendidos numas carrocinhas de 3 rodas e cada copinho feito em massa, a meio escudo e a um escudo, conforme o tamanho do copinho, lembro-me. Um dos vendedores era madeirense, muito bem fardado de branco e delicado, como devem ser os bons comerciantes. Talvez por isso tinha sempre grande clientela!
Os pastores ostentavam mais ou menos os trajes como hoje ou seja : Chapéu preto e/ou boina de lã com bolota, calça cinzenta e camisa branca, excepto o calçado que era de sapatas de borracha de pneu usado, atado com tiras de coiro.

Embora esta minha missiva já vá um pouco longa, parece-me da mais elementar justiça, focar aqui em jeito de pequena homenagem embora, os mais directos protagonistas desta popular manifestação taurina, indicando os nomes (ou parte deles) dos que colaboraram até mais ou menos ao ano em que os toiros deixaram de ir a pé para as freguesias (ou seja, pelos dados que tenho, entre 1891 e 1957), começando pelos ganadeiros, seguindo-se os pastores, os capinhas e mesmo quem produzia os chocalhos. E assim tornamos extensiva estas homenagens a todas estas classes que igualmente deram o seu indispensável e valioso contributo à nobre causa taurina, a partir de 1957 e até aos dias de hoje.

GANADEIROS (Entre 1891 e 1957)

Irmãos Corvelo, José Rodrigues Quartilho, Visconde Jácome Bruges, António Luís Parreira, António Rocha Lourenço, António Ventura, Manuel Barcelos, Francisco Sousa (Cadelinha), José Diniz Fernandes, Cândido das Bicas, Patrício de Sousa Linhares, Tomaz de Borba, António Fernandes, António e João Luís Toste, José de Castro Parreira, Rego Botelho e Alvaro Inácio Gomes.
                                                                      
P  A  S  T  O  R  E  S

José da Lata, José Pires, Chico André, António Patrício, Jacinto Chorica, José Ministro, José da Rocha Cabaça, José Corvelo, Luís Poeira, Manuel Ivens, Chico Marques,José Fuso, João da Cândida, Luís Patrício, Jacinto Patrício, Jacinto Cota, José Cota, João Corvelo, Cândido Ponceano, José Ferreira “Pano da Terra”, Serafim “Pupu”, Januário Andrade e irmão Adelino Andrade, Arlindo e irmão Francisco Avança, Vielmino Fonseca, João Cardoso Gaspar (Quinteiro), José Queijinha, João Vicente, José Velho, António Pequeno, Jorge Pica, Manuel Trovão, O Camarão, João Tabojo, António da Cândida, Alvarino Rasteiro, Pedro Cu-de- Chumbo, Vielmino (Freitas) Ventura, Manuel Ministro, António Henrique, Francisco Rodrigues, Chico Luís, O Balança, O Malhão, Daniel Sozinho, Cândido Taveira, Alvarino Taveira, José Taveira, Joaquim Canhoto, Davide Bartolomeu, António Fonseca, António Fraga, Valdemar Pires, Manuel Coutinho, João Corneta, Ramela, Luís Pastor, José Horácio, Luís Cabral, Chico 41, Agostinho Sta. Bárbara, Manuel Paulino…

                                                       
                                     José Pires com o seu cavalo e cães

C   A   P   I   N   H   A   S

João dos Ovos, Joaquim “Burra Branca”, José Chinela, Gabriel “Patachon”, Agostinho Areias, Manuel Barrela, António Cascata, António Contente, Eliseu Barbado, Dimas de Santa Bárbara, José Pereira dos Altares, Calça Branca, Ribeiro do Pesqueiro, O Quedas, A. Prosa (Lira), José Escracalha, José Prosa, José Friza, José da Rosária, O Caçapa, O Apolinário (Careca), Salvador da Praia, Paula-Dura, Luís Borba, João Subica, Guilherme Camarão, José Museu (filho), Mal-casado, João Tomé, O Serrana, O Carrasquilho, O Putazinha, José Preto, O Branco do Bode, O Pretinho, O Madeira, O Labita (Cómico)…

A R T E S Ã O D E    C H O C A L H O S

Quanto ao artesão que produzia os chocalhos e bordões, o único que actualmente existe nos Açores, chama-se António Ferreira da Costa, mas bem mais conhecido por mestre António André, hoje com 83 anos, é pai do ganadeiro António Lúcio Ferreira e vive na Grota do Medo, Posto Santo.
Naturalmente que terão existido outros artesãos antes, mas desconheço os seus nomes.

                                                                                 J
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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