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terça-feira, 28 de maio de 2019

Do jornalista Souto Gonçalves - O porto da Horta e o meu forno de lenha


O PORTO DA HORTA E O MEU FORNO DE LENHA

Assisti na tarde de hoje no Salão Nobre dos Paços do Município à sessão do Conselho de Ilha do Faial. Intervim, no tempo destinado ao público, sobre o Porto da Horta, tema que ocupou largamente o debate.

Contei, na ocasião, que recentemente fiz obras na minha casa. Por essa altura decidi construir um forno de lenha. Com a empreitada quase pronta pareceu-me que o chamado «pescoço de cavalo», por onde passa o fumo em direção à chaminé, estava demasiado estreito.

Falei com o mestre e ele respondeu-me: está tal e qual como no projeto. Como não percebo nada de fornos, calei-me.

A verdade é que, com o passar do tempo, deixei de acender o forno. Das primeiras vezes que o fiz encheu-me a cozinha de fumo!

Quis com isto dizer que o que se está a passar com o Porto da Horta -- e apesar de todas as comparações serem coxas -- é parecido com o que se passou com o meu forno.

Há dúvidas e, em vez de se tratar de dissipá-las, está-se na disposição de avançar com a obra sem resolvê-las!

O que é que vai acontecer? Se as obras não resultarem ficará o porto perdido.
Além disto, no caso do Porto da Horta, temos um flagrante exemplo que nos mostra a imperiosa necessidade de se redobrarem cautelas.

O cais norte do Porto da Horta deveria servir de alerta para a importância de não tomar decisões irreversíveis.

Claro que eu estou partindo do princípio que a orientação do novo cais provoca agitação marítima na zona oposta do porto, a sul.

Nos últimos anos esta questão tem feito parte do dia-a-dia de quem se interessa pelo nosso porto.

Basta subir à Espalamaca e, na «Santa», observar a ondulação de certo quadrante para se perceber que o espelho de água protegido pela doca (antiga), no interior da baía, como que bebe as correntes que entram por lá dentro.
Algum efeito terá. Pouco? Só Deus sabe e está calado.

Há muito tempo que o Senhor Mário Moniz teve a iniciativa, através do seu partido (Bloco de Esquerda) e como deputado regional, de defender uma avaliação, suportada tecnicamente, sobre os efeitos da agitação marítima na bacia de manobra do Porto da Horta.

De lá para cá, não tem faltado quem insista no assunto, sejam os partidos políticos, sejam cidadãos individualmente.

Com o lançamento a concurso da empreitada da obra do Porto da Horta (a 2.ª fase, depois da 1.ª que contemplou o Terminal Marítimo, o molhe e o cais a partir da Alagoa) anunciada para o ano em curso, parece que a agitação marítima contagiou as consciências que por sua vez andam em alvoroço. E, na minha opinião, não é para menos, pois se à nossa baía acontecer o que aconteceu ao meu forno teremos água pela barba!

Para mim, neste momento, há duas coisas indiscutíveis que não teriam acontecido sem a 1.ª fase da obra do Porto da Horta: a grande melhoria das condições de transporte marítimo resultantes da construção do terminal de passageiros e a notória degradação das condições de abrigo e tranquilidade de «uma das mais belas baías do mundo».

Perguntar-me-ão: teria sido possível uma sem a outra?

Não sei responder, mas, por outro lado, sou levado a pensar que, se os efeitos que hoje ocorrem a sul por causa do novo cais a norte tivessem sido antecipados, com a realização de estudos, a obra não teria sido realizada da maneira como foi. .

Ora se, como atrás referi, temos tão flagrante exemplo de que um passo mal pensado e por isso mal dado pode acarretar consequências irreparáveis, por que carga de água não nos havemos de prevenir e deixar tudo preto no branco quanto às consequências e efeitos que advirão da intervenção respeitante à 2.ª fase da obra do nosso porto?

Julgo que não haverá dúvidas sobre o verdadeiro oásis que a baía da Horta representa em pleno Atlântico Norte, não apenas pela sua privilegiada localização, apenas suplantada pelas enseadas da ilha das Flores, mas que por sua vez a elas se superiorizou precisamente pelas excecionais condições de abrigo e segurança que oferece.

Foram mais de 500 anos a ganhar notoriedade, que uma leviana, indesculpável e inconsciente atitude poderá deitar borda fora!

Tenho tido dificuldade em compreender a rija indiferença do Governo Regional dos Açores e da empresa Portos dos Açores perante os alertas, avisos e protestos dos faialenses, veiculados por alguns destemidos cidadãos.

Não entro pelo campo da disputa político-partidária, que para mim é legítima, mas lembro que, se há exageros e aproveitamentos, não são apenas de um lado.

Mas este assunto é político, porque se não o fosse a 2.ª fase do Porto da Horta já estaria pronta e mal feita. Se o Governo mandou fazer três versões de um projeto é porque reconhece que as duas primeiras estavam mal. A pressão política funcionou.

Fiquei boquiaberto no Conselho de Ilha de hoje quando ouvi um reputado cidadão e conselheiro dizer: primeiro o projeto, depois os detalhes.

Se estou de acordo com o princípio, já não estou quando percebi que esta máxima pretendia justificar o avanço da obra, cujo concurso está anunciado para antes do final do ano, como atrás referido.

Pois bem, o meu forno volta a servir de exemplo.

Vamos fazer uma obra para depois, verificadas as deficiências de eventuais detalhes, então corrigi-las com entulho ou partindo pedra?

Esta ânsia de mostrar obra é acompanhada pela Câmara do Comércio e Indústria da Horta, que quer investimentos no Faial, mas também dá mostras de pensar pouco no assunto.

Por um lado defende que o processo não pode parar, por outro diz que é preciso corrigir o que possa nele estar mal. Pergunto eu: não é isso que todos queremos? E as correções serão feitas quando? Depois da obra feita?

A mesma Câmara do Comércio afirma que temos que acreditar nos técnicos. Mas não foram os técnicos que nos construíram as Portas da Ribeira e já vão na 3.ª versão da 2.ª fase? As Portas da Ribeira deram-nos cabo do porto, enquanto as 1.ª e 2.ª versões do projeto não estavam, de certeza, bem elaboradas, senão não teriam sido abandonadas.

Será que ter fé, apenas, nos técnicos é avisado?

É preciso, diz a Câmara do Comércio, dar condições aos iatistas cujos barcos têm que ancorar atualmente no meio da baía. Mas se tivermos um porto a chocalhar barcos eles hão-de passar lá por fora e dizer-nos adeus, evitando uma dor de cabeça.

A nomenclatura local não quer estudar os efeitos da agitação marítima dentro do porto. Mas diz que, se o estudo de impacto ambiental for negativo, a obra não avançará. Porquê esta dualidade de critério? Será porque o primeiro é reivindicado pelos cidadãos e seus representantes e o segundo será feito por um departamento governamental?

É por isto que eu acho que há sintomas de teimosia na atitude dos nossos governantes e seus pajens.

Entretanto, penso que é importante estar atento ao novo presidente da Portos dos Açores. Não quero fazer juízos prematuros, mas vejo sinais de uma campanha em curso que temo não ser de esclarecimento, mas de intoxicação. Veremos.

Digo isto porque se fala de estudos, reconhece-se «alguma» agitação» no porto, mostra-se disponibilidade para debater, mas não há um papel, nem vontade de o elaborar, em que possamos ler qual a real dimensão deste problema.

Não seria bom, de uma vez por todas, mostrar por «a+b» que, afinal, a agitação marítima no porto é «x», acontece na zona «y» e a sua repercussão é «z»?
Não seria ótimo fazer um desenho e mostrar que as causas da agitação têm origem «aqui», que é preciso alterar qualquer coisa «ali» para que o efeito não se faça sentir «acolá»?

Estou a insistir na agitação por dois motivos: porque acho que é o principal prejuízo de que o nosso porto está a ser vítima e porque não vejo nenhuma vontade de resolver a questão.

A terminar este estendal tenho que dizer que esperava mais de algumas pessoas que se instituem paladinos desta causa, uma das mais prementes dos últimos anos no Faial.

Eis dois exemplos, extraídos do Conselho de Ilha e provenientes de um antigo e loquaz defensor do porto e de um imberbe convertido à cartilha:

O Porto da Horta, diz o primeiro -- e cito de memória -- foi palco de grandes naufrágios e até o Funchal já teve que ir abrigar-se debaixo da Ponta da Espalamaca! Fala o segundo: no tempo da Espalamaca, da Calheta e da Velas, lembram-se de não ser possível saltar para dentro da lancha por causa dos balanços?

Meus bons amigos: não tenho idade suficiente para me lembrar de muitas coisas ocorridas no nosso porto, mas não tenho memória de alguma vez ter sido impossível atracar na doca e se o Funchal foi lá para baixo então foi mesmo num dia ímpar na história do Porto da Horta. E também não me lembro de alguém não conseguir saltar para a lancha no cais de Santa Cruz. Mas se a história o diz, quem sou eu para contestar?

Agora, uma coisa é certa: os que querem menor agitação no porto é porque querem que estas coisas não voltem a acontecer; os outros mostram somente a sua aversão à crítica.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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