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segunda-feira, 27 de maio de 2019

O que você pensa dos Blogues? - Bruno Camarão


André Rocha, jornalista e autor do blog “Olho Tático”

Bruno Camarão
No Brasil, há uma espécie de cultura da brincadeira, algo que é analisado com mais profundidade pelo jornalista inglês Tim Vickery, radicado na América do Sul há alguns anos. Segundo ele, o torcedor vibra a favor de seu time e contra o adversário apenas para tirar o sarro, para fazer uma gozação no dia seguinte com seus companheiros. Isso, claro, existe no mundo todo, mas no país pentacampeão é algo ainda maior.

Quem cita Vickery é André Rocha, outro representante da imprensa esportiva nacional. O carioca que administra o blog “Olho Tático”, um dos espaços mais acessados no site Globoesporte.com, entende que a preocupação com o resultado é demasiada.

“A análise mais complexa do jogo, a busca pela beleza, pela qualidade do desempenho, fica em segundo plano. E os treinadores têm que ganhar mesmo que a equipe dele esteja jogando bem e não alcança as vitórias em um período”, resume o profissional que aos 10 anos “decorava escalações de times, desenhava esquemas táticos nas últimas páginas dos cadernos escolares e narrava partidas imaginárias no chuveiro”, conforme descrição pessoal em sua página virtual.

André acredita que a visão sobre o futebol brasileiro deve passar por uma reciclagem: não ser completamente tecnicista, mantendo seus traços culturais, mas com a essência do jogo sendo valorizada. Os grandes clubes e as seleções brasileiras da modalidade só irão rever seus momentos especiais quando o trabalho coletivo novamente funcionar em benefício do talento. E a contribuição deste jornalista e escritor passa diretamente pela plataforma de conteúdo.

Antes do “Olho Tático”, onde ele “encara o desafio de tornar interessante, de forma simples e didática, um tema considerado ‘difícil’, mas fundamental para entender o futebol”, André já escrevia e chegou a comentar partidas na TV a partir de uma indicação do amigo Mauro Beting, com o qual construiu uma relação muito positiva.

O fruto da parceria se apresentou em dois livros: “As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos” e “1981”, sobre o Flamengo campeão da Libertadores e do mundo, time que despertou no então menino André a paixão pelo esporte. E no hoje pesquisador, o interesse por entender as razões de aquele grupo comandado por Zico ter sido tão fantástico e eficiente.

Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre como surgiu sua relação com o futebol e o nascimento da ideia do Olho Tático.

André Rocha – Minha relação começa desde criança, aos 7, 8 anos de idade. Acompanhava o futebol de forma apaixonada, e os dois grandes times que me chamaram mais atenção foram o Flamengo de 1981, com Zico, Leandro, Junior, e a seleção brasileira de 1982, com eles três, e mais Falcão, Sócrates, etc.

A partir de 2005, quando trabalhava com outras coisas, comecei a participar de redes sociais e descobri um espaço de discussão no Orkut, chamado “Doentes Por Futebol”. Por ele cheguei a uma comunidade do Mauro Beting.

Lá, havia a oportunidade de comentar, apresentar opiniões, análises, etc. A forma como eu me colocava começou a chamar a atenção do Mauro, e começamos a trocar figurinhas. Quando ele foi contratado pelo Lance!, no final de 2006, me convidou para ser colaborador do blog dele.

Gostei da experiência, e pouco tempo depois fui indicado pelo próprio para uns testes na TV Esporte Interativo. Era um comentarista convidado, e aprovei muito a experiência, apesar de não ter sido contratado.

Depois disso, fiz faculdade de Jornalismo e criei um blog próprio, o Futebol & Arte, no qual escrevi sobre tudo – inclusive, futebol.

A Abril Digital, à época, estava formando um grupo de blogueiros e recebi o convite para participar do projeto. Meu público começou a ser construído aí, especialmente por causa do futebol.

Mantive contato neste período com o Lédio Carmona e o Gustavo Poli, ambos do Globoesporte.com, e surgiu a ideia de criar um blog específico sobre análises táticas, algo sobre o que eu sempre gostei de escrever.

Propus a criação de uma página especial sobre esta temática, e o Poli, editor-chefe do site, se interessou pela iniciativa. Estou lá desde marco de 2010, e hoje o “Olho Tático” é um dos blog mais acessados do GE.com – são aproximadamente 10 mil acessos por.

Com o Mauro, ao lado do Dassler Marques, participei como colaborador do livro “As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos”. E pouco tempo depois, surgiu a possibilidade de parceria, proposta por mim, com o Mauro, de escrever sobre os 30 anos da conquista da primeira Libertadores e do primeiro Mundial pelo Flamengo.

Universidade do Futebol – O Flamengo de 1981 foi despertou em você a paixão pelo futebol, virando, inclusive, mote de uma reflexão literária. O que você destacaria naquela equipe?

André Rocha – Há o que chamava a atenção do menino de 8 anos e do pesquisador. Do menino, toda a capacidade de mobilizar multidões que aquele time tinha. De envolver as pessoas não apenas com o futebol, mas aquela questão da técnica aliada à vontade. Aquele time dava a impressão de que sempre iria conseguir o resultado positivo de alguma maneira.

Como pesquisador, destacaria a capacidade – e é por isso que o time conseguiu as conquistas que nenhum outro obteve dentro do clube – de não se envolver com a panela de pressão interna na Gávea. Seja por causa das crises, das cobranças da torcida, da imprensa, etc.

Aquele time não se abalava nos momentos negativos, nem entrava com salto alto em um maré positiva. Foram jogadores que criaram uma redoma de profissionalismo que fez com que nada os abalasse.

O Flamengo ganhou o Estadual, a Libertadores e o Mundial, todos em 1981, virou o ano e em abril de 1982 já era Campeão Brasileiro. Isso é inimaginável hoje, primeiro por conta da questão do desmanche: um jogador como o Zico, ou como o Júnior, provavelmente sairia para algum clube europeu.

Tratou-se de um time que venceu de uma forma diferente. E, obviamente, por causa da grandiosidade da torcida, o impacto dessas conquistas acabou sendo ainda maior.

Universidade do Futebol – Você trata do tema “tática” com muita propriedade, apontando aspectos muito tecnicistas, especialmente termos, mas com uma linguagem muito receptiva ao público. Qual é a importância da adaptação dessa linguagem para chegar ao público geral de modo mais facilitado? E como vê a importância da teoria e da prática para a capacitação profissional do jornalista esportivo?

André Rocha – Realmente, o objetivo é este: ser o mais simples, didático e direto possível. Até para tirar essa “carga” da análise tática. A linguagem dos treinadores muitas vezes é professoral demais, específica demais.

Existe hoje uma questão dentro do meu blog, para exemplificar: eu “criei” o contexto do “4-2-3-1 torto” para analisar a formação de determinada equipe. Seria um esquema 4-2-3-1 em que a linha de três meias ficaria na diagonal: um meia mais recuado, o armador central e o jogador do lado oposto como se fosse um ponta. A exemplo da seleção brasileira de 2010, com o Elano mais próximo dos volantes, o Kaká centralizado e o Robinho mais à frente. Algo diferente do 4-3-1-2 do Boca Juniors, em que há um losango no meio.

O uso desse “torto” é mais funcional do que se eu usasse “assimétrico”. Visualmente o leitor irá perceber. E procuro evitar todos os termos que possam criar uma noção elitista, intelectual: “Eu sei e estou ensinando”. Não é isso que eu pretendo e o debate não termina no ponto final do post. Todos os comentários são respondidos e a discussão é muito aberta. Essa é minha preocupação: tirar a carga da questão tática.

O Mano Menezes sofre um pouco de preconceito em relação a isso. As pessoas acham que ele está enrolando, sendo muito tecnicista, quando ele vai explicar alguma situação.

Em relação à segunda parte, existe uma questão no Brasil que é o passado da escola de Jornalismo, criado em cima de grandes cronistas, como Nélson Rodrigues. Ele era mais interessado no drama e nos grandes personagens do jogo. Ele ainda tinha um perfil que qualquer coisa ligada a tática, estratégia, estava vinculada aos “bárbaros”, e isso ficou no imaginário popular.

No confronto recente pela semifinal da Libertadores, era o “Santos do Neymar” contra o “Corinthians tático”. Isso nunca cativou o jornalista brasileiro, que sempre se preocupou mais em contar o drama, as belezas, valorizar os craques, as individualidades, sem se atentar ao jogo coletivo. Algo natural, até.

Mas ao longo do tempo, quando o futebol internacional passou a estar mais presente nas transmissões brasileiras, aí se começou a criar um perfil de profissionais mais interessados em análises táticas, estatísticas, e na busca de um diferencial.

Dessa escola, destacamos o PVC, o Mauro Beting, e alguns outros. Mas mesmo assim eles são vistos com preconceito por algumas pessoas – imagem que está sendo quebrada aos poucos.

No próprio livro “Jornalismo Esportivo”, o PVC cita a diferença de tratamento em relação a Garrincha e Pelé, nos títulos mundiais de 1958 e 1962, e a Romário e Ronaldo, em 1998 e 2002. Os dois primeiros são vistos como heróis, e o dois últimos, de um modo mais crítico, analítico, com menos passionalidade.

Universidade do Futebol – As análises gerais de jogos de futebol realizadas pela mídia reforçam a tese de que olhamos apenas para a parte, sem compreender o todo e a complexidade da integração entre todos os fatores do desempenho esportivo?

André Rocha – Sim, porque o analista muitas vezes não se preparou voluntariamente. Ele chega no jogo e vai comentar sobre o que chamou a atenção dele: quem jogou bem, quem jogou mal, etc.

O Adriano, do Santos, por exemplo, só vai aparecer de forma positiva quando ele marcar o Martinuccio, do Peñarol, na final da Libertadores do ano passado. Ele foi útil em outros jogos, assim como o Arouca, como o Elano, etc. Mas sem o devido valor.

Na semifinal da Copa do Brasil deste ano entre São Paulo e Coritiba, não vi ninguém comentando sobre uma prática comum dos treinadores e que se reproduzia em campo: a marcação individual do setor. Esse tipo de coisa acaba passando batido.

Era algo que eu via de forma clara, mas não era avaliado durante as transmissões. Muito por que não interessa para o comentarista abordar esse tipo de temática.

Isso, claro, envolve outras questões, também: audiência, tempo da TV, preocupação em minimizar alguns tipos de debate para o grande público, etc. A abordagem técnica e tática muitas vezes fica restrita por esse aspecto comercial.

Universidade do Futebol – O Sócrates costumava dizer que se as pessoas acharem que o futebol é “aquele da TV”, o mesmo iria paulatinamente acabar. 

Você concorda com esta opinião?

André Rocha – Hoje em dia, a tecnologia permite que a gente observe muita coisa. O que tem de dificuldade no Brasil é o enquadramento que é feito nas nossas transmissões. E aí o Sócrates está certo. Aqui, a imagem não é ampliada e não vemos o maior número de jogadores possível. Na Europa, o privilégio é outro, e a observação do conjunto é valorizada.

Isso é muito reflexo do hábito brasileiro de individualizar as ações: é o time do Neymar, o time do Lucas. A câmera fecha em cima do cara da bola, e a movimentação dos demais é subjugada.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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