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terça-feira, 18 de junho de 2019

Do colaborador Dr. António Bulcão - Comunicado do governo


Comunicado do governo

O governo vem por esta forma comunicar aos cidadãos e às cidadãs que vai começar a pagar para que votem.

Não de uma forma directa, isso está fora de questão, pelo menos para já. Pode ser que venha o dia, não percam a esperança, queridos cidadãos e cidadãs. Mas há que tomar medidas urgentes para arrancar-vos de casa em dia de eleições e o governo não foge às suas responsabilidades. Pelo contrário, enfrenta-as com coragem e dignidade.

Mas perdoai o desabafo, meus caros concidadãos: afigura-se-nos que nunca estais satisfeitos com nada. Pareceis crianças, quase sempre.

Não vos basta uma Assembleia Legislativa cheia de deputados escolhidos a dedo, cultos e instruídos, altamente qualificados nas mais diferentes áreas do saber. Um parlamento indubitavelmente produtivo, que cria diariamente leis para aumentar o vosso bem-estar. Longe vai o tempo em que havia deputados que mal sabiam ler, que julgavam que finanças era a repartição onde pagavam impostos e que só queriam ganhar muito e trabalhar o menos possível. Hoje, é tudo gente que perde dinheiro em relação ao que ganhava nos seus empregos ou profissões, que presta serviço público pelo desejo visceral de ser útil à comunidade. Mas, para vós, ingratas criaturas, não é suficiente… 

Da mesma forma, não dais valor a um governo cheio de secretários e directores regionais do melhor que há no mundo, que resolvem problemas antes sequer de eles surgirem.

Olhai à vossa volta, cegos do regime.

Não vos basta um hospital por ilha, cada um deles equipado, técnica e humanamente, com o melhor que há? Não é bastante uma erradicação tão grande de qualquer doença, ao ponto de médicos e enfermeiros terem de organizar torneios de sueca e dominó para se manterem entretidos?

Não vedes as escolas, modernas e equipadas com quadros interactivos em todas as salas? Não topais os vossos filhos a chorar em casa quando não há aulas, pela passagem de qualquer furacão, que na escola é que queriam estar? Não reparais que os vossos fetos nascem já a saber ler e escrever?

Não olhais para as vossas empresas públicas sem dívidas, todas a dar lucro? Não quereis saber do emprego que isso representa para gerações e gerações de açorianos?

Desprezais as empresas privadas ricas e pujantes em todas as ilhas, a venderem bens e serviços a particulares residentes e a turistas, gerando bem-estar em casa dos seus empregados e respectivas famílias?

Passa-vos ao lado o facto de já não haver desertificação de nenhum calhau, todos querendo viver na ilha onde nasceram porque a abundância é geral?

É-vos indiferente termos nove equipas de futebol na primeira liga, qualquer uma delas nos lugares cimeiros da tabela classificativa, ombreando com os grandes?
Já estais fartos dos concertos musicais, dos espectáculos de dança e de teatro que há mensalmente em cada concelho?

E que me dizeis dos barcos velozes que unem todos os grupos do arquipélago por mar, dos aviões que cruzam esses céus de Cristo pelo ar? Uns e outros nossos, pagos, sem dívidas as empresas que os gerem?

A erradicação total da pobreza não vos diz nada?

Quereríeis voltar aos tempos das listas de espera para a consulta, para o exame, para a cirurgia, com os vossos filhos a nascerem no ar, afogados gritos primais pelas pás dos Pumas? Do analfabetismo? Das empresas públicas afogadas em dívidas e vítimas fáceis de corrupções? Dos comerciantes aflitos, das lojas vazias? Das ilhas abandonadas por jovens, só restando velhos encarquilhados, escanchados em calhaus a recitarem poemas nostálgicos de Pedro da Silveira? De apenas um Santa Clara a rezar por cada ponto e sustentado por todos nós? Da única actividade cultural na maioria das ilhas ser ouvir a agenda cultural do Teatro Micaelense? Das caranguejolas marítimas gregas pelas quais pagámos milhões? Da Sata falida? De um exército de dependentes do rendimento mínimo?

Nem vivendo no paraíso quereis votar. Sois uns filhos de Eva à qual não basta uma maçã por dia. Sonhais sempre mais fruta, mas votar tá quieto. Direitos ansiais, mas deveres só se vos apetecer.

Pois decidimos finalmente fazer qualquer coisa para diminuir a abstenção. Quereis dinheiro, dinheiro vos daremos.

A partir de hoje, quem votar terá benefícios fiscais. Quantas mais vezes votardes, mais euros ganhareis. Não é espectacular, cidadãos e cidadãs?

E quem vos dá todo o supra descrito éden e agora vos vais encher os bolsos para cumprirem o vosso dever cívico? Ah, ah, pois, pois, o vosso governo, que zela pelos interesses gerais e merece a cruzinha nos dias de sufrágio, não é?

Claro que agora que tivemos a ideia os partidos da oposição vão começar a prometer coisas. Se dermos benefícios de 5, eles irão anunciar que darão 10, já estamos habituados. Mas não deveis acreditar, os únicos que prometem e cumprem somos nós, bem sabeis.

Uma nota final: não é preciso andarem por aí a anunciar que irão votar em quem vos paga para isso. Se algum desses pelintras da oposição ousar questionar-vos sobre as vossas escolhas, já sabeis a resposta e devereis tê-la sempre na ponta da língua: meus queridos, o voto é secreto.

António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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