Carta a César
Ah Carlos, que me deste cabo da última crónica, na parte em que defendi que serias candidato à AR em outubro próximo.
Claro que a maioria do escrito subsiste. O carreirismo é um cancro para a democracia e tu és um dos maiores carreiristas da política em Portugal. E não é o facto de não seres candidato agora que afasta esse passado de político profissional. Mas enganei-me na minha previsão de mais uma candidatura cesariana. E tento entender por quê.
É óbvio que não acredito numa única palavra da tua cartinha, que dirigiste ao povo açoriano há dias. Essa coisa de ser tempo de “dar lugar a outros que trarão novas energias e novas competências”, prosseguindo uma “salutar renovação” não pega. Tudo paleio. Alguma coisa correu mal nos teus planos e atrapalhou a consecução dos teus objectivos. Como não dizes o que foi, resta-me especular.
Sempre sonhaste ser Presidente da Assembleia da República. Para imitares o Mota Amaral, como se tal fosse possível.
Será que António Costa te cortou as vazas em 2015, que ainda não seria tempo, que naquela conjunctura era melhor o Ferro Rodrigues, que em 2019 a gente conversa? Será que o mesmo Costa chegou à conclusão de que seria melhor manter Ferro Rodrigues em 2019? Porque tu és demasiado truculento em qualquer cenário, ainda mais se o PS apenas tiver maioria relativa? Porque precisaria de alguém mais consensual? Porque a tua imagem foi desgastada com aquelas vergonhas de meteres a família em todo o lado e de receberes reembolsos de passagens aéreas a que não tinhas direito? Porque atacaste o PCP e o Bloco de Esquerda e Costa poderá precisar desses partidos em nova geringonça?
Não sei. Mas terás de compreender ser estranho que, segundo a tua cartinha, tenhas tomado a decisão de te afastares “desde os primeiros momentos, em 2015”. Se te tivesses cansado ao longo do mandato, ainda era como o outro. Mas recém-eleito já dizer ao Costa “não contes comigo daqui a quatro anos” faz pensar que ele não te deu o que querias já em 2015 e decidiu manter a nega em 2019. E tu, que sempre quiseste ser mais do que podes, e foste realmente muito mais do que podes, deu-te a birra.
Quais as possibilidades para o futuro?
1ª - Quereres ser Ministro de Estado num futuro Governo da República, mais que deputado ou líder de uma bancada que, se calhar, também não te quereria a liderá-la no futuro.
2ª – Voltares a candidatar-te à Assembleia Regional em 2020 e, por essa via, seres de novo Presidente do Governo Regional.
3ª – Ser realmente criado o cargo de Presidente dos Açores, anunciado por Vasco Cordeiro, sendo que serias tu a ocupá-lo.
4ª – Preparares a tua candidatura a Presidente da República, para já, se Marcelo não se recandidatar, daqui a alguns anos, se Marcelo quiser continuar.
5ª – Retirares-te para a tua vida privada.
As hipóteses 2, 3 e 4 são plausíveis. Tens esta obsessão pelo cargo de Presidente. Gostas de presidir. Geralmente são os políticos a inspirar os humoristas. Mas, no teu caso, acho que foi ao contrário. Inspiraste-te no Herman José, naquele boneco que “ele é que era o Presidente da Junta”…
Mas as hipóteses 2 e 3 são preocupantes. Aquela frase de seres “incorrigivelmente açoriano” dá que pensar. Apesar de não o seres. Tu és incorrigivelmente micaelense, como se viu pelos anos em que presidiste ao governo regional. Mas o que queres dizer com isso, tu que não dás ponto sem nó?
Não creio que te refiras às saudades que terás destes calhaus, sonhando-te a afagar uma lapa aqui, a acariciar os espinhos de um ouriço-do-mar ali, a meteres-te na casa de uma craca acolá ou a te apoderares de uma casca abandonada pelo último caranguejo fidalgo que mudou de pele mais além. Isto de ninguém te conseguir corrigir na tua natureza açórica traz água no bico. E seria uma chatice se quisesses vir para aqui outra vez enriçar…
Mas a probabilidade de te quereres manter pelo “todo nacional” é maior. Por exemplo preparando uma candidatura à Presidência da República. Ires para comentador de uma televisão, quem sabe? Pagam bem e dá resultado, como se viu no caso de Sócrates e de Marcelo.
Esta hipótese justificaria manteres-te no cargo de Presidente do PS. Foste para tal cargo para teres o mínimo de visibilidade nacional, manter-te-ias no mesmo cargo para continuares a ter essa notoriedade. E, se chegasses realmente a Presidente da República, seria a felicidade suprema, Presidente dos Presidentes, e, sem a menor dúvida, ultrapassarias Mota Amaral…
A hipótese de, finalmente, abdicares da tua carreira política e te dedicares aos teus assuntos privados, sejam eles quais forem, claro que existe. Mas nela não acredito. Não acredito e a maneira como acabas a tua cartinha não augura nada de bom: “espero ter sido e continuar a ser merecedor da confiança que, repetidamente, recebi do Povo Açoriano” (itálico nosso). Aquele “continuar a ser” é, incorrigivelmente, indiciador de que quem nasce carreirista há-de morrer carreirista.
Se assim for, no entanto, será esta a última cartinha que te dirijo. Sinal de que recolheste, finalmente, ao lugar de onde nunca devias ter saído: a tua casa.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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