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terça-feira, 23 de julho de 2019

Do jornalista Souto Gonçalves - 22 – DEI COMIGO A PENSAR…


22 – DEI COMIGO A PENSAR…

… no Senhor Trigueiro e no Manuel Luzia

Agora que estou mais envolvido na atividade política, de vez em quando vêm-me à memória episódios interessantes, a que no passado assisti ou mesmo intervim, que até poderão servir de bom exemplo numa altura em que a ética, o respeito e o espírito democrático andam, amiúde, afastados do dia-a-dia de quem exerce o que deveria ser uma nobre função.

Nos inícios da década de 80 do século passado o meu Partido defendia a tese «Uma Maioria, Um Governo, um Presidente», de que Francisco Sá Carneiro era, julgo eu, o autor e o principal paladino, com Diogo Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Teles, coligados, através dos seus partidos, PSD, CDS e PPM, na Aliança Democrática.

A talho de foice aproveito para dizer que não perfilei essa tese por achar que os três órgãos de soberania em causa não se devem sujeitar mutuamente, antes agir de forma independente garantindo uma autonomia que lhes permita cumprir as funções que lhes estão cometidas de forma isenta.

Todos sabemos que não é assim que as coisas funcionam, mas na base do arranjo, em função de interesses pessoais e de grupo, que relegam para um plano secundário o desígnio de servir o povo.

Mas não culpemos «a política», pois ela é exercida por cidadãos tão «normais» como nós, que hoje são pessoas comuns, mas amanhã, com o poder nas mãos, se transfiguram em verdadeiros tiranetes.
Não é preciso ir muito longe para perceber que «a política», afinal, não é nada mais do que o reflexo da sociedade.

Reparemos: quando há formação de listas para uma sociedade recreativa, ou desportiva, ou cultural, não é comum tentar-se que a Mesa da Assembleia Geral, a Direção e o Conselho Fiscal se comprometam todos de maneira a que seja, em última instância, a Direção a decidir tudo?

Em situações de normalidade até aceito isto, mas quando, às vezes, as coisas se complicam, não vemos a Mesa ou o Conselho Fiscal a pugnarem pela verdade, pelo rigor e pela justiça, mas assistimos, sim, a estes órgãos à procura de dar cobertura, quantas vezes, a problemas mal resolvidos.

Falo com conhecimento de causa e apresento um exemplo: quantas vezes o Conselho Fiscal de certas sociedades assina de cruz o relatório de fiscalização de contas?

E o que é que vemos depois? Dívidas incobráveis, portas a fechar, sedes a cair, dificuldade em encontrar dirigentes para «pegar» em instituições que chegaram a ter grande prestígio.

Ora este espírito de «laissez faire, laissez passer» começa nas pequenas coisas e depois chega aos insondáveis corredores do Estado. As pessoas são as mesmas.

Não vos vou chatear com estas teorias, mas fica escrito o que eu penso do assunto.

Quando Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles decidiram não dar apoio à recandidatura de Ramalho Eanes na eleição para a Presidência da República em 1980, apresentando o general Soares Carneiro para tentarem obter «Uma Maioria, Um Governo, um Presidente», participei, na freguesia da Ribeirinha, numa sessão de esclarecimento promovida pela Aliança Democrática.

Um dos oradores era o Senhor José Pacheco de Almeida, figura proeminente do PSD do Faial e dos Açores e na altura deputado regional. Fora membro da Junta Regional dos Açores e Secretário Regional dos Transportes e Turismo.

O Senhor Pacheco de Almeida explicou que a Aliança Democrática não apoiava o general Eanes porque ele tinha aceitado o apoio do Partido Comunista (cujo candidato, em cima da data da eleição, se retirou a favor do general).

Um ribeirinhense presente na sessão, velhote, esperou pelo momento em que o público foi convidado a intervir, levantou-se e perguntou: ó Senhor Almeida, um pai com três filhos, se tiver dois do seu partido e o outro for de outro partido, acha que esse pai vai rejeitar o filho por causa dele não ter as mesmas ideias políticas? E deu logo a resposta: eu acho que o Senhor general Ramalho Eanes fez muito bem aceitar o apoio do Partido Comunista.

Já não me recordo se a conversa continuou à volta do assunto, mas ficou o aporte, vindo talvez de quem menos se esperava.

Nesses tempos, quando eu pertencia à Juventude Social Democrática, aconteceu um episódio que gosto de realçar porque revela bem como se deve agir no respeito pelos princípios da boa convivência democrática, que, como já disse, anda muito maltratada atualmente.

Estava-se numa campanha eleitoral que a esta distância não consigo identificar e, à noite, munidos de escadas e cordões, fomos (os militantes mais ativos da Juventude Social Democrática) colocar uma tarja ou faixa do PSD.

A ideia era prendê-la na varanda de duas casas de cada um dos lados da rua. Escolhemos a «Rua do Governador» (Freitas Pimentel, que depois do 25 de Abril, num ímpeto revolucionário e patético, por uns tempos se chamou Egas Moniz, como se a história pudesse ser apagada).

Escadas ao alto e lá vai. Nisto chega o professor Manuel Aguiar com mais algumas pessoas que estavam em campanha pela UDP.

O professor Manuel Aguiar delicadamente informou-nos que já havia falado com os proprietários das duas casas em causa e que tinha sido autorizado a colocar uma faixa da UDP, portanto, nós tínhamos que ir procurar outro lugar para fixar a faixa do PSD.

Com o nervo da juventude à flor da pele e um tanto ou quanto acaloradamente concluímos com rapidez: chegámos primeiro, vamos pôr a nossa faixa!

Por sorte estava connosco o Senhor José Arlindo Armas Trigueiro. Era um militante social-democrata convicto, dos primeiros nos Açores. Um homem de princípios. Educado. Moral e fisicamente sério. Conhecido pela forma determinada como defendia as suas posições e acautelava os interesses do Partido.

O Senhor Trigueiro ordenou-nos: tirem as escadas, temos outros lugares onde se pode colocar a faixa.

Engolimos em seco e uma lição ficou dada, a servir para a política, como também para a vida.

As campanhas eleitorais tinham o seu lado recreativo. A malta da JSD aproveitava-as para a brincadeira sempre que havia uma oportunidade.

Muitas voltas demos no Wolkswagen «carocha», verde-escuro, do Senhor Gustavo Armas, com uma aparelhagem sonora a anunciar comícios. A bateria que se aguentasse!

Certa vez estávamos nos Cedros, ao fim da tarde, depois de termos saído do Liceu.
O José Lemos nunca deixava passar qualquer possibilidade que servisse para a galhofa. E todos queriam era isso.

Aconteceu que o «carocha» foi-se abaixo e não queria pegar. Ficámos ali em pleno Cascalho. Uma hipótese era ir a uma casa pedir para telefonar, ou à Mercearia Faria, do Silvino (não sei se tinha telefone). O remédio foi esperar…

Vai senão quando aparece o Manuel Luzia, que vinha do Canto da Gatinha, brincalhão como sempre e pergunta: o que é que vocês estão a fazer aqui? O Lemos fita-o, faz um ar sério, vai ao porta-bagagens do «carocha», à frente, abraça um monte de papel de propaganda, atira tudo para o ar e de braços abertos exclama: ó Manel, isto é política!

Souto Gonçalves
Publicado também no jornal Incentivo, na sexta-feira, 19 de julho de 2019

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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