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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Da poetisa-escritora Maria Azevedo - " João da Quintã"


" João da Quintã"

Bom dia !
Em véspera dos "Piqueniqueiros da Azenha" ;-)

Contagiados de doçura; entretendo nas mãos lentas e calejadas, nascem histórias todas as manhãs no alto da madrugada, histórias p'ra que se conte que no mapa da vida há o povo Beiraltino...
No respirar da aragem enredada de brisa, baloiça-se a vida a Nascente virada, cerzindo os dias com pespontos de ternura...
Povo de sonhos vestido.
Que queriam que João da Quintã fizesse?... 
Se lhe habitava no peito o mistério dos silêncios e distâncias em sons de uma nota só.
Lançado todo em poços de sossego, com o rumor de luas novas, espiga parada no tempo lenta e morna, agarrando-o dedos de paz à terra, espanto que jamais se esvazia.
À boquinha da noite João, enxada ás costas abria a poça, sentindo no corpo a leveza daquele rio rasgão desanuviado, sábio e puro.
Maneando o corpo encaixilhado de ventanias e nevões, regressa quando se põe na janela dos montes o sol tremido como o queijo que Tonica mete na francela.
João da Quintã não deixaria aquela terra, por mais que o seu Manel dissesse que fosse... 
Ele queria lá ir p'ra França que o deixassem, que para ele umas papas d’unto p'ra comer c’um fuso, descanso e bô trato, era quanto queria, p'ra donde havera ele d’ir?...
Ele tinha o tempo inteiro medido por sementeiras e colheitas, ampulheta da vida ás suas ordens, flor ondulada, até à alva manga da alma.
Amochado na lareira, remoía os seus segredos renovados, num inundar de silêncios, mexendo os torresmos num estrugido lento:
Oh mulher as trempes estão mancas! 
Um raio te pelira,merca-me oitras...
Cando te pôes a tagarelar c’a comadre n’um t’alembras de mais nada... pranta-me mas é a malga na pranheira...
Solta-se-lhe o rosto num riso sorriso, estendendo a Tonica um bocado de chicha chôna na ponta da faca.
A casa da vida temperada a frio, a pino no peito... abarcando o mundo todo trazendo-o embebido, serpente ondulada.
Na névoa do seu quarto cheirando a pinho e a palha nova, colchão de riscado, cintilam os seus olhos embaciando lágrimas na vidraça, dispersando cantos de recordação, como se tudo aquilo fosse um milagre.
Cansado adormece na lentidão do lançar das sementes... 
A norte e a sul da moradia da noite, a cenam-lhe em recados de ternura as mãos da terra.
Aberto seu ser que nado e avisado foi quando nascido ás coisas que subtilíssimas passam dentro do coração dos homens.
O calor que vem da terra, sombra de árvore, regato cantando tem no seu peito morada urgente.
Naquela dura terra, rasgada, ele era um hino feito de saudade herdada das vozes ausentes.
E as mãos do mundo de nada vestidas, nada podiam contra esta herança no coração de João plantada...
Que ser Beirão é ser semente, campo, seara, janela de horizonte desmedido... 
Ave liberta na casa do sol, por dentro do peito vestida cada madrugada.

Maria Azevedo
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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