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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Da Califórnia de João Bendito - O nosso capitão


O NOSSO CAPITÃO

««Foi já há mais de cinquenta anos que conheci o “jovem” Joaquim Maria da Costa. Nessa altura ele era já um senhor a rondar o meio século de vida e eu uma criança acabada de sair da escola primária. Hoje eu sou um velho já meio incomodado por artrites e dores musculares e o senhor Costa continua a ser um homem atinado e esperto.»»

Estas foram as primeiras frases que escrevi numa crónica dedicada ao dia em que o Sr. Costa completou cem anos de vida, a 6 de Fevereiro de 2014. Continuei essa minha homenagem a um dos homens mais honestos que conheci e a quem eu considerava até como um segundo pai, tentando descrever um pouco da nossa relação de amizade e respeito mútuo. Revisitei esse texto, agora que, infelizmente, o Sr. Costa nos deixou.

««Uma vez por outra, em noites de Verão, aparecia na Loja do meu pai, que, ao vê-lo entrar, o saudava sempre jovialmente com o costumeiro ”Como está o nosso Capitão?” Intrigava-me o título, nunca tinha visto o ilustre visitante fardado de militar. Um dia aventurei-me a perguntar e fiquei satisfeito com a resposta, “Era o capitão de equipa do nosso Sport Angrense, o melhor “back” do seu tempo”. Claro que o “back” era a antiga designação de defesa no grupo de futebol, neste caso do defesa-esquerdo. E logo seguia o meu pai com um desbobinar de nomes, que recordava com saudades, das grandes equipas do seu (nosso) Angrense.... O Gabriel Patachon, o Chico Toste, o Daniel Baratinha, o João Calafona, o Agostinho de Sousa Terceiros, o Edmundo do Teatro ... E como eu me consolava a ouvir essas histórias!»».

Ainda hoje as recordo. Da altura em que o meu progenitor viajou até à cidade da Horta, onde acompanhou a equipa no ano de 1938; dos grandes jogos que levaram o Angrense à conquista do Torneio dos Açores em 1936; das desculpas do Agostinho de São Miguel que, ao perder um jogo contra o eterno rival, dizia que “O problema é que não temos atacadores!”. Em todas estas histórias havia sempre uma menção especial para o nosso capitão.

Anos mais tarde o Senhor Joaquim Costa tomou uma decisão que, sem ele saber, mudou completamente o rumo da minha vida. Ao ter conhecimento que a sobrinha Maria Alice não iria poder participar na viagem de fim de curso da Escola Industrial, onde ele era chefe do pessoal auxiliar, prontificou-se a pagar ele próprio a deslocação. O namoro que então ela e eu começámos, em 1972, ainda hoje perdura.

Foi uma honra para mim quando fui aceite no seio da sua família. Era com muito gosto que me sentava à sua mesa, onde saboreávamos os manjares superiormente preparados pela Tia Laura, o amor da sua vida e uma grande senhora, por mérito próprio. Nessas alturas, era ele o contador de histórias... dos tempos em que trabalhava com o pai no Posto de Desinfecção do Castelinho, das aventuras de rapaz novo a apanhar caranguejos nos calhaus do Porto das Pipas, das atribulações do sogro e cunhados, pescadores do Corpo Santo, das escapadelas que dava ao sentinela quando, com o seu grande amigo José Peixoto, fugiam da caserna do Comando Militar, ao tempo instalado no Palácio dos Capitães Generais, e vinham à Loja do meu pai beber um copinho de vinho de cheiro, “ O melhor que havia na cidade”, dizia ele.

Homem sério e educado como ninguém, nunca o ouvi levantar a voz ou usar termos menos próprios fosse para quem fosse. Teve muita ocasião para o fazer, principalmente durante os anos de trabalho na Escola Industrial. É possível que algum aluno mais indisciplinado lhe tivesse azedado o juízo, mas resolvia os problemas com lucidez e a contento de todos, de tal modo que sempre gozou da amizade e respeito dos alunos e professores daquela antiga escola.

Nos tempos conturbados pós- 25 de Abril manteve uma postura condizente com a sua forte personalidade. Não se imiscuía em discussões políticas mas não deixava de dar a sua opinião sobre as decisões que os dirigentes camarários tomavam sobre a SUA cidade, a Angra que amou como ninguém. Sentia tristeza ao ver as ruas sujas, as obras paradas, a cidade desleixada. E não ficava só por palavras, metia mãos à obra e limpava, plantava flores, fazia o que podia, desinteressadamente, para bem da cidade.

Tenho saudades das nossas conversas. Muito aprendi com ele, não só com o que me dizia mas também pelo exemplo da sua conduta. Amigavelmente chamava-me o “Fascista”, já não me lembro porquê mas também nunca me importei que o fizesse, ele dizia-o sempre de uma forma alegre e em tom de brincadeira. E tenho saudades de ver os seus olhos brilhantes, que tinha uma forma de sorrir só sua.

Em Agosto deste ano, passados já mais de cinco anos desde que escrevi o original deste texto, tive a sorte e a felicidade de ainda encontrar o Sr. Costa e de ter com ele uma simpática conversa, já intercalada por divagações que o levavam aos tempos de juventude. Com os tais olhos brilhantes mas já miudinhos, semicerrados como que a buscarem um melhor foco nas imagens que lhe cruzavam o pensamento, Joaquim Maria, agora com 105 anos de idade, voltou a contar-me histórias, daquelas que só ele sabia, já que era o mais idoso (J. M. da Costa não era velho!), quem sabe se o único sobrevivente da sua geração. Talvez para compensar o cansaço da voz, metia um pequeno assobio no meio da narrativa, qual interjeição a dar colorido ao conto.

Foi um Homem integro e honesto. Diria mesmo que foi um Homem feliz, superiormente respeitado por filhos e netos, que o acompanharam e nunca o abandonaram, até ao seu último dia. A eles, aos filhos e filhas, expresso o meu agradecimento por terem cuidado dele de forma tão carinhosa, e faço-o aqui, em público, porque sempre considerei o Sr. Joaquim Maria da Costa como a um segundo pai. 
Bem hajam!

Até um dia, Ti Costa, um adeus deste “Fascista” que nunca te esquecerá.

Lincoln, Califórnia, Setembro 18, 2019
João Bendito
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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