JORNALISMO EM DESTAQUE

485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Do poeta, escritor, jornalista, colunista do jornal GLOBO, Luís Fernando Veríssimo - PÓS-CHOQUE


PÓS-CHOQUE

Naomi Klein publicou um livro intitulado A Doutrina do Choque, ou A Ascensão do Capitalismo do Desastre, em que defende a tese de que o capitalismo se nutre de desastres, e de choque em choque vai ampliando seu poder. O livro é recente, mas saiu antes do ataque do coronavírus, um desastre que ninguém previa e ninguém sabe como vai terminar. E no meio do qual nenhuma tese, nem a reducionista da Naomi, sobrevive.

Oportunistas já se aproveitam da confusão da pandemia para lucrar e confirmar a pior expectativa do que o capitalismo amoral é capaz, segundo a Naomi. Está em curso a maior intervenção do Estado na vida das nações e das pessoas desde a Segunda Guerra Mundial, mas a velha briga entre dirigismo econômico e mercado persiste, enquanto contam os mortos. O mundo que emergirá do choque que estamos sofrendo será um mundo purgado pelo horror, e melhor, ou condenado pelo amoralismo para sempre.

Se estamos a caminho de uma escolha definidora do que seremos pós-tragédia viral, talvez não seja ingenuidade demais discordar da Naomi e esperar que no fim de tudo isso surja um mundo menos desigual e mais, na falta de outra palavra, decente. Para participar da velha briga, que continuará quando o coronavírus for apenas uma má memória, entre estatismo e livre mercado, traga-se de volta o John Maynard Keynes. Se for difícil transportá-lo fisicamente – afinal, o homem está morto desde 1948 – recuperem suas ideias, e as escolhas que ele pregou para combater o capitalismo sem-vergonha.

Keynes foi o cara que defendia um Estado forte a serviço do bem geral e a intervenção do Estado na economia para humanizá-la. A austeridade “made in” Chicago que hoje norteia a maioria das economias mundiais não teria prevalecido se o keynesianismo tivesse se imposto ao liberalismo, quando ainda dava.

Mas, enfim, que mundo nos espera quando passar o horror? Acho que será melhor do que este. Disse ele, ingenuamente.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

Sem comentários:

Enviar um comentário