O TIO BERNARDO E OS SEUS BINÓCULOS
Tio Bernardo, em tempos de outrora, era uma das figuras mais conhecidas no
Bairro do Corpo Santo. Uma pessoa afável e que todos, dos mais jovens aos
adultos, tinham o máximo de respeito. Era, ao cabo, um dos carismáticos do
Bairro Oriental da cidade de Angra do Heroísmo. O tio Bernardo, por assim
dizer, se tornou mais conhecido pelo fato de, diariamente, passar parte do seu
tempo no Adro Santo, local onde os mais idosos se encontravam para uma
“cavaqueira marítima”, usando muito a própria linguagem dos pescadores do Corpo
Santo que andavam na faina do mar. Por outro lado, o tio Bernardo levava sempre
consigo os seus binóculos. Muito ele gostava de ver o horizonte, de presenciar
os navios que passavam ao longe e, sobretudo, os barquinhos de pesca e as traineiras
que chegavam ao velho Porto das Pipas carregadas de albacora ou bonitos com
destino à fábrica do Virgílio Lory, fábrica essa que, naquele tempo, laborava
em pleno e que, manda a verdade dizer, deu emprego a muita gente, sobretudo
mulheres.Mas, o tio Bernardo, transformou-se numa figura de relevo quando, em uma cálida tarde de verão, utilizando os seus binóculos, como era habitual, descobriu que, a meio da baía, estava, pelos vistos já sem grandes forças para continuar o seu percurso, um enorme mamífero, parecido com uma baleia. De imediato, tio Bernardo passou uma informação ao Augusto Ávila que, também com toda a celeridade possível, reuniu a sua tripulação de pesca e lançaram-se para o local onde se encontrava o albafar que, sublinhe-se, não ofereceu nenhuma resistência e, depois de amarrado por cordas, foi puxado até ao varadouro do Porto das Pipas, constituindo, durante alguns dias (poucos), um chamariz para a população angrense, inclusive de outras freguesias limítrofes. Toda a gente queria ver o albafar que tinha de comprimento mais de 7 metros e cujo peso já não me lembro. Inclusivamente, pelo fato dos companheiros do Augusto Ávila serem na maioria jogadores do Marítimo, o clube recebeu o honroso “soubriquet” de “albafares do mar”. Recordo-me que, em 1977, quando fiz a apresentação do Marítimo (representante do Açores à Taça de Portugal, tendo como adversário o Riopele) no jornal “A Bola”, referenciei este acontecimento. Não restam dúvidas que, graças ao tio Bernardo e os seus binóculos, foi possível o Corpo Santo registar mais um feito histórico por via do albafar que demandou a baía de Angra já sem forças para resistir.
Ainda do tio Bernardo, outra história, também ocorrida no Adro Santo, ao cabo o lugar onde passava as suas horas a ver o mar. Numa bela tarde, estava eu e o Firmino Santos (que mais tarde, já como adulto, se tornaria num dos melhores defesas laterais do futebol açoriano) a conversar com o tio Bernardo quando, de repente, em passo largo, a Maria “Sabina” se dirigia para a beira da rocha com o intuito de se lançar (entenda-se também por suicídio). O tio Bernardo ainda teve tempo de lhe perguntar: “para onde caminhas Maria?”. Depois, a Maria “Sabina” rolou-se e veio a cair debaixo da rocha. Eu e o Firmino ainda nos aproximamos (a “mando” do tio Bernardo), mas era difícil segurar a Maria “Sabina”. Creio que não foi desta que ela morreu. O tio Bernardo, depois chegou à conclusão que, dois jovens como nós, não teriam força suficiente para impedir que a Maria “Sabina” de concretizar aquele ato, de uma pessoa doente mentalmente, mas que era incapaz de ofender quem quer que fosse.
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