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quinta-feira, 20 de julho de 2017

Do jornalista João Rocha



DIVAGAR DEVAGAR

Os genuínos cromos da bola

                                                                 

O contágio era imediato. Completar uma coleção, para os miúdos da década de setenta do século findo, representava um imperativo de honra.
Os cromos dos futebolistas faziam-nos perder a cabeça.

Era altura de fazer marcação cerrada às… mães. Não há motivo para espanto. Mesada era palavra inexistente, mas gorjetas constituíam prática recorrente no universo familiar.
A estratégia consistia em andar à roda da saia da mãe e estar disponível para ir comprar, em passo de corrida, algum artigo em falta na cozinha.
“João, vai à mercearia buscar sal e farinha, porque a mãe esqueceu-se de comprar quando foi à “praça” (ou seja, o Mercado Duque de Bragança, em Angra)”. 
Era a frase que me salvava o dia. Entrava logo em negociações diretas, mais acaloradas eventualmente do que os diálogos entre o governo e parceiros sociais para a definição do Orçamento de Estado, e fazia por garantir uns trocos para comprar duas/três saquetas de cromos.
Os euros estão fora desta história. Cada saqueta custaria à volta de um escudo, trazendo três cromos se a memória não me atraiçoa os números.
Lembro-me de uma coleção em particular. “O humor no futebol”, onde as vedetas da bola apareciam sob o traço fino da ironia projetada nas caricaturas de Francisco Zambujal. 
Numa época onde a televisão se revelava a preto e branco, a magia daqueles cromos (os autênticos que em nada se pareciam com os papagaios que agora andam a debitar asneiras e ódios nos programas de suposto debate televisivo)  fazia da nossa imaginação um verdadeiro arco-íris.
Existiam cromos bem complicados de arranjar. Uns valiam a caderneta, outros a bola.
Chegar ao fim da coleção configurava um jogo de paciência e perseverança. 
Ter cromos repetidos para as trocas conferia um poder que as crianças julgam só existir no reduto dos adultos.
Ganhei abafadores (peça quase bélica na aventura dos berlindes) por causa de uns quantos cromos.
Na memória fica o registo de uma outra coleção, formidável em termos pedagógicos, que dava a conhecer animais selvagens e peixes de grande porte, onde a orca era o cromo mais desejado face à raridade.
A vida deu muitas voltas e, hoje em dia, coleciona-se de tudo um pouco. Selos, moedas, canetas, borboletas, postais, vinhos, carros, dívidas, mulheres bonitas e sei lá mais o quê.
Mas, colecionador que se preze, começa sempre pelos cromos da bola. Dos genuínos, ora bem.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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