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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Da Califórnia de João Bendito

O BANCO E A NEVE

Falar em bancos e em neve na mesma frase pode ser enganador.
Alguém ainda irá pensar que vos venho dizer que o meu banco faliu ou que o meu dinheirinho ficou congelado. Para já, duas coisas devem ser devidamente esclarecidas: eu não tenho um banco, não sou banqueiro e, pior ainda, nem tenho dinheiro guardado em banco seja lá de quem for.

O banco a que me refiro até é um daqueles que passa bem despercebido, não é diferente de milhares de bancos que enfeitam os parques públicos ou privados por esse mundo abaixo. No lugar onde ele se encontra, estão dezenas de outros semelhantes, uns mais bem tratados do que outros, mais parafuso menos parafuso, mais tábua rachada, menos tábua despintada. Enfrentam verões quentes, com sol escaldante a torrar-lhes as madeiras e sofrem invernos duros e frios, com camadas de neve a tapar-lhes as pernas e até a cobri-los completamente.
É bonita a paisagem ao redor. Mesmo em frente, as majestosas montanhas do sul do Lake Tahoe emolduram o horizonte verdejante e compacto de pinheiros alterosos e esguios. Mesmo por detrás, a mata projeta as suas sombras quase até à beira da água. Em dias calmos nem o doce ruído das pequenas vagas se deixa ouvir junto ao banco, ali prisioneiro imóvel à espera que algum caminhante se decida a sentar-se e a estender um braço por sobre o seu costado, para apreciar a lânguida visão das águas mais límpidas que alguma vez os meus olhos já admiraram.
Foi simplesmente por acaso que aquele banco foi o escolhido. O jovem casal, em viagem de fim de semana à estância de veraneio, resolveu descer até à beira do lago. Não havia neve nesse dia. A mata de pinheiros atapetou-lhes o carreiro com finas e fofas agulhas e soltou ao vento os doces aromas da seiva que escorria dos troncos. Quase ao pôr do sol, as sombras de algumas nuvens estendiam-se por sobre a grande superfície das águas, agora mais prateadas.
M. A., desajeitado e nervoso, meteu a mão ao bolso para se certificar que a caixinha de camurça, com o anel, ainda lá estava. A beleza da paisagem fê-lo encher de coragem. Com a noiva sentada no banco, M.A., agora com o joelho direito a acariciar as agulhas dos pinheiros, balbuciou as palavras que C. já esperava tivessem sido ditas há algum tempo.
O banco foi a sua única testemunha. Passou a pertencer-lhes como se membro de família fosse.
Exatamente um ano depois voltou o banco a ser parte importante da simples cerimónia matrimonial. Desta vez ele não seria a única testemunha, resolveram os nubentes que seria ali mesmo que iriam trocar as suas promessas, na presença dos mais chegados familiares.
Não foi fácil. Ao contrário do ano anterior, as condições climatéricas quase que estragavam os planos. Foi preciso esperar até à hora combinada para resolver ir para a frente com a cerimónia. Felizmente a chuva parou e o céu abriu-se em nesgas de azul, o vento recolheu-se aos vales das montanhas e as águas, calmas e luzidias, convidaram os noivos e acompanhantes a aproximarem-se e regalarem os olhos.
O problema... o problema foi chegar junto ao banco! O atalho na mata que permite lá chegar estava completamente coberto de alva neve. Todos se apetrecharam com botas e sapatos velhos e levaram os sapatos finos (para as fotografias!) nas mãos. Escorregão aqui, tropeção mais à frente, todos conseguiram alcançar a meta. Aliás o espírito festivo ajudou a debelar as dificuldades.
Trocadas as promessas misturadas com olhares apaixonados, enxugadas as teimosas lágrimas nos olhos dos mais comovidos e depois de tiradas centenas de fotografias, foi altura de deixar o banco e a pequena praia, não sem que os noivos tomassem o compromisso de tentarem visitar o lugar sempre que lhes fosse possível.
É com dupla emoção que recordo esse dia. Ao mesmo tempo que foi um dos mais felizes da minha vida, foi também o dia em que passei uma série de sustos que não esqueço facilmente. E desses o banco da praia não teve culpa nenhuma. Eu e a mãe da noiva oferecemo-nos para ir, umas horas antes do casamento, levantar à pastelaria o bolo da festa e levá-lo ao restaurante onde se iria efetuar o jantar formal. O que eu não contava era que ia estar a nevar àquela hora. Nem eu tenho experiência em conduzir naquelas condições nem o meu carro está equipado com pneus para o efeito.
Foi um tal penar! A mãe da noiva, sentada ao meu lado, com o bolo no colo, ainda tornava a situação mais complicada. Quase que chorava e não se calava, mais assustada do que eu. Cada segundo parecia-me uma eternidade. A conduzir (a escorregar, diria melhor) mais devagar do que a carroça do Chico “Bichoca”, com as mãos de tal maneira apertadas no volante que quase o torciam, consegui chegar ao restaurante e fazer a entrega do bolo, inteiro e colorido como saiu do forno. Apesar do frio que estava na rua, até eu me sentia como se tivesse acabado de sair de um forno!
Gosto muito do Lake Tahoe, é um dos lugares mais bonitos que já visitei. Mas uma coisa é certa – e que me perdoe o famoso banco à beira do lago – eu nunca mais ponho lá os pés quando estiver a nevar.
Case-se lá quem se casar!
Lincoln, Ca. Janeiro 6, 2017- João Bendito.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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