O Mundo
dos Solteiros
Agora a sério: você conhece algum solteiro
verdadeiramente satisfeito com a sua condição de solteiro? Eu não. Conheço
vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas
que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por
cobardia, muitas vezes por falta de sorte - mas é por uma vida a dois que
suspiram. É da natureza humana. Uma coisa é estar entre casamentos. Outra é ser
solteiro. E o solteiro cool é uma construção tão artificial como
o da gordinha «muito» simpática. Você conhece alguma gordinha «muito» simpática
em que essa tão óbvia simpatia não seja excessiva, provavelmente fabricada - e
mensageira sobretudo de uma profunda solidão? Eu não.
(...) É um mundo sombrio, o mundo dos solteiros - um mundo de ansiedades, de
cinismo, de ressentimento, de egoísmo. Se os solteiros solitários são tristes,
aliás, os solteiros gregários são-no ainda mais. Você já foi a algum jantar em
que os presentes fossem maioritariamente solteiros? Eu já. E, sempre que fui,
voltei deprimido. Ia deprimido - e deprimido voltei. Íamos deprimidos - e
deprimidos voltámos. Todos. Fizemos o que pudemos, claro: trocámos palavras,
trocámos solidariedades, trocámos mimos. No fim, nada. Sobraram os assuntos,
escasseou a intimidade. Fôramos ali à procura do outro na mesma situação que
nós – mas, por mais que olhássemos, não conseguíamos vê-lo. Cada um de nós usou
pelo menos duzentas e cinquenta vezes a palavra «eu» - e duzentas e cinquenta
vezes se sentiu culpado por isso.
Virou uma coisa militar: um chorrilho de protestos contra o casamento, a
família, o aburguesamento, a guerra no Iraque, o Samuel Huntington, o conforto
em geral. Em breve começámos a sentir saudades de outro lugar, como dantes
sentíramos saudades daquele. Acabámos todos a olhar para o telemóvel, como se
alguém efectivamente fosse telefonar. Talvez nos tenha faltado a «relações
públicas» capaz de gerar «a interacção» - e que, nas peças de Gil Vicente,
haveria de chamar-se outra coisa que não «relações públicas». Mas não acredito.
Basicamente, estávamos no La Moneda, bebíamos vodca, discutíamos Lars Von Trier
e Emir Kusturica, tínhamos dinheiro no bolso – e, porém, não nos dirigíamos a
lado algum.
(...) Queridos, cresçamos e multipliquemo-nos. Ainda há esperança para nós. Não
tenham dúvidas: antes mal casado do que bem solteiro. Podemos voltar para casa
e pormo-nos um a jogar PlayStation e o outro a ler a Nova
Gente - ao menos há o calor humano. A companhia anda muito
subvalorizada, nos dias de hoje. Ternura parece palavrão - e ternura, posso
garantir-vos, não é palavrão.
Joel Neto, in 'Banda Sonora para um Regresso a Casa'
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