OS ALBUNS DAS FOTOGRAFIAS
Conheço muito
pouco da vida do grande actor de teatro e cinema das décadas de 20 e 30 do
século passado, John Barrymore. Foi um aclamado intérprete dos clássicos,
nomeadamente de Shakespeare e acabou a sua vida de boémio quase
em desgraça,
depois de vários casamentos e divórcios. Uma frase que lhe é atribuida e que me
passou diante dos olhos em algo que li recentemente, ficou-me registada e vou
tentar lembra-la no futuro. Dizia ele que "UM HOMEM PODE CONSIDERAR-SE
VELHO NO DIA EM QUE TIVER APENAS SAUDADES EM VEZ DE SONHOS". Eu também
penso que sim, é muito bom sentir saudades das coisas boas que nos foram
acompanhando nesta caminhada mas ao mesmo tempo acho que é de primordial
importancia que se continue a sonhar, a olhar o futuro com muita esperança .
Vieram-me estes
pensamentos à cabeça recentemente quando me vi envolvido nesta praga moderna do
"facebook", esta maravilha criada no principio deste século e que
veio revolucionar a maneira de comunicar através da internet. Tentei resistir e
não ligar muita importância, nos primeiros contactos que tive com este fenómeno
eu quase que desdenhava do que lá via, achava que aquilo era uma maneira de se
poder mexericar na vida dos outros sem que eles soubessem quem lhes estava a
espiolhar as conversas. A minha cara-metade aderiu inicialmente mais por
influencia das minhas filhas e porque viu que era na verdade uma ferramenta que
tinha os seus méritos. O problema é que ela começou a receber na sua página
mensagens e pedidos de intercambio que eram mais dirigidos a mim do que a ela e
então não houve outra solução senão abrir uma página para mim. E pronto, no
espaço de poucos dias passei dos meus iniciais quatro "AMIGOS" para
...quarenta ! Foi como que tivesse largado lume a um rastilo ou a um fardo de
palha seca, foi um nunca mais acabar de amizades renovadas, além de me ter
posto muito mais activo com os contactos que já tinha no dia a dia.
A maioria destes
meus "amigos" digitais são realmente pessoas que eu prezo em ter como
tais, pessoas com quem cresci e de quem fui colega de escola ou de trabalho. O
facto de ter saído da Ilha já há mais de trinta anos fez com que viesse agora a
reencontrar pessoas que já não vejo nem tinha contactos desde essa altura, o
que veio trazer um renascer de laços que porventura já estavam bem fracos ou
quase esquecidos. Noutros casos até reparei que fui alvo do ..."Olha este,
há que tempos que não o vejo..." e bumba, carrega-se no "accept"
e já está, já somos amigos outra vez e nem sequer trocamos uma mensagem de
saudação. Dá para entender que muita gente parece que quer é ter o recorde de
mais amizades conseguidas. Noutros casos tenho visto a minha página enfeitada
com pedidos para aceitar conhecidos que não passam disso mesmo, pessoas que sei
quem são mas com quem nunca tive o mínimo de contacto para além do ocasional
"OLÁ" quando com elas me cruzava na rua.
Outro dia li um
comentário de um antropólogo inglês que sustentava a ideia que o nosso cérebro
só pode gerir um numero bem limitado de amizades e isso mesmo confirmei na
página virtual do "Diario Insular" no excelente artigo publicado em
21 de Março de 2010 e subcrito por Oriana Barcelos no qual a sra. jornalista se
faz acompanhar com comentários de um jornalista e escritor (Joel Neto), um
sociólogo e um filósofo que, muito acertadamente, nos avisam dos perigos e nos
alertam para as virtudes destas plataformas sociais. Todos são unânimes em
afirmar que é uma ferramenta extraordinária, um abrir de possibilidades e uma
boa maneira de manter contacto com quem está longe e até com quem está quase ao
alcance de um abraço. Mas também nos querem aconselhar dos males que podem
advir do abuso ou uso impróprio e excessivo, principalmente no que concerne ao
tempo que por ventura, uns mais do que outros, dedicamos a matracar nas teclas
do computador.
Mas o ponto que eu
queria devotar um pouco mais de atenção neste conjunto de parágrafos é o facto
que temos sido bombardeados ( eu e os meus amigos digitais ) com uma quantidade
enorme de fotos "dos tempos de antigamente". Aliás, eu próprio também
tenho sido um pouco abusador nesse aspecto, as minhas escolhas estão aí para
quem as quizer visitar. Num abrir e fechar de olhos nos transportamos de novo
para os bailhes dos Liceus, para as trafulhices das Touradas dos Estudantes,
para os passeios de fim de curso ou mesmo só para uma ocasional banhoca na
Silveira ou na Praia dos Sargentos, para as curvas e derrapagens dos Ralis,
para as equipas de futebol onde os futuros "Laureanos" e
"Airosas" se perfilhavam a sonhar com as velhas glórias, para as mais
recentes viagens a bordo dos luxuosos navios de cruzeiro ou à memorável semana
que passámos em Maui ou na Republica Dominicana, enfim, tem sido um tal visitar
os albuns particulares de cada um e que passaram a pertencer a todos nós.
Na casa da minha
juventude, o album das fotografias era algo de sagrado, estava sempre bem
guardado na dispensa e só era visionado quando nos calhava ao serão um primo
mais distante ou um amigo de longa data que gostaria de ver as fotos dos
casamentos, baptizados e dos "pequenos" quando tinham já uns mesinhos
de idade e eram estratégicamente deitados numas almofadas com o fatinho com que
nasceram. A grande maioria das nossas fotos de estúdio foram da autoria de um
grande profissional da Foto Perlino, o sr. Orlando Baptista que era também grande
amigo (não no Facebook, que não havia nesse tempo...) do meu Pai e talvez por
isso mesmo o homem se esmerava e fazia sempre um número extra sem o patrão
saber. Ainda me lembro bem da nossa primeira e talvez única máquina
fotográfica, claro produto americano comprado na Base e que tantas arrelias
dava à minha Mãe, o raio das lâmpedas do flash nunca trabalhavam, descobriu-se
que se usasse uma prata de chocolate por detrás sempre lá de vez em quando o
desejado relâmpago nos fazia fechar os olhos.
E ainda me lembro
muito bem das correrias às segundas-feiras a seguir a um bailhe ou uma tourada
de Carnaval para ter a primeira escolha nas fotos que a Foto Madeira, o Mini
Foto ou a Foto Liláz punham em exposição todas devidamente numeradas e prontas
para a nossa compra. Havia também alguns "melros", por acaso com
falta de uns tostões, que se aproveitavam das capas e batinas com algibeiras
grandes e arrumavam muitas sem os empregados de balcão darem por isso.
Agora, com as
novas tecnicas, não há cão nem gato que não tenha uma máquina digital e até um
computador, as fotos ficam todas armazenadas nas memórias e já ninguém tem um
album em cima da mesa da sala. Eu tambem sou pecador nesse aspecto, tenho
milhares de fotos guardadas na memória digital e só uso a minha impressora para
"revelar" algumas de que gosto mais, ou mando imprimir via email a
uma loja especializada. Acabaram-se os fotógrafos tal qual nós os conheciamos
antigamente ? Penso que não, vai haver sempre um casamento ou uma Marcha de São
João que vão permitir o continuar da profissão.
Fico é a pensar o
que é que os meus amigos do facebook vão usar nas suas páginas quando se
esgotarem os mananciais de fotos antigas ou chegarem à última folha dos seus
albuns. Sei que o M.V.M. , o C.M.E., o J.M.G., o....enfim, todos os meus
comparsas nestas trocas vão ter outros assuntos que nos vão permitir continuar
com estas conversas electrónicas a longa distancia, aliás muitos não se limitam
só a mandar e comentar nas fotografias, eu próprio tento manter uma variedade
de "posts" que de algum modo possam deixar os meus amigos saberem do
que vou fazendo ou pensando. Oxalá possamos ir seguindo sem nos deixarmos levar
pelas legendas de que "no nosso tempo é que era bom", "aquilo
era tudo malta que já não há igual", "o nosso Grupo de amigos é que
era especial", "já não se fazem coisas assim",... Vamos a ver se
não acabamos por ter só SAUDADES e envelhecemos mais cedo, não queria que o sr.
Barrymore, que viveu muito antes destas comunicações sociais, nos aponte o dedo
e nos venha dizer que já nem sabemos sonhar.
Hayward,
California, Abril 4, 2010.
João C. Bendito.
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