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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Roberto Carneiro um dos expoentes da intelectualidade



Retrato de uma família feliz

Há uma história antes de Maria do Rosário e Roberto serem “os Carneiro” que dá também um tempo, um país, um amor. Não são, ao O23 de Novembro de 2014, 2:1


Anabela Mota Ribeiro
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Falámos do álbum de família, com nove filhos, uma Babilónia ao almoço. Mas antes disso há a vida política, a vivência religiosa, as famílias de origem que contribuíram decisivamente para a sua formação, o piano que tocaram (pouco) a quatro mãos.

Maria do Rosário nasceu em 1948. Roberto nasceu em 1947. Foram políticos, empenharam-se civicamente antes e depois da Revolução de Abril. A Educação esteve no centro da actividade profissional de ambos, sobretudo de Roberto, que foi ministro entre 1987 e 1991. (Nessa altura, o dinheiro era tão pouco que chegaram a pagar o pão com o cartão de crédito!) Casaram-se em 1973.A entrevista ao casal, substancialmente focada nas pessoas que foram antes de formarem a sua conhecida e numerosa família de nove filhos (quiseram ter 15), aconteceu em casa. Na sala da casa, onde há objectos sem fim, num relativo desalinho que não impressiona e para o qual Maria do Rosário chama a atenção (para dizer que é o compartimento mais arrumado da casa). Há fotografias dos filhos, móveis de família, arte. É uma sala, e uma casa, onde há sempre pessoas e espaço para mais pessoas. Filhos e netos. E por isso vozes, e sons de instrumentos musicais, e eventualmente o choro de uma criança.

A entrevista foi ao fim da tarde. Parece incrível que tenham estado duas horas a conversar, sem interrupção. Saíram atrasados para jantar em casa de amigos. Entretanto, tinham contado como foi — e é — a sua vida feliz. 
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Houve um tempo em que não eram “os Carneiro”, pais de nove filhos. Comecemos pelo que está antes, pelo momento em que se encontraram.

Roberto — Foi no jornal universitário O Tempo. O meu cunhado, o Adelino Amaro da Costa, era o editor, eu era o director. Fizemos umas reportagens sobre residências universitárias.
Rosário — Para ir às residências femininas, achava-se que era melhor irem raparigas. Houve um recrutamento de mão-de-obra feminina e eu fui à pala do meu irmão. Foi aí que nos vimos pela primeira vez.

O seu cunhado era seu amigo?

Roberto — Muito amigo e próximo. Lembro-me perfeitamente da Maria do Rosário no nosso primeiro encontro. Usava uns hot pants pretos. Uns calções muito colados, muito apertados.
Rosário — Apertados? Eram curtos mas não eram apertados, porque não se usava.
Roberto — Boa perna, bom pernil.
Rosário — [riso] Obrigada.

O que é que lhe chamou à atenção nela?

Roberto — A personalidade.
Rosário — A sério?
Roberto — Muito assertiva. E era elegantíssima, pesava uns 50 quilos. Nenhuma filha cabe no teu vestido de casamento.
Rosário — Só a Madalena. Não me achava nada magríssima, nem elegantíssima. Sempre achei que era gorda. Deve ser da cara. Agora já não a tenho tão redonda. Vai esmorecendo.

Como é que o seu marido era?

Rosário — A primeira vez que o vi, lembro-me perfeitamente, ele tinha uma camisola de gola alta branca. O cabelo curtíssimo, com uma palinha mesmo à chinês. E pensei: “Que mal que lhe fica aquele corte de cabelo.” Achei-lhe muito pouca graça. Ele era quem estava a dar as indicações, a dizer o que é que tínhamos de fazer.
Roberto — Nunca gostou de receber ordens...

Tinha a ideia de ser essa rapariga assertiva?

Rosário — Não. A ideia que tenho de mim era de ser muito alegre. Bem, se calhar dizia assim...
Roberto — Postas de pescada.
Rosário — Adorava dar postas de pescada. Mas sempre tive de mim a ideia de ser uma pessoa com inibições. Tem que ver com uma marca educativa.

Sabia o que queria? No Portugal de então, com limitações que depois podemos detalhar, que ideia tinha para a sua vida?

Rosário — Quando conheci o Roberto, tinha passado por várias fases. Tinha achado que ia ser prima ballerina. Mas a minha mãe disse-me: “Agora, vais estudar.” A minha mãe nasceu em 1914 numa família um pouco excêntrica. O meu avô determinou que nenhuma das filhas podia ter diploma. A minha mãe fez o Conservatório de piano todo, excepto o exame final. Tinha essa tristeza. E sobretudo tinha a tristeza de não ser autónoma na sua capacidade material. Foi qualquer coisa que desde muito nova me imprimiu: ser independente.

Esteve um ano em Direito e depois estudou Ciências Sociais e Políticas no ISCSP.

Rosário — Deu-me instrumentos fantásticos para ver o mundo à minha volta, percebê-lo.

O que é que o Roberto queria fazer com a sua vida quando era jovem?

Roberto — Queria ser pianista. O sonho era ser músico, como o meu pai. A minha mãe não deixou. Empurrou-me sempre para um curso onde pudesse ganhar a vida de forma regular e menos ambulatória.

Onde radica a preocupação da sua mãe?

Roberto — Toda a minha família foi forçada a migrar durante a Segunda Grande Guerra, logo seguida da guerra civil na China, opondo comunistas contra nacionalistas. O meu pai era músico profissional, mas morreu cedo, em 1963, quando eu tinha apenas 16 anos. Fiquei só com a minha mãe. E era filho único. Foi como se tivesse desaparecido uma parte da minha vida. Tive de me fazer precocemente homem, abandonar o período idílico teenager. Decidi então que queria ser físico nuclear.

De onde veio essa ideia?

Roberto — Um “velho” Bensaúde mandou-me chamar de propósito da ilha Terceira para S. Miguel, onde estava acamado, para me orientar. [Eu devia ir] para os Estados Unidos cursar o MIT. Enviou-me para fazer as provas de acesso nesse mesmo ano (1963).

Acabou por fazer Engenharia Químico-Industrial, no Técnico.

Roberto — Decidi ficar em Portugal dada a relação muito próxima que mantinha com a minha mãe e com a parte da família do meu pai que residia em Lisboa. Engenharia Químico-Industrial era o mais próximo dos estudos das partículas elementares e da Química-Física Nuclear, temas que me fascinavam.

Sei que a sua mãe falava mal o português...

Roberto — Os meu pai nasceu em Xangai e a minha mãe em Hong Kong. Falávamos inglês em casa. Chinês de Xangai e cantonês são um pouco como escandinavo e grego... O facto é que a minha mãe nunca conseguiu apropriar a fonética nem a sintaxe do português.

Então com quem aprendeu a falar português? Fala português sem sotaque.

Roberto — Na escola, com os amigos. Cheguei à escola e não sabia falar português, só inglês. Fiz a escola primária e o liceu na Terceira. As minhas memórias mais recônditas são açorianas, do mar intensamente azul que se encontra com o céu lá longe, na linha do horizonte...


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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