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terça-feira, 12 de junho de 2018

A Diáspora no facebook - Luciano Cardoso


CARTINHA ATRASADA

LUCIANO CARDOSO·DOMINGO, 10 DE JUNHO DE 2018

10 de junho/2018

Excelentíssimo Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, gostaria de lhe expressar aqui a minha profunda gratidão por ter decidido sobrevoar o Atlântico para vir visitar-nos cá, no Pacífico. Claro que moramos longe mas a culpa não é nossa. Nem a pomos nem ninguém. Foi pena as oportunidades com que sonhávamos e os sonhos que perseguíamos não nos sorrirem como desejávamos na terra que nos criou. Num dia qualquer, às tantas, ter de fazer as malas e zarpar – não foi
fácil, não senhor. Vir por aí fora, com o rosto lavado em lágrimas e a esperança ao sabor do vento, à conta do deus-dará, só a gente sabe como elas amargam. 
De início, dói a valer. Com o andar do tempo, porém, cada qual trata de se adaptar conforme calha. Há quem nunca se adapte e há mesmo quem recuse fazê-lo com fé nessa esperança de um dia voltar. Achei imensa piada, naquele seu discurso do outro dia, ante os militantes do seu partido, a bonita promessa do seu governo em querer investir fortemente na criação de condições para o regresso à pátria-mãe de todos aqueles jovens que tem recentemente partido sem vontade de emigrar. Claro que se trata duma crítica direta à falhada política do seu controverso antecessor mas não deixa de não ser uma ideia feliz. 
Todos quantos saímos, não importa agora o motivo, alimentámos por algum tempo essa melancólica intenção de regressar. Não temos culpa da saudade se intrometer. No entanto, à medida que os anos rolam e as raízes enrijecem, os rebentos fazem-nos repensar os planos. Quer queiramos quer não, e quase sem darmos por isso, tal como aludia o poeta, ficamos praticamente repartidos – nem cá nem lá. Por lá, soltamos bocados da alma nostálgica do que éramos ou sonhávamos vir a ser; por cá, amarra-nos o coração prisioneiro dos afetos dos netos acariciando o que somos. Confesso-lhe, sr. primeiro-ministro, que sou um desses tais imigramados filhos das nossas Ilhas de Bruma já sem planos nem ganas de arriscar a dura viagem ao contrário. A minha simples equação pessoal cifra-se em 22 anos de lá contra 40 por cá. 
O sr. sabe tão bem como eu que quatro décadas é muito tempo. Equivale precisamente à longa governação do tal primeiro ministro que lá tivemos agarrado ao poder até cair da cadeira antes de descer à sepultura. Nasci no seu tempo de rígida ditadura e lembro-me de o ouvir discursar na rádio com aquela sua severa voz saída em tom solene dum ar sisudo que víamos retratado a rigor nas despidas paredes das nossas escolas primárias. Dizem que era muito poupado, à moda antiga. Ou, em termos mais ariscos, um felino forreta que deixou o cofre nacional atulhado de dinheiro deixando o país num atraso de vida. Foi pena. 
Antonio Salazar, para mal de quem tanto prejudicou, lá tem o seu cantinho sombrio na  História de Portugal. António Costa, para bem de quem hoje serve, esperemos bem que não. Dizem as más línguas que tem o país enterrado em dívidas mas eu não quero saber de estórias. Diz-se tanta coisa, de há quarenta anos para cá, que o melhor mesmo é não lhes dar ouvidos, sr. primeiro-ministro. Sabemos que vem por bem e mais não quero saber. Isso de o criticarem, com a sua briosa comitiva, por virem à nossa rica Califórnia promover o nosso pobre Portugal só pode vir de quem prefere não ver meio palmo à frente do nariz. Este opulento estado americano é uma valiosa mina e poderá ser um precioso tesouro de lucrativos investimentos se habilmente negociados in loco. 
Seria parvoíce pensar que tão ilustre grupo de visitantes nacionais deslocar-se-ia cá apenas para pagar um jantar aos seus imigrados compatriotas em nome de Portugal ou à honra de Camões. As Comunidades, sobretudo as mais distantes, como é o caso da nossa, nunca mereceram grande respeito da estratégia política nacional. Até quase dá a impressão de termos sido algo enjeitados, sr. primeiro-ministro. Daí, em parte, a patente apatia que por cá há em nos registarmos no consulado e o enorme equívoco que por lá paira de parecermos assim tão poucos. Que maravilha não seria esta sua oportuna visita poder desfazer-nos esse reles pressentimento. 
O consulado que nos serve, em San Francisco, não só está mal localizado como precisa de ajuda urgente. Já ninguém atende o telefone e os seus prestimosos serviços, por correio, demoram demais. Enviei pessoalmente uma curta carta que aguarda uma rápida resposta vai para um mês e tal. Há quem espere há meses. Claro que podia agora aproveitar-me da nossa frustração para fazer mais ruído mas prefiro não ir por aí. Para tal, temos representantes eleitos mas também algo desiludidos por muito pouco conseguirem fazer de concreto em nosso proveito.  
Finalmente, sr. primeiro-ministro, precisamente por saber que não irá ler esta minha atrasada cartinha, permita-me ao menos manifestar-lhe daqui o meu franco reconhecimento pelo seu galante sorriso. Sigo-o na televisão e é raro vê-lo carrancudo. O sr. é um político que irradia simpatia, virtude formidável nos dias que passam. Oxalá passe muitíssimo bem este seu pouco tempo entre nós.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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