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sábado, 18 de agosto de 2018

Da poetisa-escritora Fátima Quadros


AS CARTAS QUE NÃO ENVIEI

Da igreja de Cedofeita parte Camélia,
não mais de braços dados com Camões,
mas com ele no coração.

Depois de perambular por toda cidade do Porto, “a invicta”,
dali a caminho de Vila Nova de Gaia,
pois o Porto não mais lhe cabia.

Camélia,
debruçada sob as grades da Luís I,
vê o seu destino naquelas águas que correm e corre para casa. Mas, somente para apanhar suas malas e já no comboio, ela escreve sua primeira carta a Camões, quando depara, já chegou a Lisboa.

Querido Camões...

Viajar,
talvez a fizesse esquecer que Camões partira.
E longe dali,
ela pudesse pensar que ele vivia,
e de lá ela pudesse escreve-lhe cartas...
Escrever ao seu poeta,
tudo
tudo que vira enquanto sua vida fora virada do avesso.  

Em Lisboa, ela fica somente o tempo de espera
De outro comboio para levá-la à cidade de Aveiro.

Já em Aveiro,
seu coração respira,
menina.
Aqui, Camélia não tem mais a idade que chegara,
Mas a idade que vivera.
A idade que Aveiro a faz sentir,
pois ali nascera e ali conhecera o menino Camões em prosa e verso.

Coloca suas malas, pequenas e poucas.
No chão.
Parada, ela vê o que ninguém consegue enxergar
a não ser com os olhos da alma:
Um banco na praça,
onde sentaram uma flor e um poeta a olhar um para o outro,
numa tarde de maio,
na seiva de suas vidas.

De volta a si,
caminhar parece ser o que apetece Camélia.
A cada passo,
acelera o coração de quem deseja encontrar com alguém especial,
tal como o poeta.  
Em silêncio ela repete
O que dissera outrora:
Meu coração nunca deixou de ser seu.  

Enquanto cai uma chuva miúda e constante,
Camélia tira da bolsa uma caneta e escreve:
Camões, por sorte um dia nossas almas irão se encontrar,
não comungo a impiedosa vida que o levou.
Não sei aonde,
mas um dia vou encontrá-lo
e nesta primeira hora vou beijar-te, beijar-te.

Do Porto, para Lisboa;
de Lisboa para Aveiro;
de Aveiro para os Açores
e por um Portugal onde tudo é bonito e saudade...
ela continua sua viagem e suas cartas...

Querido Camões...

Quando seu coração dita a sua volta,
Camélia retorna e no comboio, de Lisboa ao Porto,
escreve sua derradeira carta a Camões:  
Portugal, 14 de fevereiro de...
Chega a casa, mas antes de entrar,
abre o samburá, bege de crochê e
deixa o vento levar todos aqueles escritos...
Da praça defronte a sua casa,
ela chama a atenção de alguém, que ali estava a apreciar a tarde
e se divertir com os pássaros em revoadas...
Camélia, flor ou mulher?
Some naquele casarão de número...
daqui, não dá para ler.
Pois escrito num azulejo branco,
o número em azul, se encontra sem vida.
Agora, isto não importa e para aquele homem
o importante era correr atrás daqueles papéis
que se ajeitavam nas pedras, passeios, canteiros
e outros a correr querendo se esconder,
a relutar contra o vento.
Quiçá contra o tempo.

Se, só nos cabe entender a nossa parte,
aquele homem,
apreciador da tarde e dos pássaros,
diante do: “Querido Camões! Enquanto tu estás, aonde não percebo; parto eu à procura de ti; Penso em ti, vivo-te, não me canso desta viagem, pois tu és minha vida...”

Depois de ler, reler,
também ele viaja nas cartas escritas por Camélia a Camões.
E nesta viagem sentida
e transcrita sob a luz das lembranças
e  paisagens de um coração saudoso
à procura de seu amor,
às margens do Rio Douro
e demais lugares de um País plantado no mar
e de tão belo só se compara com o amor de Camélia e Camões.
Ele não questiona
e sequer pensa duas vezes,
ao contrário de devolvê-las
Ele as publica
sob o título de
“As cartas que não eu não enviei”.
Para que todos soubessem,
não apenas de que quando se parte sabemos apenas da partida,
mas também,
que possamos saber de um amor vivido em plenitude.
Vivo em sua plenitude num sítio que por si só respira amor.
Camões estou a morar num sítio sem mar. Sem mar, Camões!...









Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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