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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Da Califórnia de João Bendito



“THE TENTH ISLAND”
Já soube, mas agora não me lembro, quem foi o escritor ou poeta que se referiu à Diáspora açoriana como sendo A Décima Ilha. Poderia ir investigar, para me certificar, mas não vai ser preciso, tenho a certeza que algum amigo/leitor me vai avivar a memória.
Foi agora a mesma expressão usada como título, em inglês, num livro acabado de publicar na Califórnia, escrito por Diana Marcum, jornalista do Los Angeles Times, senhora que andou pelo Vale de San Joaquim a fazer reportagens sobre os problemas causados pelas grandes secas, reportagens essas que lhe valeram ganhar em 2015, um Pulitzer Prize. Nas suas viagens pelo Vale a jornalista veio a conhecer muitos portugueses e descobriu uma cultura que lhe era completamente estranha. Ela confessa, no seu livro, que pouco ou nada sabia sobre os Açores.
Nos contatos com os rancheiros e “leiteiros” do Vale, Diana Marcum foi aprendendo pormenores que achou sumamente interessantes. Convenceu-se que tinha que ir mais longe, que tinha que ir à nascente, ao lugar de onde toda esta gente era originária. As ilhas, no meio do Atlântico começaram a encher-lhe os pensamentos. Depois de uma primeira estadia de apenas duas semanas, viu que tinha muito que aprender e, por sorte, o dinheiro do prémio que ganhou veio mesmo a jeito. Feitos os necessários contatos, sempre com a ajuda dos seus novos amigos californianos, meteu-se no avião e foi passar um ano aos Açores, mais precisamente à freguesia da Serreta, na Terceira, onde assentou arraiais. Visitou também a ilha de São Jorge, onde a beleza das fajãs e a simpatia das suas gentes a fizeram escrever das mais bonitas páginas deste livro.
Este não é um livro de viagem no sentido tradicional, não é um roteiro de lugares e coisas para fazer, dirigido a quem quer ir aos Açores. A escritora diz-nos que, depois do falecimento dos pais, ficou sem grandes ligações familiares, sem um lugar que considerasse como seu, uma casa, uma raiz. Por isso, ficava perplexa com este sentimento que observava em quase todos os luso-californianos: a vontade de irem à terra natal sempre que possível, de voltarem a casa. Não era só importante, reconheceu a jornalista, manterem, na Califórnia, as suas tradições e a sua cultura, mas era de todo necessário que essa chama não se extinguisse e fosse mantida quente, viva, com as viagens às Ilhas.
Com uma prosa que me entusiasmou – a minha patroa dizia que parecia que o livro tinha cola, não o larguei desde que o abri -, com descrições simples e bem redigidas, Diana Marcum conta-nos várias estórias e situações, quase todas baseadas no que lhe transmitiram os filhos, netos e até bisnetos de emigrantes. Da família que, apenas munida de um poema escrito por Antone, o picaroto que, aos desaseis anos, em 1879, já andava a caçar baleias nos mares do Pacífico, foram procurar a sepultura dele e, quando a encontraram, cantaram e choraram à sua beira; da angústia do luso-canadiano, ao constatar que os dois filhos com meia dúzia de anos de idade, tinham desaparecido de casa, na Canada do Farol da Serreta e os foi encontrar, sentados, no alto do penedo e que lhe responderam que estavam, apenas, a olhar o mar; ou do ordenhador de vacas tornado milionário que lhe confessou que só tinha medo, no seu regresso à ilha, de só se recordar das lágrimas que chorara quando criança. A escritora, para além de algumas notas divertidas – o seu cão, Murphy, tomou gosto pelos papo-secos e, de manhã, roubava-os dos sacos que os padeiros deixavam às portas das casas – também deixou alguns recados, mesmo que sendo meio-velados, talvez para não ferir a sensibilidade de possíveis amigos. Deu a entender que não gostava das touradas à corda – “I felt sorry for the bull”, escreveu – mas não deve ter ido a muitas porque as descreveu como eventos que aconteciam à noite, quando toda a gente sabe que 95% delas se realizam à tarde. Também chamou de forçados aos forcados mas aí fiquei sem perceber se seria erro de tradução ou se realmente queria dizer que eles eram forçados a enfrentar o touro, em vez de o fazerem voluntariamente. Coisas somenos, ao fim e ao cabo...
...Porque, ao fim e ao cabo, este é um livro que deveria ser lido por todos. Não sei se está programada uma edição em português; mesmo que não aconteça, esta, em inglês, deixa-nos muitas pistas e alvitres. Afinal, somos de onde viemos ou somos do lugar onde vivemos? Somos de cá ou somos de lá? Penso eu que algumas destas questões, em muitos casos, já nem se põem nos dias de hoje. Tenho amigos que passam seis meses na Califórnia e seis meses no Pico, a pescar e a gozar as reformas. Outros, também reformados, cuidam dos netos aqui, nos States mas não dispensam os seus dois meses de férias nos Altares, a contarem os dias em que a Graciosa lhes aparece no horizonte, com a forma de pão acabado de sair do forno. E há os outros, como eu, que não ignorando as origens, sabem que já não serão capazes de voltar, de forma permanente à ilha. Aqui, nesta “ilha”, há outras forças, outras âncoras que me prendem. Talvez, como diz Diana no último capítulo do livro, muitos sejam como os cagarros que voltam todos os anos ao mesmo ninho...
Gostaria que este meritório trabalho de Diana Mercum tivesse sucesso. Sei que muitos dos seus amigos californianos, os emigrantes que a empurraram para atravessar o continente americano e o Atlântico, não o vão ler. Não porque não saibam ler, tanto em português como em inglês, mas, infelizmente porque não estão habituados, nunca criaram gosto pela leitura ou os afazeres da vida não lhes deixavam tempo para isso. E, nos Açores, essa coisa de ler livros também parece que está a passar ao esquecimento. Confessou-me um amigo, esforçado editor, que o mercado livreiro está pelas ruas da amargura, quase que só dá prejuízo. É pena porque, acima de tudo, esta é uma estória de amor. O amor que Diana foi redescobrir nos Açores, o amor repartido entre o cá e o lá, seja qual for a localização geográfica.
A Décima Ilha, afinal, é essa mesmo, a que não é constrangida por longitudes e latitudes ou por idiomas diferentes. É aquela que é rodeada por um mar de recordações por todos os lados e coberta por alvas nuvens de felicidade e de esperança. Lincoln, Ca, Agosto, 26, 2018 João Bendito.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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