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quarta-feira, 29 de maio de 2019

De Osvaldo Cabral jornalista e diretor do jornal Diário dos Açores - Uma região acantonada-


Uma região acantonada

1 - DEPUTADOS QUE REPRESENTAM MENOS DE 10% DE ELEITORES - Os resultados eleitorais de domingo vieram confirmar, mais uma vez, que a nossa região está acantonada politicamente.

Presa por um sistema eleitoral ultrapassado, bafiento e ferido de representatividade, sem poder mobilizador e sem debate cívico, a região tornou-se num mal absoluto de indiferença eleitoral.

Os 81,29% de abstenção, os 7,54% votos brancos e os 2,24%nulos (91,07% no conjunto) são um sinal de desespero, que já se tinha revelado trágico com a crescente indiferença nas eleições regionais de 2016, com cerca de 60% de abstenção, a maior de sempre nas regionais, superando os 53% de 2008, que já tinham sido as piores de sempre.

É bonito ouvir da voz dos responsáveis políticos, na noite eleitoral, juras à mudança e ao combate a esta indiferença, mas depois sabemos que fica tudo na mesma.

Na noite de Outubro de 2016, a tal da maior abstenção de sempre nas regionais, Vasco Cordeiro já tinha prometido que "é mais do que tempo" que todos cheguem à conclusão de que "é necessário reflectir muito a sério sobre aquilo que se passa", mesmo tirando as questões relativas à abstenção técnica ou à inflação dos cadernos eleitorais.

Pouco tempo depois, logo após a tomada de posse do novo governo no parlamento, todos se comprometiam em "fazer alguma coisa" para alterar o fenómeno crescente, tendo mesmo André Bradford assumido que "uma das prioridades da próxima legislatura será a análise e tomada de medidas que permitam tratar de frente a questão da abstenção e o impacto que tem no sistema político".

Pois bem, a legislatura está quase no fim e o que temos, até agora, é apenas um estudo encomendado à Universidade dos Açores.

Medidas... nada!

É PRECISO UM MOVIMENTO CÍVICO - O fenómeno está mais do que diagnosticado e não faltam vozes, na sociedade fora da política, a alertar para a situação preocupante que vivemos nos Açores em termos de legitimidade representativa.

Até o Bispo de então, D. António Sousa Braga, nas eleições de 2012, emitiu uma nota pastoral a manifestar preocupação com a continuada subida da abstenção e afirmando que "não é admissível que um católico não sinta a obrigação de votar".

Pelo que se tem visto, isto já não vai com apelos à consciência, é preciso mais qualquer coisa, que todos consentem, mas que parece interessar manter tudo como está...

Analisando os resultados de domingo, temos então que os campeões da abstenção são S. Miguel (84%, mais 2% do que em 2014) e Santa Maria (81%, mantendo a cifra).

O Corvo é a ilha com menor abstenção (61%) e também a ilha que dá menos votos ao PSD, apenas 4.

Por concelhos, o campeão este ano é Vila Franca do Campo (86%), que troca com a Ribeira Grande (85% este ano, o mesmo que em 2014) e Lagoa (84%).

Feteiras, no concelho de Ponta Delgada, é a campeã da abstenção em freguesias (91%), seguindo-se Rabo de Peixe (90%) e Água d'Alto (90%).

Desde 1987 (95 mil votantes) até domingo passado (42 mil votantes), mais de 52 mil eleitores deixaram de ir votar.

Ou seja, em 32 anos de eleições europeias, passamos de 45% de abstenção para 81%, quase o dobro (nas regionais, de 1976 até 2016, deixaram de ir votar 16. 500 eleitores).

Tudo isto dá que pensar e já deveria ter disparado, há muito, as campainhas de alarme nas instituições políticas da região.

A somar a esta gravidade, temos ainda que os votos em branco (7,5%) já se tornaram na terceira "força política" das europeias nos Açores.

Se os ditos representantes do povo não mudam e não fazem nada por isso, então é preciso criar um movimento cívico nos Açores que os obrigue a alterar o sistema eleitoral.

A continuar assim, os senhores ditos representantes deviam corar de vergonha com a fraquíssima legitimidade popular que recebem.

Não colhe a ideia de que estas eleições são diferentes das outras, porque os partidos são os mesmos e se não conseguem fazer passar a mensagem da Europa é sobre eles que recai a responsabilidade. 

Os partidos não existem apenas para as autárquicas, as legislativas ou as regionais. Existem, por princípio, para todos os actos eleitorais. É assim que está arquitectado o actual sistema político, por opção dos próprios políticos.

Resultados destes têm, consequentemente, de levar-nos a questionar a adequação deste sistema, para concluir, taxativamente, que não serve.

O autismo dos políticos torna-se terreno maduro para o aparecimento de novas forças políticas fora do discurso mofento dos partidos tradicionais.

É isso que explica, em grande parte, o sucesso do PAN.

E será isso que vai acontecer se os políticos não se mexem a alterar o actual sistema, carregado de vícios e opacidades, mais uma vez denunciados com a abstenção e os votos de protesto.

O que os actuais partidos sabem fazer é apenas lançar o medo sobre os partidos populistas, dizendo que vêm carregados de fantasmas horrorosos. 

Estes partidos surgem, no entanto, exactamente pelos horrores das políticas que têm sido seguidas pelos partidos tradicionais, com muitas culpas não só para os do governo, mas também para os das oposições.

Hoje, na era digital, aborda-se o processo político como se abordava no último quartel do século passado, quando nem a Internet existia como instrumento acessível à generalidade dos cidadãos.

À sociedade civil, que inclui todos nós, não deixa de poder ser assacada também a crítica de pouco ou nada se fazer para tentar mudar este estado de coisas. Está na hora de acordar.

3 - PS E PSD EM QUEDA NOS AÇORES - Quanto a uma leitura rápida aos resultados partidários, o PS mantém a sua tradicional hegemonia regional, mas continua a perder eleitores. 

Desta vez perdeu um milhar de votantes, gente descontente que o principal partido da oposição não consegue captar.

É aqui que radica o acantonamento político regional: por um lado há muita gente descontente com a governação, mas os partidos de oposição não são encarados como alternância credível.

Já em 2016, nas regionais, muitos eleitores tinham manifestado descontentamento com a governação de Vasco Cordeiro, mas voltaram a não acreditar no PSD.

O PS perdeu então quase 10 mil votos, que não se transferiram para o PSD, que também perdeu quase 7 mil.

Enquanto se mantiver este fosso, o PS vai governando sem alternância credível.
No domingo o PS perdeu votos em S. Miguel (554), na Terceira (422), no Faial (186), na Graciosa (64) e nas Flores (41). Subiu de votação no Pico (47), em S. Jorge (129), em Santa Maria (63) e no Corvo (15).

O PSD teve o seu pior resultado de sempre, perdendo em todos os concelhos e, em S. Miguel, apenas ganhou nas freguesias de Rabo de Peixe, Ribeira Seca, Fenais da Ajuda e Algarvia.

De salientar o registo do Bloco de Esquerda, que ganhou mais de 1.500 votos, provavelmente vindos dos mil eleitores perdidos pelo PS e os outros 500 perdidos pela CDU.

O PAN - surpresa destas eleições - triplicou o seu resultado, contando certamente com os jovens novos votantes e alguns do PSD e CDS.

Teremos daqui a poucos meses, em Outubro, as legislativas nacionais.

Embalado por mais esta vitória, o PS terá, certamente, o caminho facilitado, não sendo previsível que o PSD apresente uma lista de candidatos capaz de dar a volta.

E se o PSD entende que vai ganhar as regionais do próximo ano, aparecendo com a "entourage" que rodeava Gaudêncio na noite de domingo, então o melhor que faz é ir dando a volta ao Campo de S. Francisco com um círio igual ao peso da derrota...

Maio 2019

Osvaldo Cabral 
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimédia RTP-Açores, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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