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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Da Califórnia de Luciano Cardoso - “FEELING” FRUSTRANTE


“FEELING” FRUSTRANTE

Politika é uma palavra com raíz grega e significado universal. Todo o mundo a conhece um pouco mais ou menos. Intromete-se sem vergonha no viver das populações que normalmente a olham com alguma desconfiança. No seu melhor, ainda pode parecer uma ciência sofisticada do verbo governar e há mesmo quem a veja como a bela arte de bem servir os reais interesses das gentes das nações. No seu pior, não me atrevo a escrevê-lo aqui. O que se diz aí por fora é feio demais e obriga-nos a refletir. Uma reflexão que até encaixa razoavelmente bem no celebrativo espírito do Dia de Portugal e das Comunidades. Camões ficaria por demais sensibilizado com a magoada voz do povo quando a reduz a um sujo jogo de dúbias manipulações a merecerem o nosso repúdio.

Não sou pessoa de falar mal à toa e bem que tento desviar-me do ruído que facilmente se gera em volta daqueles políticos peritos em meterem os pés pelas mãos para nos lixarem de caras. São humanos, contudo ninguém lhe dá o direito de serem trafulhas. Falar é fácil, prometer não custa e o problema começa aí precisamente quando o atrevimento político abusa do paleio que o tranca nas promessas que não se cumprem. Primeiro, prometem-se mundos e fundos com polido palavreado escolhido para atrair votos. Depois, é o que se vê. Farto do que tem visto, e cansado de acreditar em vão, o povo descontente começa a duvidar se vale a pena votar. Ao perder a fé, vai também perdendo a esperança. 

Sou do tempo que viu Portugal sofrer a suspirar por eleições livres. O voto via-se, lá ao longe, como uma quimera à espera dum abril qualquer que a soltasse para benefício comum. Salazar morreu muito antes de eu ter idade de votar. Nunca o vi, mas lembro-me bem da sua voz tremida, através da rádio, a declamar aquele seu habitual discurso oco para todos os cantinhos do disperso território português, incluindo as nossas “ilhas adjacentes” flutuando esquecidas no meio da bruma atlântica. Esquecidas e subdesenvolvidas, vítimas da insularidade e também da fúria vulcânica, lá nos fizeram vir por aí fora em cata da tal vida melhor, hoje muito prometida pelos políticos generosos em faltarem à sua palavra. Depois, admiram-se dos eleitores lhes quererem faltar ao respeito dizendo-lhes horrores de toda a espécie.

“São a classe mais parasita à superfície da terra.” Sem papas na língua, é assim que o sacrificado Zé Povinho resmunga profundamente desiludido com esses “...marmelos, mentirosos, pelintras, trapaceiros, corruptos...” que o fazem arredar-se das urnas, deixando o seu destino à mercê da perigosa abstenção. Claro que não é justo aplicar a todos o mesmo rótulo, ou metê-los em igual saco, mas começa a ser chocante o número de gente cada vez mais furiosa com o suspeito comportamento dos que fingem estarem ao serviço da causa pública quando, no fundo, mais não fazem do que servirem-se dela jurando cega fidelidade aos especiais interesses do partido que lhes aquece o tacho. E pronto, anda-se nisto há quase meio século lá no nosso bercinho natal a cozinhar-se politiquice partidária à custa da democracia incapaz de seduzir o crescente número de indiferentes ao processo.

Desta vez, a percentagem dos nossos conterrâneos a absterem-se de votar para o Parlamento Europeu ultrapassou mesmo os oitenta por cento – um pesadelo que se teme com tendência a piorar. Pelo andamento da carruagem, há quem opine mesmo que, daqui a não muito tempo, votarão os políticos, suas famílias, seus amigos e pouco mais. Tal é o desencanto do povo bem visível nestes números mais do que alarmantes para uma pequenina região periférica cujo lento desenvolvimento continua ligado aos fundos vindos da Europa. Se são bem ou mal administrados, isso é outra questão que se levanta com a descrença do eleitorado claramente marimbando-se para as urnas quando elas pouco ou nada lhes melhoram as vidas. Não admira, por conseguinte, em dia de eleições, que o pessoal prefira ir à praia, aos toiros ou ficar a ver a bola na TV. Votar no mesmo e mais fraco para quê?

Essa mesmíssima impressão parece rolar também cá pela imensa Diáspora do Novo Mundo. Quando se trata de enviar votos para a velha Pátria, a coisa chega mesmo a rondar o ridículo. Nota-se no comum dos imigrantes aquele frustrante “feeling” de que, votando ou não, tanto faz. Os resultados, por cá, nem chegam a ser dramáticos porque se tornam anedóticos. Por exemplo, uma das mais pujantes comunidades lusas no estrangeiro, a da área de Toronto, conta com dezenas de dinâmicas agremiações, figurando dentre elas a vibrante Casa do Benfica que celebrou recentemente o seu 49* aniversário com a presença de 700 e tal sócios. No consulado local estão inscritos mais de 41 mil nomes, dos quais apenas votaram 115, o que corresponde a uma taxa de abstenção superior a 99%. São números que falam por si exprimindo essa cínica sensação partilhada por tanta gente convicta que votar nada adianta. Porque o seu voto não conta. 
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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