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sexta-feira, 5 de julho de 2019

De António Leal - Crónica do tempo que passa (LV)


Crónica do tempo que passa (LV)

A enorme importância do jornalismo

Na voragem do tempo que passa inelutavelmente por nós, ou pelo qual tantas vezes distraidamente por ele passamos, a comunicação social assume enorme relevância nos nossos dias, a qual merece ser sublinhada cada vez mais.

Entre as várias formas de comunicar, deve ter-se em atenção a imprensa e, mormente, a publicação dos jornais impressos em papel, actualmente numa constante descida das tiragens e com desaparecimento de títulos que, até ao passado recente, prestavam consideráveis serviços aos seus leitores e à sociedade em geral. A sua função é tanto mais importante quanto menor é o índice de literacia da comunidade que pretende servir.

O termo literacia, usado frequentemente entre nós, tem paradoxalmente uma forte carga negativa. Tal conotação está ligada às taxas de analfabetismo ainda existentes e ao abandono escolar, ambos resultantes de condições economico-sociais das famílias, determinantes para os baixos níveis de leitura. Estes, inevitavelmente, levam à incultura, à ignorância, ao desemprego e à discriminação no trabalho.

Durante muitas décadas, anteriores ao 25 de Abril, o analfabetismo foi uma verdadeira chaga e depois da revolução dos cravos ainda não foi extirpado, e continua uma constante preocupação dos agentes do nosso sistema educativo, por ser a literacia fundamental ao desenvolvimento individual e social. O poder de ler é força e ferramenta inestimável para a formação das pessoas e sua inserção social, evitando-se assim novos problemas sobejamente conhecidos.

A explosão dos «media» e as novas tecnologias informáticas proporcionam inúmeras possibilidades de enriquecimento, quando usados adequadamente. A sua utilização exige uma pedagogia e sensibilização que deviam ser praticadas nas nossas escolas e ministrada, também, aos mais velhos que não foram preparados para essas tecnologias. Algo já foi feito, mas ainda há muito por fazer.

A difusão, algo caótica e vertiginosa, do digital exige uma iniciação, um cuidado e uma atenção, como acontecia outrora com a leitura nas escolas. Merece também uma abordagem crítica aos conteúdos veiculados, tal como alguns professores (um deles este vosso servidor) fizeram em relação aos meios de comunicação tradicionais, nas décadas de oitenta e noventa, com algum sucesso que resultou no surgimento de novos jornais dentro dos estabelecimentos de ensino, e no interesse crescente pelos jornais já existentes, que a elas chegavam a título de oferta ou por assinatura das mesmas.

Os baixos níveis de leitura de jornais, revistas e livros, em suporte de papel, é preocupante. Está a perder-se a noção e o valor do verdadeiro jornalismo e do papel dos seus profissionais. A proliferação e atractividade das novas tecnologias estão muito em moda, mas as campanhas publicitárias, o comodismo e desígnios das mesmas nunca conseguirão substituir a qualidade da informação criteriosa, plural profissional e duradoura, dada pelos jornais, rádio e televisão. Isto para não citar problemas de ordem sanitária, resultantes da exposição exagerada à utilização dessas tecnologias, como alguns viciados utilizadores começam a constatar. Sobretudo os das camadas mais cultas, informadas e politizadas da população, bem como os idosos. 

Tal situação deve ser revertida, nos próximos anos, sob pena de se perder a memória individual e colectiva dos cidadãos. Os equívocos e as ciladas poderão vir a ter consequências imprevisíveis para o futuro das nossas vidas e comunidades.

O jornalismo, ao contrário do que pensam alguns, não é uma ferramenta fora de moda, ou de somenos importância científica, histórica e cultural. Ele é o melhor e mais duradouro registo que temos à mão. A sua importância e impacte junto da generalidade da população (o que não é ainda o caso dos produtos do digital) ficou bem patente, no passado dia 10 de Junho, com o memorável discurso do jornalista João Miguel Tavares, proferido em Portalegre, cidade do Alto Alentejo, tão brilhantemente cantada pelo grande professor e poeta José Régio.

Nesse discurso que incomodou certos meios políticos (leia-se politiqueiros e apaniguados), ficou demonstrado o valor do jornalismo sério, atento e crítico, bem diferente das debilidades mentais de pseudo-jornalistas e de certas novelas ou narrativas ficcionadas, que nos querem impingir. Cito do discurso de J.M.T: «Os escritores costumam afirmar que os livros deixam de ser deles quando chegam às mãos dos leitores, ganhando vida própria. Isso está certo quando se trata de obra de ficção». O jornalismo não pode ir por aí como alguns gostariam.

Na verdade a sua mensagem não foi uma ficção, mas sim uma descrição realista, uma perfeita radiografia de um país gravemente doente e não aquele colorido que certos mercenários da política nos querem fazer crer, para a sua sobrevivência pessoal e familiar. E falam com tanta prosápia e arrogância como se fossem intocáveis donos disto tudo. Contudo, a melhor resposta a essas veleidades e sobrancerias foi a vergonhosa abstenção registada nas últimas eleições em Portugal. 

Será que a sofreguidão de alguns deles é cega ou velhaca? Ou esperam um dia serem eleitos apenas com os seus próprios votos, os de alguns familiares e compinchas? O futuro não vai ser fácil para quem se considera intocável e não gosta de ouvir as verdades, habituados que estão a ter assessores de imprensa, muito bem pagos, ao seu dispor.

O orador e presidente das comemorações do Dia de Portugal, Camões e das Comunidades preconizou que o 10 de Junho devia ser representativo dos cidadãos comuns e não das elites. Muitos dos melhores cidadãos não figuram nas listas entre os agraciados. E para os que queriam um discurso cor-de-rosa, floreado e não realista, com serviço «à la carte», incluindo os ingredientes para temperar as agruras dos portugueses, J.M.T. remeteu-os para o primeiro-ministro António Costa, porque a sua profissão é outra. «Chama-se jornalismo. E faz muita falta ao país». A.N.L.

Corrigenda: Na crónica anterior, por lapso, saiu 9/º de votantes nos Açores, devendo ler-se 19/º e, em vez de 91/º, é 81/º a percentagem da abstenção. As minhas desculpas aos estimados leitores.

(Publicada no quinzenário Jornal da Praia, nº 548, de 5 a 18 de Julho. 2019).

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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