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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

No Brasil nunca ouvi falar do assalto ao paquete Santa Maria


Foto Revista Cruzeiros 

Paradoxal que possa parecer desde que estou no Brasil, e recuando no passado, nunca ouvi falar do assalto ao Paquete Santa Maria. Inclusive, questionei algumas pessoas amigas sobre este acontecimento e... nicles. O assalto ao Santa Maria ocorreu em janeiro de 1961 com um ex-militar português, de nome Henrique Galvão, a desviar o paquete Santa Maria tendo como objetivo provocar uma crise política no regime do então ditador António Oliveira Salazar.

Pretendia Henrique Galvão desembarcar em Luanda (Angola) e, a partir da capital angolana, organizar um golpe de estado para, obviamente, derrubar o regime.

Encontrado a navegar no Atlântico por unidades de guerra americanas, o Santa Maria aporta no Brasil, onde Galvão e o seu grupo pedem asilo político.

Não perdi a esperança de ainda ouvir alguém aqui no Brasil falar deste acontecimento que teve repercussão mundial. E a verdade nua e crua é que o Santa Maria chegou ao Brasil. Mas, em Angola, onde o navio era esperado, concentrou-se um batalhão de jornalistas.

Mais tarde, e com a devida vénia, vejamos o que escreveu o Jornal Público:

“Para o capitão Henrique Galvão, o assalto ao Santa Maria foi uma vitória. Para o comandante Jorge Soutomaior, um fracasso. José António Barreiros traduziu o relato de Soutomaior. O resultado, diz, é um livro que dá uma visão diferente daquela operação

Chama-se Eu Roubei o Santa Maria - relato de uma aventura real. É uma visão diferente do que se passou entre a madrugada de 22 de Janeiro e o dia 2 de Fevereiro de 1961, quando o paquete Santa Maria foi tomado por ex-combatentes galegos da Guerra Civil de Espanha e dissidentes do Estado Novo. O advogado José António Barreiros traduziu o relato escrito em 1972 pelo comandante Jorge Soutomaior, herói na Guerra Civil espanhola, que conta a sua versão dos bastidores da operação. O livro é lançado na próxima quarta-feira.

Porque decidiu traduzir o livro Eu Roubei o Santa Maria?

Porque esta versão do apresamento do Santa Maria era ignorada, apesar de ter sido escrita em 1972.

Vingava ainda na memória colectiva a narrativa de Henrique Galvão, assente numa lógica de "culto da personalidade", que esquecia a verdadeira natureza política galaico-portuguesa do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) e fazia tábua rasa das contradições internas e internacionais do acto. Havia que abrir caminho ao outro lado da História. Os historiadores que digam onde está a verdade.

Que papel teve o comandante galego na tomada do Santa Maria?

Soutomaior, oficial de Marinha, foi o responsável pela operação militar de tomada do navio e condução do mesmo, sendo Henrique Galvão o dirigente político. Do ataque resultou a funesta morte do piloto Nascimento Costa e ferimentos em outros oficiais. Salazar tentou que o acto fosse considerado como pirataria, mas acabou por ser reconhecido pelos EUA como um acto de beligerância legítima, tendo o Brasil dado asilo político aos ocupantes do navio.

Quem era Jorge Soutomaior?

Jorge Soutomaior é o nome de guerra de um galego, herói na Guerra Civil espanhola do lado republicano. Chamava-se José Hernández Vázquez. Nasceu em 1904. Refugiado na Venezuela, formou com o professor Velo Mosquera um movimento de libertação da Galiza.É nesse quadro que pactuam com o general Humberto Delgado, em Caracas, e fundam o Directório Revolucionário Ibérico de Libertação, movimento que visava criar uma Ibéria livre das ditaduras peninsulares. Morreu no final dos anos oitenta.

Diz que o relato de Soutomaior dá uma versão diferente da história do Santa Maria. Pode concretizar?

Há substanciais diferenças. Por um lado, conta a origem do DRIL, o papel dos galegos neste movimento, a sua participação na tomada do barco. Depois, porque detalha os conflitos ideológicos e de personalidade entre Soutomaior e José Velo com Henrique Galvão, que Soutomaior considera um traidor à causa, e com Humberto Delgado. Além disso, este livro explica também o papel desempenhado pelos norte-americanos e os brasileiros no desfecho da operação, nomeadamente no campo do apoio que estes países deram à luta anticolonialista. O ataque ao Santa Maria inseriu-se não só na luta contra as ditaduras ibéricas mas também na luta contra o colonialismo. E aqui os portugueses não tinham a mesma visão das coisas. A tese de Galvão é a de que do assalto resultou uma vitória. Para Soutomaior, no entanto, foi um fracasso. Para o capitão, foi um acto de heroicidade lusitana, para o comandante, um esforço frustrado de um colectivo galaico-português”.


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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