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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

domingo, 17 de novembro de 2019

Encontro número 10


Encontro 10 

Neste domingo, e na sequência da nossa conversa sobre barbearias no centro da cidade de Angra do Heroísmo, voltei com o mesmo tema num retorno ao Corpo Santo para elucidar a Jaqueline como morreu o Virgílio barbeiro, figura muito estimada no bairro. Trouxe para este encontro um texto que escrevi sobre o Virgílio. Mas, antes, ainda saboreamos a nossa bica, desta feita servida pelo António, sempre afável com os clientes. De resto, prometi à Jaqueline satisfazer a sua curiosidade em relação ao outro empregado do Aliança, o Carlos Henrique.

O ÚLTIMO ADEUS DO VIRGÍLIO BARBEIRO

Era das pessoas mais calmas que se conheceu no Corpo Santo. Educado q.b., o Virgílio, que tinha a sua barbearia numa sub-loja onde morava com o irmão Celestino, teve uma morte trágica. E ele bem que disse antes de aceitar o convite para ir de barco ao Porto Judeu: “não quero ficar com a sola dos pés branca”. E ficou mesmo.

Quando eu era ainda criança, fiquei chocado com um trágico acontecimento passado no mar, vitimando um velho conhecido, o Virgílio barbeiro, irmão do Celestino, e que moravam bem em frente à casa do Roberto Carneiro, pertinho das habitações do Mestre Rocha (também barbeiro de profissão e pai do Dr. José Henrique Rocha Lourenço) e do senhor José Lisboa, sogro do nosso saudoso Ângelo Faria. Por ali, no Caminho Novo, onde se encontra erguida a Ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem, toda a gente se conhecia. Era ali no Caminho Novo, entre as árvores de amoras, que jogávamos as nossas peladinhas, sempre sujeitos a que aparecesse um polícia que acabasse com aquilo que na altura mais gostávamos de fazer. Pior quando era o “polícia batata” de que já falamos em outro artigo.

O Virgílio barbeiro tinha a sua oficina no rés-do-chão da casa que coabitava com o irmão Celestino e era uma pessoa bastante pacata. Numa bela tarde de verão (ano de 1955?), foi convidado por uns amigos para dar um passeio de barco até ao Porto Judeu. Como não sabia nadar, sempre foi dizendo “que não queria ficar com a sola dos pés branca”, mas, de tanta insistência dos amigos em questão, lá se decidiu por acompanhá-los. Terá sido, pelas circunstâncias seguintes, o último adeus do Virgílio barbeiro.

No regresso, o grupo optou por passar pelo ilhéu pequeno. Passaram uma vez e depois voltaram a fazer o mesmo, só que, desta feita, aconteceu o pior, a embarcação virou. Eram 21H40 minutos quando isso se verificou. À exceção do Virgílio, todos os restantes amigos, Ildefonso Ávila, Manuel de Jesus, Guilherme Armas (tio do Dr. Jácome Armas), Walter Batista e João Rosário, nadaram até ao ilhéu e lá permaneceram durante nove horas. Quem deu por eles (creio que queimaram alguma roupa durante a noite para transmitirem sinal para terra), já de madrugada, foi uma embarcação da pesca do congro do Porto Judeu que, circunstancialmente, estava a pescar na costa e que, por sua vez, deu sinal a uma traineira dos madeiras (pesca do atum) que acabaria por resgatar os acidentados, mas do Virgílio barbeiro nada se sabia e nunca o corpo foi encontrado posteriormente. Os referidos acidentados foram então levados para o Porto das Pipas. Numa das pedras do ilhéu ficou o Ildefonso, Manuel de Jesus e Guilherme Armas. Noutra pedra o Walter Batista e, finalmente, na ponta do ilhéu (de fora), o João Rosário.

Escusado será dizer que a morte do Virgílio barbeiro, pelas próprias circunstâncias em que ocorreu, abalou a população do Corpo Santo. Ainda durante vários dias, muita gente se deslocava até ao Adro Santo com a esperança de que algum barco ou traineira dos madeiras tenha encontrado o corpo do nosso querido Virgílio barbeiro. Lembro-me que, nesse trágico dia, vi o Virgílio barbeiro sair de casa com o seu chapéu de palha. Lembro-me ainda que estava encostado à igreja da Boa Viagem e que ele, ao passar, me disse: “tirolé hoje não temos bola?”. Foi a última vez que vi o Virgílio e também a última vez que me chamou de “tirolé”.

NOTA FINAL - Já não me recordava do nome de todos os acidentados e, como tal, recorri ao meu amigo Ildefonso Ávila que complementou a informação com outros importantes detalhes, ou seja, como ficaram colocados nas pedras até chegar o barco dos madeiras. Mas foram nove horas de grande angústia.

Ainda na parte final desta conversa com a Jaqueline informei que a cunhada do Virgílio era a D. Maria que trabalhou muitos anos na Farmácia Pimentel, uma pessoa muito dedicada à população do bairro e não só.


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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