Ilha Terceira
José Eliseu Costa
A ilha Terceira, em mais de meio milénio de povoamento, tem sido berço
de pessoas que se tornam figuras incontornáveis pelo que escrevem, dizem,
cantam, ensinam, pelo que fazem, pelo que são. Outras há que pelo seu carácter,
integridade e simpatia tornam-se exemplos da intrepidez e tradição
cavalheiresca que têm marcado gerações nesta ilha redonda. Neste grupo está sem
dúvida Luís Carlos Noronha Bretão.
Filho de um dos mais insignes doutos em exercício na cidade de Angra do
Heroísmo, Luís teve sempre o condão de nunca esquecer as suas raízes rurais,
por via paterna, da freguesia de Santa Bárbara daquele concelho. E talvez isso
tenha condicionado a moldagem da sua personalidade e aguçado a sensibilidade
para as tradições populares. A sua residência é anualmente franqueada às
romarias dos pezinhos de São Carlos, tornando-a paragem obrigatória. Desse modo
nasceu a admiração pelos cantadores como trampolim para a formação de laços de
amizade que perduram até hoje.
Luís é um homem solidário, de diálogo fácil e aberto, franco, prestável,
leal e sem qualquer capa de fingimento. A pronúncia terceirense bem fincada,
falada por vezes a um ritmo matraqueado, dá um toque alarachado e divertido ao
seu discurso. Ele olha-nos, não com altivez, mas com humildade; fala-nos não
com aspereza, mas com meiguice; incentiva-nos não com hipocrisia, mas com
sinceridade; critica-nos não com insolência, mas com respeito; escuta-nos não
com sacrifício, mas com deleite, abraça-nos não com cinismo, mas com elevada
estima. Ele orienta, pois, a sua vida por princípios morais nobres, além de ser
prestável, caridoso, solícito, compreensivo e bondoso.
A poucos metros do alçado tardoz da sua vivenda construiu um alpendre
retangular destinado a reuniões de família, convívios, tertúlias, festas
comemorativas e encontros gastronómicos. Foi nesse novo compartimento que os
cantadores se tornaram presença frequente como animadores de serões. Ele faz
questão de brindar os seus convidados, em momentos considerados especiais, com
cantigas ao desafio que acabam por divertir à conta dos motes específicos que
são fornecidos.
Um acidente vascular cerebral fê-lo perder pujança física, diminuiu-lhe
muito a agilidade dos membros canhotos, mas não lhe retirou a lucidez e até o
tornou mais longânime. Mesmo fisicamente limitado continuou a organizar
festins, a receber pezinhos e a dinamizar iniciativas de índole cultural. Com
mais tempo livre, aprofundou conhecimentos sobre as cantigas ao desafio,
estudou as características dos repentistas e compreendeu melhor o glossário do
vernáculo popular. Recolhe textos e depoimentos sobre tradições terceirenses,
figuras marcantes e típicas do povo, improvisadores, violistas e até sobre
momentos de culto, compilando-os em pequenos opúsculos.
O Luís Bretão nutre carinho pelos cantadores, mas esse sentimento é
recíproco. Ele ajudou a quebrar barreiras preconceituosas e a desfazer a ideia
de obtusão associada aos cantadores ao desafio por alguns aristocratas. Trata
todos os elementos da classe com igual afabilidade independentemente do
traquejo ou capacidade poética. Na mesma medida incentiva e promove os principiantes,
como eleva o seu preito aos veteranos da velha guarda.
Luís é conselheiro, conciliador, altruísta, cordial, sincero, alegre e
amigo.
Estou-lhe grato pela amizade que me tem dispensa e desejo que viva
muitos mais anos na nossa companhia para que nos contagiemos pela sua boa
disposição e nos orientemos pelo seu exemplo.
José Eliseu Costa - São Bartolomeu, ilha Terceira, Janeiro de 2014
José Eliseu Costa - São Bartolomeu, ilha Terceira, Janeiro de 2014
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