Cadáver elegante
antes dos 100
anos
Nas diferentes
plataformas ao seu dispor, lá aparece o nutricionista a alertar, pela enésima
vez, que os portugueses abusam nas gorduras, no sal, no açúcar e que o santo
remédio é enveredar por uma dieta rigorosa,
que tanto pode ser à base de saladas naturais como a comer de tudo, desde que
seja moderadamente.
Quem não seguir os conselhos à risca, viverá sob a
ameaça constante do colesterol (do mau, porque o bom até é saudável), dos
diabetes, dos ataques cardíacos e de outras coisas ruins que nos podem dar
boleia à morte, tarefa que, escreva-se de passagem, a vida sempre se encarrega.
Segundo os sábios conselhos, é ainda indispensável realizar muitos exercícios
(especialmente nos ginásios onde o nutricionista presta colaboração…), não fumar
e só ingerir bebidas alcoólicas de forma ajuizada.
Com esta receita, facilmente todos chegarão a um
século de existência.
Eu acho muito bem, mas rejeito tal ementa. Ponto
prévio, aprendido na Associação dos Amigos do Garfo: leva-se desta vida é a
vida que levamos.
Defendo, e pratico, a ideia de que deveremos ser
nós a regular o funcionamento do próprio organismo.
O exercício é deveras simples: se abusei no almoço,
o melhor é evitar o jantar ou, caso sinta necessidade, comer frugalmente.
Nunca comer até enjoar, mas também não abandonar a
mesa com fome porque a emenda (ou ementa, se preferir) será invariavelmente
pior do que o soneto.
Todos os personal trainers vão atirar-me com pesos
à cabeça pelo facto de praticar atividade física ao ar livre em detrimento dos
ginásios onde, admito, possam existir vistas deveras agradáveis
independentemente do género e gosto pessoal.
Marina de Angra do Heroísmo, Porto das Pipas, Relvão e Monte
Brasil chegam de sobra para as minhas caminhadas, sem custos financeiros e ar
puro à disposição.
Dispenso fundamentalismos, sabendo que o espírito
deve evitar as securas. Um dia não são dias e a porta do divertimento convém
estar sempre entreaberta.
Até bebendo três cafés por dia, como recomendado
cientificamente, mantenho sérias reservas sobre a hipótese real de chegar aos 100
anos, apesar dos banhos salgados durante o ano inteiro.
De qualquer modo, ninguém me tira da cabeça a ideia de que
serei portador de um cadáver elegante e, quiçá, saudável…
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