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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Os "monstro sagrados" nunca serão esquecidos - Eça de Queirós


É sabido que A Cidade e as Serras é um dos romances mais celebrados de Eça de Queirós, sendo especialmente louvado pela descrição realista da paisagem física da vertente norte das margens do Douro, ao ponto de ter interferido na toponímia oficial da região. Tormes, o nome fictício da quinta em se aloja Jacinto, quando, a meio do romance, decide empreender uma viagem a Portugal, é o nome que hoje ostentam a propriedade rural e a mansão senhorial de Santa Cruz do Douro, herdadas pela mulher de Eça, Emília de Castro, filha do conde de Resende.

Mas se a descrição do espaço físico obedece a esse realismo tão rigoroso que nos permite localizar com relativa precisão os lugares que inspiraram o autor, a descrição da personagem principal e dos seus comportamentos está completamente dependente da perspetiva conservadora e provinciana de Zé Fernandes. Na realidade, opção pelo discurso de narrador homodiegético não permite o acesso, tão característico da ficção naturalista, à corrente de consciência da personagem central da narrativa.

 No início do relato, Jacinto vive em Paris bem integrado na alta sociedade da capital francesa e rodeado do maior luxo e ostentação. Absolutamente convicto do triunfo da ciência sobre o obscurantismo e da superioridade da cidade sobre o campo, entendia que o grau de felicidade humana estava intimamente associado ao grau de civilização. Tornara-se famosa no Bairro Latino a fórmula algébrica da sua filosofia de vida, simplificada por um discípulo francês, segundo a qual a suma ciência multiplicada pela suma potência era igual à suma felicidade.

Quando Zé Fernandes regressa a Paris, depois de um período de sete anos passados no Norte de Portugal, é surpreendido pelo reforço da tecnologia introduzida por Jacinto na sua mansão dos Campos Elísios. Telégrafo, telefone, teatrofone, conferençofone e até dois elevadores para conduzirem a comida da cozinha para a sala de jantar, todas as comodidades (e incomodidades) permitidas pelo progresso tecnológico marcam presença naquela casa, surpreendendo a própria alta sociedade parisiense. Largos milhares de livros e publicações periódicas de todos os géneros mal cabem já na ampla biblioteca da casa. Mas de todos os elementos que pertencem ou que rodeiam a vida do seu amigo, nada impressiona tanto Zé Fernandes como Madame d’Oriol, que considera “uma flor da Civilização”. Começa, no entanto, a pressentir-se em Jacinto, extenuado pelas obrigações sociais a que a sua notoriedade pública o condena, um certo cansaço de Paris e da Civilização.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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