É sabido que A Cidade e as Serras é
um dos romances mais celebrados de Eça de Queirós, sendo especialmente louvado
pela descrição realista da paisagem física da vertente norte das margens do
Douro, ao ponto de ter interferido na toponímia oficial da região. Tormes, o
nome fictício da quinta em se aloja Jacinto, quando, a meio do romance, decide
empreender uma viagem a Portugal, é o nome que hoje ostentam a propriedade
rural e a mansão senhorial de Santa Cruz do Douro, herdadas pela mulher de Eça,
Emília de Castro, filha do conde de Resende.
Mas se a descrição do espaço físico obedece a esse realismo tão rigoroso que nos
permite localizar com relativa precisão os lugares que inspiraram o autor, a
descrição da personagem principal e dos seus comportamentos está completamente
dependente da perspetiva conservadora e provinciana de Zé Fernandes. Na
realidade, opção pelo discurso de narrador homodiegético não permite o acesso,
tão característico da ficção naturalista, à corrente de consciência da
personagem central da narrativa.
No início do
relato, Jacinto vive em Paris bem integrado na alta sociedade da capital
francesa e rodeado do maior luxo e ostentação. Absolutamente convicto do
triunfo da ciência sobre o obscurantismo e da superioridade da cidade sobre o
campo, entendia que o grau de felicidade humana estava intimamente associado ao
grau de civilização. Tornara-se famosa no Bairro Latino a fórmula algébrica da
sua filosofia de vida, simplificada por um discípulo francês, segundo a qual a
suma ciência multiplicada pela suma potência era igual à suma felicidade.
Quando Zé Fernandes regressa a Paris, depois de um período de sete anos
passados no Norte de Portugal, é surpreendido pelo reforço da tecnologia
introduzida por Jacinto na sua mansão dos Campos Elísios. Telégrafo, telefone,
teatrofone, conferençofone e até dois elevadores para conduzirem a comida da
cozinha para a sala de jantar, todas as comodidades (e incomodidades)
permitidas pelo progresso tecnológico marcam presença naquela casa,
surpreendendo a própria alta sociedade parisiense. Largos milhares de livros e
publicações periódicas de todos os géneros mal cabem já na ampla biblioteca da
casa. Mas de todos os elementos que pertencem ou que rodeiam a vida do seu
amigo, nada impressiona tanto Zé Fernandes como Madame d’Oriol, que considera
“uma flor da Civilização”. Começa, no entanto, a pressentir-se em Jacinto, extenuado
pelas obrigações sociais a que a sua notoriedade pública o condena, um certo
cansaço de Paris e da Civilização.
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