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quarta-feira, 13 de junho de 2018

De Osvaldo Cabral - Jornalista e Diretor do Diário dos Açores


Uma lição de democracia

À parte o tradicional folclore das comemorações do 10 de Junho, o Presidente da República veio aos Açores dar uma lição de democracia, proximidade e pluralismo.
Tirou o Presidente do Governo Regional dos Açores dos corredores apalaçados e levou-o a almoçar num restaurante da baixa citadina, em sinal de proximidade com a realidade de qualquer cidadão comum; mergulhou nas águas do Pesqueiro no meio de outros populares; e, à noite, depois do espectáculo de fogo de artifício, arrastou o Primeiro Ministro, o Presidente do Governo, chefias militares e alguns convidados para uma tasca da cidade.
Marcelo Rebelo de Sousa explicaria depois, em Boston, que a única forma de os políticos evitarem populismos é estando “perto das pessoas”, que têm “nomes, caras, sonhos”.
Era bom que a nossa classe política regional aprendesse, mas como gostam muito de olhar para si próprios e fecharem-se nos gabinetes bafientos do poder, nem tão pouco saberão copiar a organização impecável das cerimónias do Dia de Portugal, em que o Chefe de Estado faz um discurso de apenas 5 minutos, deu o protagonismo a uma personalidade da sociedade civil e condecorou apenas três militares.
No Dia dos Açores temos de gramar com longas discursatas políticas e mais de três dezenas de condecorações...
Depois, Marcelo levou Vasco Cordeiro à conferência dos parceiros so- ciais e, então, proferiu o discurso mais marcante nesta visita, elogiando a cidadania e a dinâmica do Fórum dos patrões e trabalhadores, coisa pouco vulgar na nossa política regional.
“Aquilo que se assiste em torno deste Fórum - é esta a minha observação desde sempre - é precisamente isto: a procura de um diálogo, de um entendimento, de um consenso desejável em termos económicos e sociais”, sublinhou o Chefe de Estado, referindo-se ainda à “democracia participativa” nestes termos: “E a grande riqueza é os parceiros económicos e sociais não serem uma repetição dos partidos políticos. Os partidos têm o seu papel, no governo como na oposição, e os parceiros económicos e sociais têm esta grande vantagem”, que é “pronunciarem-se sobre certas matérias, com um distanciamento relativo quanto ao sistema representativo (...) Esta é uma grande virtualidade, uma grande riqueza”.
Ora, sabemos como a participação cívica é tratada nos Açores pela nossa classe política.
Para além de uma brutal indiferença, há ainda quem a esmague com uma obsessiva tentação de controlar tudo e todos.
É por isso que os cidadãos estão cada vez mais longe dos nossos políticos e foi curioso assistir aos inúmeros aplausos que os populares deram a Marcelo nas ruas de Ponta Delgada, ignorando por completo os outros políticos.
As próprias propostas dos parceiros sociais são um exemplo de como tudo é ignorado pelo poder político.
Veja-se esta pouca vergonha do Conselho Económico e Social, presidido por uma personalidade independente, sugerido pelos parceiros sociais e aprovado pelo Conselho do Governo faz hoje exactamente um ano!
O diploma ainda se encontra nas gavetas escarafunchadas da Assembleia Regional, que muito sorrateiramente publicou na sua página virtual a aprovação em Comissão nos dias em que o Presidente da Repú- blica cá esteve.
Esta preguiça do nosso parlamento, sempre por arrasto na lentidão do governo, não é nenhuma originalidade.
Como denunciou o Dr. Arnaldo Ourique, não se pode esperar muito de um parlamento que produziu apenas 8 diplomas no ano passado, o que perfaz um custo de 1.532.902 euros por cada diploma!...
Se Marcelo soubesse disso, ponha as mãos à cabeça.
Mesmo assim, sem medos e sem formalismos, deu uma grande lição em apenas três dias.

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A LIÇÃO DE AÇORIANIDADE - O Dia de Portugal nos Açores não podia ter encontrado melhor orador, que interpretasse o sentimento açoriano, do que o culto e observador arguto Onésimo Almeida.
Este açoriano do Pico da Pedra, que não gosta de ser tratado por Doutor ou Professor, condensou, com elevada mestria, em 14 páginas dactilografadas, toda a nossa História, do passado, do presente e os de- safios que se nos apresentam no futuro.
Deixou recados que nos apoquentam há muito: “Queremos o reconhecimento de um Portugal que abriu rotas para as mais diversas partes do planeta, e agora bem poderá reassumir esse seu papel de rampa de saída de pontes sobre o Atlântico”; “ Se o debate sobre os mares actualmente em curso reverter a nosso favor, bem poderemos ver a superfície dos Açores alargada de modo exponencial, e estas ilhas, sempre lugar de pouca terra e muito mar, passarem a ser uma espécie de mapa, um mapa azul, sem os problemas do antigamente chamado mapa cor-de-rosa, antes, ao contrário, de horizontes largos e promissores. Então o oceano envolvente passará a verdadeiro Rio Atlântico”.
A excelência da peça apresentada por este autor com mais de duas dezenas de livros, milhares de artigos espalhados pelo globo e dezenas de conferências proferidas todos os anos em vários países, merecia ser reproduzida em opúsculo e distribuída pelas escolas, sobretudo nas nossas ilhas e diáspora.
Obrigado ao “irrequieto Onésimo Almeida, o homem de cultura, o leitor compulsivo, o escritor, o conversador inverterado, o comunicador atraente, o humorista”.
Uma grande lição de humanismo e orgulho açoriano.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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